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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 29, 2013

Cristian FernandezCristian Fernández, que poderia ser o mais novo garoto a passar o resto de seus dias na cadeia na história dos Estados Unidos, foi descrito como um monstro insensível, por supostamente, em três de junho de 2011, ter assassinado seu irmão de dois anos de idade e alegadamente abusado sexualmente de um outro irmão de cinco anos.
Cristian, o menino de doze anos que foi cobrado como um adulto pelos supostos crimes, teve uma vida marcada pela violência e negligência. Sua própria concepção resultou em uma condenação por agressão sexual contra seu pai. Aos dois anos foi encontrado vagando pelas ruas do sul da Flórida enquanto sua avó se drogava em um quarto de motel. Sua mãe, que tinha apenas 14 anos, nem podia ser encontrada.
Seu pequeno histórico de vida tem ainda um abuso sexual a que foi submetido pelo primo e um espancamento (que quase o deixou cego)pelo padastro, que, antes de começar a ser investigado, se suicidou. Cristian, claramente, tinha uma vida horrível na qual seus sentimentos de criança jamais puderam ser aflorados.
Esse caso teve uma grande e intensa publicidade e foi capaz de reabrir uma discussão sobre a justiça norte-americana e afastar a acusação. Cristian também fez que advogados conseguissem um acordo judicial com promotores no qual se determinava que ele ficasse em um centro juvenil até que completasse 19 anos.
Sorte essa não assiste a muitas outras crianças nos EUA, mais precisamente 2.500 menores – embora a Constituição Federal, em sua emenda 8ª, proíba e o artigo 5º.5 do Pacto de São José da Costa Rica assegure o direito de menores serem processados em tribunal especializado para que receba tratamento – eles estão condenados a prisão perpétua. Quase dois terços desses jovens são negros e 79% deles têm menos de catorze anos.
É inconcebível que uma criança seja submetida à prisão perpétua. Segundo a especialista em medicina forense Jenna Saul, é possível que essa criança nem entenda as consequências de seus atos de violência. “Uma criança, sem dúvida alguma, deve ser julgada por um tribunal para menores, onde podem ser implementadas maneiras de introduzi-la à sociedade”, afirmou Jenna Saul à BBC Brasil.
E, recentemente, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que esse tipo de pena é inconstitucional. Mas por que essa decisão não faz com que essas penas deixem de ser aplicadas?
A explicação está nas fortunas incalculáveis que a “indústria das prisões” proporciona aos EUA. O sistema prisional é um mercado bilionário. Sobre esse mercado, Gustavo Poloni, na revista Exame, escreveu:
Uma das maiores forças do capitalismo americano é a capacidade empreendedora dos executivos, que são permanentemente encorajados a investir e a competir nas mais diferentes áreas da economia. A crença irrefreável dos americanos nas virtudes do setor privado faz com que alguns negócios assumam por lá proporções inéditas. Um exemplo é o mundo bilionário que se formou ao redor do sistema penitenciário – um setor delegado, em quase todos os países do mundo, à gestão pública. Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do planeta, 2,2 milhões de pessoas. Como a legislação possibilita a ampla participação das empresas privadas, as companhias estão aproveitando a oportunidade para obter bons lucros. Hoje, elas são contratadas pelo governo para projetar e construir presídios, vigiar e reabilitar detentos e prestar serviços gerais, como limpeza das celas e alimentação dos presos. O resultado é um mercado de 37 bilhões de dólares, que deve continuar em expansão, pois o número de presos cresce à taxa de 3,4% ao ano desde 1995.”
O desprezo que a sociedade capitalista tem aos jovens, em particular os negros e pobres, é traduzido nos números apontados acima.
O Estado tem sua prioridade focada no livre mercado econômico. Por isso, a falta de assistência social. Tudo isso faz parte dessa estrutura de sociedade. É interessante para o Estado que o jovem pobre esteja marginalizado e excluído do reduto social, contribuindo assim para a “limpeza étnica e racial” que a burguesia tanto quer.
Colocar jovens na cadeia significa uma maior destinação de verbas ao sistema penitenciário e a consequente redução de auxílio assistencial aos necessitados, uma vez que a maior parte deles estará presa. E quanto mais presos, mais casas de reclusão privadas, tornando isso o negócio capitalista mais rentável economicamente.
O fato de Cristian Fernández, uma criança de apenas 12 anos, ser julgada como adulto e submetida a uma possível prisão perpétua, não significaria nem de longe fazer justiça. O que o Estado quer mesmo é que esse jovem pobre filho de uma negra seja útil economicamente para a elite político-econômica norte-americana, e não é o reintegrando à sociedade, dando-lhe saúde e educação.
Danielle Godoi, estudante de Direito e militante da UJR São Paulo.
*jornalaverdade

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