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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 05, 2013

"O maior patrimônio do Brasil: o seu povo"



Leonardo Boff 
Nossa história pátria vem marcada por uma herança de exclusão que estruturou nossas matrizes sociais. 
Criou-se aqui, um software social caracterizado pelo mais recente analista de nossa formação histórica, Luiz Gonzaga de Souza Lima, como um Estado Econômico Internacionalizado, numa palavra, a Grande Empresa Brasil, produtora de bens para as grandes potências coloniais e hoje globais (A Refundação do Brasil, 2011). 
Tal fato tem onerado poderosamente a invenção de uma nação soberana. 
Reparando bem, fomos vítimas de quatro invasões sucessivas que inviabilizaram, até recentemente, um projeto nacional autônomo, aberto às dimensões do mundo. 
A primeira invasão, fundacional, ocorreu no século XVI com a colonização portuguesa. 
Índios foram subjugados ou eliminados, milhões de escravos foram trazidos de África como carvão para a máquina produtiva. 
A segunda invasão se deu no século XIX. 
Milhares de emigrantes europeus para cá, aliviando a pressão revolucionária que pesava sobre as classes industriais. Foram vistos pelos que aqui já estavam como os novos invasores. 
Seus descendentes, logo incorporados ao projeto das classes senhoriais, criaram zonas prósperas, especialmente no Sul. 
A terceira invasão ocorreu nos anos trinta do século passado e foi consolidada nos anos sessenta com a ditadura militar. Introduziu-se uma modernização conservadora mediante a industrialização de substituição. 
Ela se deu em estreita associação com capital transnacional e com as tecnologias importadas. 
Por ela se firmou a lógica de nosso desenvolvimento dependente, voltado para fora, produzindo aquilo que os outros queriam e não o que o povo precisava. 
Mas criou-se um Estado nacional forte que hegemonizou esse processo. Em tensão dialética com este esforço, elaborou-se também um outro projeto representado pelas massas emergentes da cidade e do campo. 
Visavam outro tipo de democracia que devia tornar possível o desenvolvimento com inclusão e justiça social. 
Para derrotar esta proposta, as classes proprietárias deram em 1964 um golpe de classe, utilizando o braço militar. 
Como consequência, o Brasil mergulhou decisivamente na lógica excludente do capitalismo transnacionalizado. 
A quarta invasão se deu com a globalização econômica e com o neoliberalismo político a partir da inovação tecnológica dos anos 70 do século XX e da implosão do socialismo com a consequente homogeneização do espaço político-econômico, ocupado pelo neoliberalismo. 
Fomos invadidos pela racionalidade da globalização econômica e pela política neoliberal do Estado mínimo e das privatizações. 
As teses neoliberais, no entanto, foram refutadas pela devastadora crise econômico-financeira de 2008, atingindo o coração do sistema mundial e pondo todas as economias nacionais em grandes dificuldades. 
Nós, graças às reformas, algumas feitas antes, mas, consolidadas pelo Governo Lula/Dilma Rousseff, temos podido resistir. 
Estamos conseguindo um fato inédito: manter o nível de emprego e garantir um crescimento sustentado embora pequeno. 
Entretanto, na nova distribuição internacional de poder, o Brasil e, de resto, a América Latina estão sendo neocolonizados. 
Reservam-nos o lugar de exportadores de matéria prima e de commodities para o mercado mundial, criando obstáculos à inovação tecnológica que confere valor agregado aos nossos produtos. 
Obrigam-nos a ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro e a permanecer "deitado eternamente em berço esplêndido”. 
A nova consciência social, no entanto, a partir dos meados do século passado, conseguiu criar uma vasta rede de movimentos sociais. 
Ela se afunilou numa força política com a criação do PT e de outros partidos com raízes populares. 
Com a vitória de Lula e depois de Dilma Rousseff se instaurou um outro sujeito de poder e propiciando o maior evento de inclusão social dos destituídos de nossa história. 
Este fato cria a oportunidade para relançar a ideia de uma reinvenção do Brasil sobre outras bases que não são das elites proprietárias. No centro está o povo. 
Apesar de ter sido considerado, tantas vezes, jeca-tatu, carvão para nosso processo produtivo, joão-ninguém, o povo brasileiro nunca perdeu sua autoestima e o encantamento do mundo. 
Talvez seja esta visão encantada do mundo uma das maiores contribuições que nós brasileiros podemos dar à cultura mundial emergente, tão pouco mágica e tão pouco sensível ao jogo, ao humor e à convivência dos contrários. 
O antropólogo Roberto da Matta enfatizou o fato de o povo brasileiro ter criado um patrimônio realmente invejável: "toda essa nossa capacidade de sintetizar, relacionar, reconciliar, criando com isso zonas e valores ligados à alegria, ao futuro e à esperança” (Porque o brasil é Brasil, 1986,121) 
Alimentamos sempre um horizonte utópico promissor: viver neste mundo não significa ser prisioneiros das necessidades, mas ser filhos e filhas da alegria. 
[Leonardo Boff escreveu: Depois de 500 anos: que Brasil queremos? (Vozes 2000)]
do Blog ContrapontoPIG
*cutucandodeleve

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