Segundo o Corpo de Bombeiros, ocorrências até aqui foram todas de
pequeno porte, apesar de o Programa de Prevenção chegar a poucas
comunidades e não estar completamente implantado.
Sarah Fernandes e Malu Damazio, via RBA
Apesar de o Programa de Prevenção a Incêndios (Previn) ainda não estar
completamente implantado nas favelas de São Paulo – e de seu alcance ser
limitado a um pequeno número de comunidades – as ocorrências desse tipo
tiveram redução de 70% entre janeiro e o início de setembro de 2013, em
comparação com o mesmo período do ano passado.
São 20 ocorrências em 2013, segundo o Corpo de Bombeiros, contra 68 em
2012 (até setembro). Outro relevante dado é que os incêndios deste ano
foram todos de pequeno porte. No ano passado, as chamas consumiram
comunidade inteiras, deixando milhares de desabrigados.
Na época, autoridades dos governos estadual e municipal
responsabilizavam o tempo seco pelas ocorrências. “Vou lembrar que o mês
de junho teve o maior índice pluviométrico dos últimos tempos e não
tivemos nenhum incêndio em favela. Por outro lado, entre julho e agosto,
que foram os meses com menos chuva, tivemos vários casos”, disse em
setembro de 2012 o então coordenador-geral da Defesa Civil, Jair Paca de
Lima, à RBA.
O clima seco, no entanto, parece não ter causado os mesmos prejuízos
neste ano: na média, a umidade relativa do ar entre junho e agosto deste
ano foi apenas 1% maior que nos mesmos meses do ano passado, segundo o
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O órgão lembra que nenhum
dos dois anos foram os mais secos da cidade, sendo superados, por
exemplo, por 2002, quando até outubro tinham sido registradas 20
ocorrências do tipo na capital.
São Paulo registrou pelo menos 530 incêndios em favelas entre 2008 e 2012, de acordo com os Bombeiros. Sobre este último ano, um levantamento produzido pela Rede Brasil Atual
sobrepôs os endereços das ocorrências com as áreas a serem
transformadas pelas políticas municipais de reurbanização e revelou que a
maioria das favelas incendiadas estão coincidentemente concentradas nos
perímetros das chamadas operações urbanas (confira abaixo).
O traçado georreferenciado das operações urbanas previstas no Plano
Diretor da cidade foi cedido pela Empresa Paulista de Planejamento
Metropolitano (Emplasa). Como a administração municipal tem autonomia de
alterar o traçado, também foram utilizadas informações de mapas
disponíveis nos sites da prefeitura.
Ao todo foram georreferenciados 89 dos 103 endereços de incêndios em
favelas que constam no documento entregue pela Defesa Civil para a
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas da
Câmara Municipal. Para a elaboração do mapa foi usado o sistema colocado
à disposição pela empresa Google. As ocorrências vão de janeiro de 2008
a agosto de 2012.
Vítimas do fogo
“Toda vez que lembro do que aconteceu eu choro”, disse a dona de casa
Andréia Cássia, moradora da favela Alba, na zona Sul de São Paulo, que
teve sua casa destruída pelo fogo em agosto do ano passado, que deixou
pelo menos 120 desalojados. A prefeitura não ofereceu abrigo para as
vítimas, que tiveram de se hospedar na casa de amigos e parentes.
“O fogo começou em um barraco atrás de casa, se espalhou e queimou o
quarto dos meninos. Só deu tempo de pegar minha bolsa e sair correndo”,
contou. Andréia, assim como a maioria dos moradores que perderam suas
casas, está reconstruindo suas moradias, de alvenaria, nos mesmos
lugares.
Andréia e os demais moradores se negaram a aceitar o aluguel social
oferecido pela prefeitura na época. “Eram R$300 e com isso não se aluga
um barraco para uma família com crianças aqui”, disse. No incêndio ela
perdeu uma barraca e um fogão portátil, que usava para vender lanches em
festas na comunidade.
Um núcleo da favela da Vila Prudente localizado entre a estação Ipiranga
da CPTM e o centro de compras Mooca Plaza Shopping, que sofreu um
incêndio em agosto do ano passado, registrou outra ocorrência em
fevereiro deste ano, restrita a três barracos. Logo após o primeiro
incêndio a prefeitura instalou uma barreira de concreto em torno do
terreno, para impedir a reocupação. Os moradores foram ameaçados de
serem expulsos e tiveram que recorrer ao Ministério Público.
Elza
Miranda (ao lado), moradora e dona de um pequeno comércio na área,
conta que perdeu seu quarto no segundo incêndio, com todos os pertences,
e que ainda está dormindo no chão de outro cômodo. “Não deixam a gente
reconstruir. Toda hora tem a subprefeitura ou a GCM (Guarda Civil
Metropolitana)”, reclama. Mesmo assim, algumas famílias voltaram a
ocupar os escombros do incêndio, que permanece no terreno, ainda sem
limpeza.
“Eu nunca tive uma oportunidade na minha vida. A única foi de abrir meu
comércio na frente da minha casa, que eu agarrei com muita força. Não
vou entregar a qualquer custo”, diz.
Prevenção
Em outro núcleo da favela da Vila Prudente, seis
brigadistas que haviam sido treinados para atuar no Programa de
Prevenção de Incêndios em Favelas (Previn) no ano passado foram
desligados do projeto sem explicações, em dezembro. Outras duas pessoas foram contratadas para a função.
Dos 11 hidrantes que deveriam ser instalados na favela, ação prevista no Previn, apenas dois saíram do papel.
“Eu tinha feito a demarcação com os bombeiros, mas eles acabaram
colocando em locais diferentes. E os hidrantes também não têm bomba para
dar pressão no jato de água para apagar o incêndio”, disse o morador
João Roberto Rodrigues (ao lado), que fez parte da brigada de incêndio.
Na favela São Remo, na zona oeste da cidade, onde a prefeitura já havia
entregue os equipamentos, o programa parou de funcionar, segundo os
brigadistas.
A
Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, responsável pela
iniciativa, afirmou, via assessoria de imprensa, que foi criado um grupo
para fazer a gestão do Previn.
“Os envolvidos realizaram um diagnóstico da situação atual das 50
comunidades atendidas pela gestão anterior, no que se refere aos
equipamentos e capacitação para moradores locais. Feito isso e
constatada a falta dos equipamentos, todas as subprefeituras receberam
verba da Secretaria de Coordenação para compra de materiais e já
adquiriram a maior parte dos equipamentos. Além disso, está em andamento
a contratação de zeladores para que o programa seja efetivamente
implantado nas comunidades”, diz o texto.
O projeto original havia sido criado na gestão de Marta Suplicy (PT) e
conseguiu, nos seus dois anos de atividade, controlar todos os focos de
fogo em favelas antes que se tornassem grandes incêndios. A ideia era
mais simples que o Previn: tratava-se de equipar algumas casas com
extintores e treinar moradores para acabar com as chamas antes que se
propagassem para moradias vizinhas.
Apesar do custo reduzido e do sucesso nas ações, ele foi extinto por José Serra (PSDB) em 2005, quando assumiu a prefeitura.
Sucessor do tucano, Gilberto Kassab (PSD) teve a chance de reativar o
trabalho depois que um projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal
em 2009, mas não tocou a ideia adiante. Durante
a campanha para a prefeitura de São Paulo, no ano passado, o prefeito
Fernando Haddad (PT), então candidato, se comprometeu a retomar o
programa.
Em 2009, o vereador Celso Janete (PTB) apresentou um projeto de lei para
a implantação de um novo programa de prevenção a incêndios em favelas,
que foi aprovado em plenário. Quase um ano depois, o ex-prefeito Kassab,
então do DEM, firmou um decreto que criou o Programa de Prevenção
Incêndios em Assentamentos Precários (Previn).
Semelhante à ação da gestão Marta, o programa, implantado em 2010, prevê
nomeação de um zelador comunitário, instalação de hidrantes e retirada
de ligações clandestinas de energia elétrica (os populares “gatos”). No
Orçamento de 2011, o projeto chegou a receber dotação orçamentária de
R$1 milhão, mas, segundo as planilhas disponíveis, nada foi efetivamente
investido. Em 2012, novamente o montante executado foi nulo.
Investigação
O número elevado e recorrente de incêndios em favelas motivou, no ano
passado, o então vereador Ricardo Teixeira (PV) a pedir a criação da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Incêndios em Favelas, que
vigorou entre abril e dezembro. Apesar das reuniões serem quinzenais,
apenas seis encontros foram realizados.
Os demais foram cancelados por não atingirem presença mínima de quatro
dos seis vereadores participantes, todos da base aliada do então
prefeito Kassab: Ricardo Teixeira (PV), Edir Sales (PSD), Toninho Paiva
(PR), Ushitaro Kamia (PSD), Aníbal de Freitas (PSDB), Souza Santos (PSD)
e Jamil Murad (PCdoB, que abriu mão da vaga). Os três últimos foram
substituídos, quando só então entraram representantes da oposição, em
novembro, por Eliseu Gabriel (PSB), Floriano Pesaro (PSDB) e Juliana
Cardoso (PT), respectivamente.
Até então, o PT não tinha tomando parte da discussão, abrindo mão das
duas vagas que teria direito, em protesto a não instalação de uma CPI
para investigar denúncias de desvio de verba no Hospital Sorocabano.
A
CPI terminou em 12 dezembro, em uma reunião com bate-boca, acusações,
ataques políticos, retomada de questões já saturadas e nenhuma
conclusão. A votação do relatório final ocorreu no dia 18, após oito
meses de tentativas em vão de realizar encontros e tomar depoimentos. O
documento considerou que as investigações não ocorreram a contento e
que por isso seria necessário estendê-las para o próximo ano.
“Venho neste momento fazer uma recomendação ao plenário da Casa de
retomar a referida investigação na nova legislatura, dada a importância
do assunto”, disse o documento, escrito por Teixeira, presidente da
comissão.
Neste ano ele assumiu o cargo de Secretário do Verde e Meio Ambiente e
não deu continuidade às investigações. Seu suplente, Abou Anni (PV), não
fez o pedido de reabertura da Comissão. Segundo a Secretaria de CPIs da
Câmara, nenhum vereador requisitou a reabertura da CPI.
* Blog Justiceira de Esquerda
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