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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, agosto 05, 2012

Russas podem pegar até 7 anos de prisão por protesto em catedral

VIDEO NO BLOG Paulo Lopes
por Juliana Sayuri para Estadão

Um protesto de 1 minuto e 52 segundos no dia 21 de fevereiro [vídeo abaixo]. Por esse fato três roqueiras russas podem pagar até 7 anos de prisão. Isso porque o palco escolhido para a performance foi a Catedral de Cristo Salvador de Moscou.
No altar, as garotas da banda Pussy Riot tocaram a prece punk Holy Shit, que intercala hinos religiosos com versos diabólicos como Virgin Mary, hash Putin away. Enquanto umas arranhavam nervosos riffs de guitarra, outras saltitavam, faziam o sinal da cruz e dançavam cancã como possuídas. As freiras ficaram escandalizadas. Os guardas, perdidos. Agora as rebeldes Yekaterina Samutsevich (foto), Nadezhda Tolokonnikova (foto) e Maria Alyokhina (foto) e  ocupam o banco dos réus no tribunal Khamovnichesky de Moscou, acusadas de vandalismo e ódio religioso.

Na catedral, assim como noutras manifestações na Praça Vermelha e no metrô, as meninas usavam máscaras de ski néon e vestidos coloridos à Restart. As balaclavas fluorescentes, aliás, são a marca da banda formada em outubro de 2011. Pussy Riot reúne umas 10 músicas e 15 roadies, uma "equipe técnica" encarregada de gravar os protestos e postá-los no YouTube. Nas influências musicais, o streetpunk britânico Oi!, simbolizado por bandas como Angelic Upstarts. Nas inspirações políticas, Julia Kristeva, Michel Foucault e o movimento feminista underground americano Riot Grrrl, dos anos 90.

Após o protesto na catedral, as cúpulas douradas do templo ortodoxo estremeceram. "É uma blasfêmia. O diabo está rindo de nós", declarou o patriarca Kirill. Putin também deve ter ficado putin, pois mandou um batalhão atrás das moças. Foi feito um relatório de 2.800 páginas e, no dia 4 de março, Maria e Nadezhda foram presas. Onze dias depois, Yekaterina também.

Yekaterina, Nadezhda e Maria Alyokhina na gaiola
As roqueiras ficaram no 
Tribunal dentro de uma gaiola
Yekaterina Samutsevich, 29 anos, é artista formada pela Rodchenko Moscow School. Maria Alyokhina, 24, é poeta, mãe e estudante de jornalismo na capital russa. A bela Nadezhda Tolokonnikova, 23, é artista, estudante de filosofia e mãe também.

A prisão do trio causou frisson internacional. Diplomatas, intelectuais e pop stars saíram em defesa das garotas: estrelas como Franz Ferdinand, Red Hot Chilli Peppers, Stephen Fry e Sting; políticos como o norueguês Thorbjorn Jagland, do Conselho Europeu, a paquistanesa Farida Shaheed, das Nações Unidas, e o diplomata americano na Rússia, Michael McFaul.
 Em Israel, o sociólogo Alek Epstein publicou a coletânea Art on the Barricades. Em Paris, o curador Andrei Erofeev montou a mostra The Case of the Pussy Riot Artists no Palais de Tokyo.
Em carta ao presidente russo em sua visita a Londres nessa semana olímpica, celebridades inglesas reivindicaram um "julgamento justo" para as manifestantes. 
Anistia Internacional e Human Rights Watch também entraram na história, pedindo a libertação das garotas. "Elas são prisioneiras de consciência, pois foram presas por expressar ideias políticas pacificamente", define a campaigner russa Natalia Prilutskaya, radicada em Londres. "São tempos difíceis. Dá para sentir o clima nebuloso que se formou sobre a liberdade de expressão no país desde o affair Erofeev", diz.

Em 2006, Erofeev e o ex-diretor do Sakharov Museum, Yuri Samodurov, organizaram a exposição Russia's Forbidden Art, com pôsteres de Mickey e Lenin como Cristo. Eles foram acusados de incitação ao ódio religioso, mas, depois da pressão internacional, escaparam da sentença de 5 anos de prisão com uma multa de US$ 5 mil. Em 2009, o coletivo anarquista Voina apoiou os réus — e líderes do movimento acabaram na prisão, onde estão até agora. 

De lá para cá, a coisa arrochou. Após os protestos contra as eleições parlamentares em dezembro e as presidenciais em março, Putin promulgou uma lei que pune manifestações não autorizadas com multas estratosféricas. "O totalitarismo russo lembra a Inquisição medieval. A internet é a última zona livre para nós", diz o filósofo Alex Plutser-Sarno, ideólogo do Voina ainda em liberdade.

Embora forte, a mobilização cibernética não adiantou. As três mosqueteiras do Pussy Riot continuam presas. No julgamento, pediram desculpas, mas não admitiram culpa ante as acusações. Para elas, o protesto era político, e não religioso. Mas as testemunhas chorosas complicaram: "Elas cuspiram no meu rosto e na minha alma", disse uma freira. "Estou tentando perdoá-las, mas não sou perfeito", lamentou um coroinha.

O veredicto só deve sair na próxima semana. Mas Stanislav Samutsevich, pai de Yekaterina, já arrisca: "Serão condenadas. Isso é um julgamento político".

Protesto na Catedral contra Putin 

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Paulopes

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