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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 17, 2015

você foi para a rua para odiar
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Primeiro, vamos combinar uma coisa: se você votou em Aécio Neves, nas eleições passadas, você não está preocupado com corrupção.
Você nem liga para isso, admita.
Aécio usou dinheiro público para construir um aeroporto nas terras da família dele e deu a chave do lugar, um patrimônio estadual, para um tio.
Aécio garantiu o repasse de dinheiro público do estado de Minas Gerais, cerca de 1,2 milhão reais, a três rádios e um jornal ligados à família dele.
Isso é corrupção.
Então, você que votou em Aécio, pare com essa hipocrisia de que foi às ruas se manifestar porque não aguenta mais corrupção.
É mentira.
Você foi à rua porque, derrotado nas eleições passadas, viu, outra vez, naufragar o modelo de país que 12 anos de governos do PT viraram de cabeça para baixo.
Você foi para a rua porque, classe média remediada, precisa absorver com volúpia o discurso das classes dominantes e, assim, ser aceito por elas.
Você foi para a rua porque você odeia cotas raciais, e não apenas porque elas modificaram a estrutura de entrada no ensino superior ou no serviço público.
Você odeia as cotas raciais porque elas expõem o seu racismo, esse que você só esconde porque tem medo de ser execrado em público ou nas redes sociais. Ou preso.
Você foi para a rua porque, apesar de viver e comer bem, é um analfabeto político nutrido à base de uma ração de ódio, intolerância e veneno editorial administrada por grupos de comunicação que contam com você para se perpetuar como oligopólios.
Foram eles, esses meios de comunicação, emprenhados de dinheiro público desde sempre, que encheram a sua alma de veneno, que tocaram você como gado para a rua, com direito a banda de música e selfies com atores e atrizes de corpo sarado e cabecinha miúda.
Não tem nada a ver com corrupção. Admita. Você nunca deu a mínima para corrupção.
Você votou em Fernando Collor, no PFL, no DEM, no PP, em Maluf, em deputados fisiológicos, em senadores vis, em governadores idem.
Você votou no PSDB a vida toda, mesmo sabendo que Fernando Henrique comprou a reeleição para, então, vender o patrimônio do país a preço de banana.
Ainda assim, você foi para a rua bradar contra a corrupção.
E, para isso, você nem ligou de estar, ombro a ombro, com dementes que defendem o golpe militar, a homofobia, o racismo, a violência contra crianças e animais.
Você foi para a rua com fascistas, nazistas e sociopatas das mais diversas cepas.
Você se lambuzou com eles porque quis, porque não suporta mais as cotas, as bolsas, a mistura social, os pobres nos aeroportos, os negros nas faculdades, as mulheres de cabeça erguida, os gays como pais naturais.
Você odeia esse mundo laico, plural, multigênero, democraticamente caótico, onde a gente invisível passou a ser vista – e vista como gente.
Você foi não foi para a rua pedir nada.
Você só foi fingir que odeia a corrupção para esconder o óbvio.
De que você foi para a rua porque, no fundo, você só sabe odiar.

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