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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 06, 2013

A Constituição está em vigor


Constituição
Uma boa verdade para começar 2013 
Paulo Moreira Leite

Ao dar posse a José Genoíno, o Congresso lembrou aos brasileiros que a Constituição está em vigor. A decisão se baseia no artigo 55, aquele que define que cabe exclusivamente a Câmara cassar o mandato de deputados, por maioria simples e voto secreto. (O mesmo artigo define regras idênticas para o caso de senadores).
O julgamento do mensalão encerrou-se com uma frase muito repetida por ministros. Eles diziam que a Constituição é aquilo que o “Supremo diz que ela é.” Essa definição de caráter absoluto resume uma visão de que o Supremo é um poder acima dos demais, afirmação que contraria o pensamento de OIiver Holmes, o juiz da Suprema Corte americana que disse, em 1905, que a “lei é aquilo que o tribunal diz que ela é.”
Holmes fez essa afirmação numa situação específica, quando uma maioria conservadora na Suprema Corte conseguiu impedir leis que limitassem a jornada de trabalho a um máximo de 60 horas. Em minoria, Holmes lembrou que embora a Constituição americana não atribuísse  ao governo a função de definir a jornada de trabalho, ela aceitava que o Estado tinha o dever de proteger a saúde da população – e que a jornada era uma forma de se fazer isso.
Mas em várias oportunidades Holmes deixou claro que não cabia ao tribunal “fazer” a Justiça como bem a entendesse. Conforme explicam estudiosos de sua obra, Holmes gostava de explicar aos jovens advogados que um tribunal apenas “aplica” a lei.
É um raciocínio coerente, quando se trata de um artigo como o 55, escrito, votado e aprovado por ampla maioria de constituintes, em 1988. Não cabe, sequer, levantar artigos de leis infraconstitucionais, como dizem os juristas, porque a Constituição se superpõe a eles, como eu aprendi num curso chamado ginásio, obrigatório para adolescentes de minha geração.
E  é  um ensinamento importante, em particular quando se recorda que a Constituição brasileira foi escrita por parlamentares eleitos em 1986, que criou o mais amplo regime de liberdades da nossa história.
É por isso que não há o que fazer diante do artigo 55, a não ser garantir que seja cumprido – da forma que os parlamentares acharem melhor. Estamos no mundo da política, onde apenas os representantes eleitos do povo exercem a prerrogativa de  cassar ou não o mandato de seus pares. Há várias possibilidades.
Os deputados podem fazer um acordo para garantir que o assunto seja debatido na Casa – e cada um vote como quiser, assegurado, como diz a lei, o direito a ampla defesa. Também podem fazer um acordo apenas para garantir o direito a defesa na tribuna de cada condenado – e por ampla maioria, negociada anteriormente, decidir sua cassação. Ou, pelo contrário, podem decidir rejeitar o pedido. O importante é sempre assegurar a regra democrática de que o Congresso é um poder soberano e não pode ser arranhado como expressão da vontade popular.
Em qualquer caso, não há surpresa nenhuma diante da reação de Marco Maia, presidente da Câmara que se recusou a submeter-se a uma decisão que contraria a Constituição. As manifestações públicas de  Henrique Eduardo Alves, provável sucessor de Maia, vão na mesma direção.
Nos dois casos, o Congresso apenas reafirma o artigo número 1 da Constituição, onde se diz que “todo pode emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos.”
É bom começar o ano relembrando uma verdade tão simples e tão bela, concorda?
*Saraiva

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