Ditadura na Europa
Via Resistir.info
Juan Torres López
Nem
24 horas se passaram desde o encerramento das urnas na Itália e Angela
Merkel ditou o que é preciso continuar a fazer ali. O porta-voz do seu
partido afirmou que seja qual for o governo que se forme só admitirá um
caminho a seguir, o das reformas de Monti. E o seu ministro da Economia
reiterou que não há mais alternativas senão as medidas que executava o
presidente-banqueiro que agora foi fragorosamente derrotado nas
eleições.
Não há forma mais clara de afirmar
que o que disseram os cidadãos através do voto é que se estão a marimbar
para aqueles que hoje em dia converteram a Europa numa ditadura de
facto.
Na Europa está a desmantelar-se a
democracia e é lógico que isto esteja a ocorrer. É a única maneira que
as autoridades têm de garantir que se possam continuar a aplicar
políticas cujo fracasso é indisfarçável e assim beneficiar uma minoria
muito poderosa que vive de um modelo social desigual e injusto.
O
relatório de Inverno apresentado há alguns dias pelo comissário da
Economia, Olli Rehn, demonstra claramente que os resultados das
políticas que se vêm impondo são totalmente distintos do que disseram
que iam conseguir quando as anunciavam como nossa salvação. Tudo é ao
contrário do que haviam previsto: o crescimento é menor, o desemprego
aumentou, os bancos não financiam, as empresas continuam a fechar, o
défice e a dívida crescem e ao invés de recuperar-se a economia europeia
entra em recessão.
Os danos sociais que isto
provoca aumentam em todos os países, sem excepção. Os indicadores que o
Eurostat, o gabinete de estatística europeu, apresentou esta semana
mostram que já quase um de cada quatro europeus (24,2%) e uns 27% dos
jovens menores de 18 anos está em risco de pobreza ou exclusão social.
Percentagens que são terrivelmente mais altas em alguns países da União
Europeia, como a Bulgária (49,1 e 51,8%), onde as pessoas na rua acabam
de derrubar o governo. E que alcançam proporções siderais quando se dão
em famílias de baixos níveis de estudos. Neste caso, a percentagem de
menores de 18 anos em risco de pobreza monetária no conjunto da UE é de
49,2%, de 76,2% na Chéquia ou de 78,3% na Roménia. Inclusive em países
que sempre havíamos considerado a vanguarda do progresso está a começar a
ser desencadeada a pobreza infantil e juvenil em famílias com baixo
nível de estudos: 54,4% na Suécia, 52,5% em França ou 55,1% na Alemanha.
A única coisa que avança na Europa é a concentração do rendimento e o
peso dos rendimentos do capital no conjunto dos rendimentos.
E
o problema maior que tudo isto está a provocar é que a deterioração
económica está a deixar de ser conjuntural. Estamos a ponto de cruzar
uma fronteira a partir da qual os danos, em forma de destruição de
tecido empresarial, de emprego, de inovação e de capital físico, social,
investigador e humano para o investimento futuro são irreversíveis. Por
isso é dramático que os líderes europeus se fechem em copas perante
qualquer sinal de reforma que não seja as que eles apregoam como
representantes dos grandes capitais, cujos negócios ajudam e gerir quer
no âmbito público como no privado através das portas giratórias que
funcionam tão bem sob o seu mandato.
A Alemanha
está a cometer com a Europa o mesmo erro que com ela cometeram os
países europeus que a venceram na Primeira Guerra Mundial. Então,
foi-lhe imposta uma política de reparações que criou o demónio que anos
mais tarde incendiou todo o continente e agora os alemães emprenham-se
em impor uma política de austeridade que não só é injusta e tosca como
também é impossível que possa ter êxito. Mais uma vez, ateiam fogo à
Europa.
As exigências alemãs para que os demais
países continuem a reduzir salários e exportem cada vez mais são
simplesmente estúpidas. É materialmente inviável que todos os países se
especializem da mesma forma e que todos possam ter vantagens se se
dedicarem a desenvolver a mesma estratégia. É um engano porque oculta
que assim só se beneficiam as grandes corporações exportadoras à custa
do empobrecimento de todo o mercado interno europeu. E o empenho em
reduzir despesas públicas é paranóico porque o que na verdade a cada dia
gera mais dívida são os juros por culpa de um banco central europeu que
não o é.
O impressionante, contudo, é que não
há reacção potente dos governos de países europeus que vêem como esta
estratégia afunda suas economias e destroça suas sociedades. Inclusive
uma grande potência como a França assume-a sem sequer refilar. A Espanha
tem um peso suficiente na Europa para forçar mudanças, mas nem sequer
tenta. E assim um atrás do outro, pois não parece que ao novo governo
italiano se vá dar muita capacidade de manobra.
As
imposições da Merkel e do capital alemão já são muito mais do que um
empenho ideológico. Não vale recorrer outra vez ao santo temor alemão à
inflação ou ao seu conceito pecaminoso de dívida. São as suas políticas
que alentam um poder de mercado que arrasa o poder aquisitivo da imensa
maioria das famílias europeia ou os que impõem um banco central que é a
fonte real do incremento do défice e da dívida.
O
que há por trás de tudo isto é a decisão de salvaguardar o poder
financeiro acima de qualquer outra vontade e a vontade firme de saltar
em estilo toureiro as preferências dos povos, e de evitar o que dizem
nas urnas. Mas vamos deixar de dissimulações. Isso já conhecemos na
Europa e chama-se ditadura.
28/Fevereiro/2013
O original encontra-se em http://juantorreslopez.com/impertinencias/dictadura-en-europa/
*GilsonSampaio
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