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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 29, 2013

Outro Dia das Crianças é possível O consumismo tornou-se hábito

Outro Dia das Crianças é possível
O consumismo tornou-se hábito característico de nossa sociedade. Como nenhuma criança nasce consumista, vale uma reflexão sobre quais hábitos e valores estamos transmitindo, para que prefiram comprar a brincar
Por Lais Fontenelle Pereira, no Outras Palavras
No Brasil, convencionou-se considerar 12 de outubro como Dia das Crianças. A data foi oficializada em 1924 pelo presidente Arthur Bernardes, mas só décadas depois, por volta dos anos 1960, passou a ser comemorada. Foi quando a fábrica de brinquedos Estrela lançou a Semana do Bebê Robusto junto com a multinacional Johnson & Johnson. Desde então, o dia foi mercantilizado e passou a ser vivido pela grande maioria das famílias como um dever ao consumo. Escolhi este tema para abrir, em Outras Palavras, uma coluna que pretende estimular reflexão sobre a criança contemporânea e sua relação com consumo, mídias, família, escola e cidade.
Depois dessa breve história, uma pergunta: o que de fato honramos atualmente, a criança ou o consumo? Porque para homenagear a criança faria mais sentido escolher 20 de novembro, data da aprovação pela ONU da Declaração dos Direitos das Crianças.
As crianças de hoje diferem das de outros tempos – principalmente pelo lugar de destaque que ocupam na engrenagem da sociedade de consumo. Recebem status de consumidoras no mercado, antes mesmo de estarem aptas ao exercício pleno de sua cidadania. São diariamente bombardeadas, em todos os espaços de convivência, por mensagens publicitárias abusivas que vendem a falsa ideia da realização de sonhos, felicidade e inclusão social pela posse de mercadorias. Mas as crianças são seres em desenvolvimento psíquico, afetivo e cognitivo, e até mais ou menos os doze anos não têm capacidade crítica e abstração de pensamento formadas para retrabalhar essas mensagens persuasivas.
Grafite anti-consumista (Edgar Fabiano)
E aí está o problema: a construção da subjetividade da criança se dá também pela posse dos objetos que a cercam. Ela já nasce usando fraldas X, bebendo leite Z, brincando com bonecos Y. Desde muito cedo, passa a ser consumidora não só de objetos, mas também daquilo que eles representam. Outra pedagogia se instalou na vida de nossas crianças: a das mídias que falam diretamente com os pequenos, não só entretendo e informando, mas ditando valores e hábitos de consumo.
A criança brasileira é das que mais assistem TV no mundo: passa mais de 5 horas do dia sentada em frente à tela, em média (1). Em áreas de alta vulnerabilidade social e econômica, esse tempo chega a espantosas 9 horas por dia – o que ultrapassa, em muito, o tempo que ela passa no ambiente escolar: cerca de 3 horas e 15 minutos. O problema se agrava se lembrarmos a publicidade veiculada por essa mídia, que parece hoje mais formadora da subjetividade infantil do que a escola, com forte impacto no desenvolvimento saudável das crianças. Isso, além de contribuir para o grave e urgente problema do consumismo na infância.
O consumismo tornou-se um hábito característico de nossa sociedade. Mas, como nenhuma criança nasce consumista, vale uma reflexão sobre quais hábitos e valores estamos transmitindo às crianças contemporâneas, para que prefiram comprar a brincar. Valores que priorizam o ter em detrimento do ser, o individual acima do coletivo, a competição ao invés da cooperação. A infância não pode ser aprisionada nos falsos ideais de felicidade vendidos pela sociedade de consumo. Criança precisa de muito pouco para ser feliz: precisa de olhar, de palavra, de escuta e de acolhimento.
Convoco então pais e cuidadores a inverter, nesse 12 de Outubro, a lógica consumista dominante e a trocar o shopping pelo parque, o brinquedo pelo afeto. O dia das crianças pode ser comemorado de outras formas. Foi pensando nisso que o Instituto Alana teve a iniciativa, engajada e divertida, de convidar pessoas de todo o país a organizar Feiras de Troca de Brinquedos (em eventos simultâneos no sábado, 12 de Outubro), para gerar um movimento nacional de transformação do olhar à relação da criança com o consumo.
Uma Feira de Troca de Brinquedos é também uma boa experiência para repensarmos a forma como nós, adultos, consumimos. São espaços que convidam a outra socialização e ao exercício de desapego, e maneira de colocarmos em prática a economia solidária e o consumo colaborativo. Nelas, as crianças têm ainda a chance de exercitar a conquista por meio da negociação entre pares. E o mais bacana é que na troca os objetos perdem seu valor monetário – e ganham outros valores, simbólicos e afetivos.
Ao emprestar novos significados e usos a objetos antigos, ao afirmar que as relações sociais e afetivas não precisam ser pautadas pela compra, a experiência das Feiras de Troca torna-se enriquecedora para pais e para filhos. Trocar pode, sem dúvida, ser bem mais divertido que comprar. Que tal, então, se engajar nesse movimento para celebrar o dia das crianças de forma mais humana e sustentável? No site do Alana estão disponíveis materiais de apoio para ajudá-lo a organizar uma feira. Compartilhe a ideia e divirta-se!
*RevistaForum

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