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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 08, 2014

Cúpula das Américas: Cuba plebiscitada, Estados Unidos isolados



Por Salim Lamrani  no Opera Mundi 

Pela primeira vez na história, a próxima Cúpula das Américas, que acontecerá em maio de 2015, no Panamá, poderá contar com a presença de Cuba, vítima de ostracismo por parte dos Estados Unidos desde o triunfo da Revolução em 1959. 

Com a expulsão da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1962, Havana não pôde participar das edições anteriores, de 1994, 1998, 2001, 2005, 2009 e 2012. Esse sétimo encontro, que agrupa os 34 países membros da OEA a cada três ou quatro anos, sucede a Cúpula de Cartagena, na Colômbia, de abril de 2012, na qual virulentos debates opuseram os Estados Unidos (apoiados pelo Canadá) aos demais Estados, que não aceitavam a ausência de Cuba. As nações do continente decidiram, por unanimidade, que novas reuniões não poderiam acontecer sem a presença do governo de Havana, isolando, assim, Washington.

Durante décadas, Cuba esteve isolada pelas pressões da Casa Branca. Assim, em 1962, todas as nações romperam suas relações com Havana, com a notável exceção do México. Hoje, todos os países da América têm relações diplomáticas e comerciais normais com Cuba, menos os Estados Unidos.

Washington multiplicou a pressão sobre o Panamá para que Cuba não fosse convidada em 2014. Além das intensas negociações diplomáticas diretas, os Estados Unidos emitiram várias declarações públicas se opondo à participação de Havana na próxima Cúpula das Américas. O Departamento de Estado, mediante sua secretária de Estado para os Assuntos do Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, reiterou sua oposição à presença da ilha.[1]

Juan Carlos Varela, o presidente do Panamá, não cedeu às pressões estadunidenses e reafirmou a vontade de acolher Cuba. “A América é um só continente, inclui Cuba e é necessário ser respeitoso neste sentido." A chanceler Isabel de Saint Malo disse ao secretário de Estados dos EUA, John Kerry, em visita a Washington que “todos os países devem estar presentes. [...] Temos de buscar o que nos une e deixar por alguns dias qualquer divisão política para enfrentar desafios em conjunto. A participação de Cuba é importante porque poderia contribuir muito para o debate de situações políticas. Por exemplo, as negociações de pacificação da Colômbia acontecem em Havana”.[2]

O Panamá, inclusive, mandou a Cuba Isabel de Saint Malo, vice-presidente da República e também chanceler, para estender o convite ao presidente Raúl Castro.[3] “A família americana estaria incompleta sem Cuba. O Panamá manifestou como anfitrião que quer contar com todos os países. Se a Cúpula é das Américas e Cuba é um país membro das Américas, para que esteja completa a participação é necessária a presença de Cuba. Se você convida uma família para uma refeição e deixa um membro de fora, a família não está completa”, declarou Isabel de Saint Malo. Por sua vez, Martin Torrijos, presidente do Panamá entre 2004 e 2009, celebrou o “triunfo coletivo” da América Latina, que soube resistir às pressões provenientes do Norte.[4]

Até Miguel Insulza, secretário-geral da muito dócil OEA (Organização dos Estados Americanos), declarou seu desejo de ver Cuba na Cúpula: “não há nenhum motivo legal” que impeça a participação de Havana. Insulza lembrou que era tempo de os Estados Unidos “tentarem outra coisa”, depois de meio século de política hostil à ilha do Caribe e optar pelo “diálogo”.[5]

Durante a última Cúpula, de 2012, vários países como Argentina, Venezuela, Bolívia e Nicarágua condicionaram a participação na edição de 2015 à presença de Cuba. Em maio de 2014, os membros da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que agrupa 12 nações, publicaram uma declaração na qual expressavam “vontade de que a irmã República de Cuba esteja presente na próxima Cúpula das Américas de forma incondicional e em plano de igualdade”.[6] Haiti e Nicarágua expressaram o mesmo ponto de vista. Segundo Manágua, “uma Cúpula das Américas sem a presença de Cuba não é uma Cúpula das Américas”.[7]

O Equador já boicotou a Cúpula de Cartagena, de 2012. Seu presidente, Rafael Correa, explicou os motivos: “é inadmissível uma Cúpula das Américas sem Cuba, como era inadmissível uma Organização de Estados Americanos sem Cuba”. Em 2009, a OEA decidiu revogar a resolução relativa à exclusão da ilha. “A América Latina não pode tolerar isso. Decidi que, enquanto for presidente da República do Equador, não voltarei a assistir nenhuma Cúpula das ‘Américas’”, acrescentou.[8]

A solidariedade expressa pela América Latina a Cuba é emblemática da nova era, que o continente atravessa há 15 anos, marcada pela vontade de emancipação, independência e integração, e rejeição da hegemonia estadunidense. Ilustra também o isolamento total no qual Washington se encontra e o repúdio que suscita sua política obsoleta e cruel de sanções contra Havana, que afeta as categorias mais vulneráveis da sociedade, a começar pelas mulheres, as crianças e os idosos.
*solidarios

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