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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 07, 2015

O que significam as negociações nucleares com o Irã

Iranianos comemoram o acordo nuclear
Publicado na DW.

As cinco potências com poder de veto no Conselho de Segurança – Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e França – e a Alemanha acertaram um acordo prévio com o Irã sobre o seu controverso programa nuclear.
Depois de 12 anos de negociações e de severas sanções impostas à República Islâmica, ambos os lados concordaram, na quinta-feira (02/04), em Lausanne, na Suíça, em diversos pontos-chave. Um tratado final deve ser elaborado até o fim de junho. Entenda as negociações:
Enriquecimento de urânio e redução de centrífugas
O Irã se comprometeu a não enriquecer urânio acima de 3,67%, cifra insuficiente para construir uma bomba atômica, mas que basta para produzir energia. Além disso, aceitou reduzir o seu estoque atual de cerca de dez toneladas de urânio com baixo enriquecimento para 300 quilos. Seu programa de enriquecimento de urânio estará submetido a um amplo sistema de controle pelos próximos 20 anos.
Teerã também aceitou diminuir o número total de centrífugas de 19 mil para cerca de 6 mil, e não conduzir pesquisas e desenvolvimentos relacionados com enriquecimento de urânio até 2030.
Usinas de Fordo, Natanz e Arak
Teerã só poderá enriquecer urânio na usina de Natanz, e apenas usando as centrífugas de primeira geração, 5060 IR-1, removendo em todas as suas usinas suas centrífugas mais modernas. Ou seja, todos os modelos, de IR-2 até IR-8, não poderão ser usados pelos próximos dez anos.
A usina de Fordo não será utilizada para enriquecimento de urânio por pelos menos 15 anos e será transformada em um centro de pesquisa e tecnologia física e nuclear. Fordo, construída em uma montanha perto da cidade sagrada de Qom, é uma das instalações que mais preocupa os governos americano e israelense.
Também o reator de águas pesadas de Arak, com base num projeto acordado com as potências mundiais, será redesenhado e reconstruído para impossibilitar a produção de armas de plutônio. O núcleo original do reator será destruído ou removido do país. Além disso, o Irã não construirá nenhum reator de água pesada por 15 anos.
Inspeções independentes
Será imposto um regime intenso de inspeções internacionais, realizadas por inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e da ONU, que vão monitorar continuamente as centrífugas do Irã e as instalações de armazenamento de material nuclear por duas décadas.
Os inspetores terão acesso às minas de urânio e à cadeia de fornecimento do programa nuclear iraniano, além de maiores informações sobre instalações declaradas e não declaradas pelo governo.
Suspensão das sanções
Em contrapartida, as sanções ocidentais deverão ser aos poucos levantadas, depois de inspetores terem verificado que o Irã adotou todos os compromissos. O Irã sofre com imposições do Ocidente há mais de 30 anos – estabelecidas por Estados Unidos, União Europeia (UE) e ONU em diferentes épocas. Se em algum momento o Irã não cumprir as metas do acordo final, as sanções voltam imediatamente.
As sanções dos EUA começaram em 1979, quando estudantes iranianos invadiram a embaixada americana e fizeram diplomatas reféns. Sob embargo, produtos do país persa não podem ser importados para os Estados Unidos – exceção feita a pequenos presentes, material informativo, comida e alguns tapetes.
Atualmente, empresas americanas estão proibidas de exercer negociações diretas ou indiretas com o setor de petróleo, com o governo iraniano e a indústria de gás. Além disso, americanos não podem lidar com uma gama de indústrias iranianas, incluindo metais preciosos e operações de transporte marítimo.
Já as sanções dos 28 países da UE foram gradualmente introduzidas a partir de 2007, em resposta às atividades nucleares do Irã. Consequentemente, a exportação e a importação de bens, sistemas e tecnologia, produzidos por meio de energia nuclear, foram banidas.
A lista é extensa. Inclui a proibição de empréstimos por parte da UE, além de inúmeras restrições quanto a transferências de dinheiro e negociações diversas, a exemplo de pedras preciosas – como diamantes.
Já o Conselho de Segurança da ONU implementou o congelamento de bens de indivíduos e empresas do Irã ligadas ao programa nuclear. Atualmente há 43 pessoas e 78 entidades e grupos na lista negra das Nações submetidos a uma proibição mundial de viagem e ao congelamento de bens.
O argumento dos críticos 
Os críticos, sobretudo Israel, buscam o desmantelamento completo da infraestrutura nuclear iraniana, citando um suposto histórico de Teerã em esconder informações sobre seus esforços em produzir energia atômica e exercer outras atividades ligadas a armas nucleares.
Eles também se opõem a qualquer acordo que tenha uma data de validade, permitindo assim que Teerã retome seu programa nuclear num ponto futuro. Em uma carta aberta, 47 senadores republicanos ameaçaram anular qualquer acordo quando Obama sair do poder.
Também entre Arábia Saudita e as outras monarquias do Golfo Pérsico, onde o temor do expansionismo iraniano é mais acentuado, há um misto de apoio à iniciativa dos Estados Unidos – um importante aliado – e cautela.
Os interesses das potências mundiais
Em 2002, fontes até hoje não identificadas tornaram pública a existência de um amplo programa nuclear no Irã. Inspeções da AIEA confirmaram os relatos, mas Teerã afirmou – e mantém a posição – que as instalações serviam apenas para produzir energia pacífica.
Após anos de negociações e trocas de governo no Irã, as potências mundiais conseguiram convencer o atual presidente iraniano, Hassan Rohani, a resolver o impasse diplomaticamente – muito também porque as sanções enfraqueceram severamente a economia do país.
Neste acordo prévio, o principal ponto é reduzir o tempo que levaria para o Irã produzir material físsil suficiente (urânio altamente enriquecido), com o qual poderia construir armas nucleares. Ou seja, as potências mundiais pretendem estender o chamado “tempo de fuga”, estimado atualmente em dois ou três meses, para pelo menos um ano – o que facilitaria o controle através de inspeções.
Com as medidas anunciadas em Lausanne, o Ocidente e seus parceiros esperam tornar mais difícil para o Irã produzir e estocar urânio altamente enriquecido.

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