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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, setembro 26, 2013

Guerra as Drogas tudo errado

quando tudo sai errado, por 

 

O homem até pode ser o animal mais racional do planeta, como vem sustentando há milênios alguns filósofos, mas, em determinados assuntos, que mobilizam medos profundos da espécie, conseguimos a proeza de fazer tudo absolutamente errado. Um caso notável dessa tempestade perfeita é a política de drogas.
Nos últimos 100 anos, o mundo embarcou na onda proibicionista, declarando guerra aos estupefacientes e prometendo livrar o globo da chaga da dependência.
Em termos econômicos, nunca fez sentido apostar na repressão. Por razões matemáticas bastante precisas, o tráfico é um delito contra o qual a atuação policial é pouco efetiva. Ao menos em teoria, o sujeito que vai cometer um crime faz uma análise de riscos e benefícios. Ele calcula a chance de ser preso e a sopesa contra o lucro esperado. O papel da repressão é elevar o risco de aprisionamento, de modo que o perigo para o bandido supere o prêmio presumido.
O sistema funciona relativamente bem para crimes como roubo a banco, nos quais o valor do benefício não é afetado pela ação da polícia. No caso das drogas, entretanto, a repressão aumenta o risco para o traficante, mas também a recompensa, pois os preços dos entorpecentes tendem a subir sempre que o cerco se fecha.
O resumo da história é que investimos bilhões de dólares em unidades de combate ao tráfico que são intrinsecamente ineficientes e ainda tendem a aumentar os lucros e o poder de aliciamento dos barões da droga.
E a conta das despesas está apenas começando. Aos gastos com polícia devemos acrescentar as verbas destinadas a tratamento médico para os dependentes –o que pelo menos vale como uma boa ação– e aos presídios, cada vez mais apinhados de condenados por delitos relacionados a drogas.
Nos EUA, núcleo duro do proibicionismo, cerca de 500 mil dos 2,3 milhões de encarcerados estão nessa categoria. Só a manutenção dessa fatia específica dos presidiários consome US$ 12 bilhões anuais. E, diferentemente do que ocorre em relação ao tratamento médico, não dá para afirmar que a ação reverta em benefício da população afetada, muito pelo contrário. Os estudos mostram que a cadeia é um instrumento de baixa eficácia na recuperação do delinquente, mas quase perfeito para destruir o futuro de um jovem. Quem vai parar em uma, mesmo que por uma bobagem como vender um pouco de maconha para os amigos, corre o sério risco de ficar para sempre frequentando intermitentemente esse tipo de ambiente.
O único argumento de peso em favor de uma política mais dura para as drogas é o de que, se adotarmos o “liberou geral”, sobreviria o caos, já que a prevalência global do uso de drogas ilícitas, hoje estimada pela ONU em algo entre 3,6% e 6,9% da população adulta, tenderia a explodir quem sabe até batendo os mais de 40% dos usuários de álcool. Obviamente, seria natural esperar que, nessa situação, o número de dependentes também aumentaria expressivamente.
Pois até essa noção, que parece irresistivelmente lógica, vem sendo contestada nos últimos anos. Como já tive ocasião de mostrar neste espaço, existem duas “escolas” de pensamento.
Para os cientistas que gostam de frisar os aspectos bioquímicos da dependência, não há limite para o vício. Se submetermos uma dada população de ratos (ou pessoas) a um regime de ingestão forçada de cocaína ou álcool, teremos, ao cabo de poucas semanas de uso contínuo, 100% de dependentes, que experimentarão tolerância, “craving”, síndrome de abstinência na retirada e demais sintomas clássicos. Uma outra corrente de pesquisadores, entretanto, sustenta que, em condições “naturais” (isto é, sem que se submetam as infelizes cobaias à dieta do pó e da cachaça), os números ficam bem mais modestos.
Essa linha ganha um importante apoio com a publicação nos EUA de “High Price: A Neuroscientist’s Journey of Self-Discovery That Challenges Everything You Know About Drugs and Society” (preço alto: a jornada de autodescoberta de um neurocientista que desafia tudo o que você sabe sobre drogas e a sociedade), de Carl Hart.
Trata-se de um livro singular. Hart é neurocientista e professor de psicologia em Columbia, uma das mais prestigiadas universidades dos EUA. Desenvolve, como veremos, interessantes pesquisas sobre o comportamento de dependentes. Mas ele também é negro, nascido na pobreza, que viveu toda a juventude nos piores bairros de Miami e que flertou bem de perto com o tráfico e outras modalidades criminosas. Em “High Price”, o autor combina sua rica experiência pessoal com dados estatísticos e os novos trabalhos científicos sobre drogas para sustentar que quase todas as ideias comumente aceitas sobre o problema estão erradas.
Evidentemente, nem vale a pena tentar resgatar aqui os aspectos biográficos da obra. Basta registrar que ele consegue imprimir ao texto um tom romanesco, que nos faz querer ler tudo numa sentada só. Em relação aos argumentos utilizados, há vários que merecem ser destacados.
Para começar, Hart mostra que devemos desconfiar de quase tudo o que nos ensinam sobre drogas nas campanhas de prevenção, que geralmente estão baseadas mais em mitos do que em boa ciência. Você já deve ter ouvido, por exemplo, que basta usar crack uma vez para tornar-se um viciado maltrapilho que terminará seus dias na sarjeta.
Bem, é mentira. Mais de 75% dos usuários de crack, a exemplo dos de heroína e outras drogas tidas como especialmente perversas, jamais se torna dependente da substância. Se queremos entender o problema de forma completa, não podemos perder de vista o espaço amostral. Os cientistas passaram as últimas décadas olhando tão de perto para os casos patológicos que deixaram de considerar a ampla maioria de usuários que não tem sua vida significativamente prejudicada pelo hábito.
Hart traça a origem do mito do vício fatal às teorias de Roy Wise e George Koob de que todas as drogas, independentemente de seu princípio ativo, atuavam sequestrando os centros de prazer e recompensa, notadamente o nucleus accumbens, que se veria de tal forma estimulado por megatorrentes de dopamina que não permitiria ao cérebro fazer outra coisa que não concentrar-se em conseguir a próxima dose. Por ela, o sujeito mataria e se prostituiria.
A ilustração desse mecanismo seria o célebre experimento de James Olds e Peter Milner dos anos 50 em que ratos que tinham a oportunidade puxar uma alavanca que acionava descargas elétricas que, através de eletrodos implantados em seus cérebros, estimulavam a liberação de dopamina nos centros de prazer se empenhavam tanto nessa tarefa que cessavam todas as outras atividades, incluindo sexo e alimentação. Eles morriam, no que seria um modelo para os perigos do vício.
Segundo Hart, essas experiências foram reproduzidas e verificou-se que sua descrição fora um pouco exagerada. Não eram todos os ratos que caíam nessa. Na verdade, em geral só embarcavam no comportamento patológico, seja ao puxar alavancas, seja servindo-se à vontade de uma piscininha de heroína açucarada, os indivíduos que haviam passado por forte estresse (algo comum entre cobaias de laboratório). Se os ratinhos tinham a oportunidade de brincar numa espécie de “Disney World” murídea e interagir com seus semelhantes, procuravam bem menos os estímulos artificiais.
Na verdade, avanços na neurociência mostraram que as coisas são muito mais complicadas do que se supunha. A dopamina está longe de ser o único neurotransmissor envolvido nos mecanismos de vício. E ela também não está ligada apenas ao prazer, sendo acionada inclusive em situações de dor e repulsa. (Ela tem muito a ver com o aprendizado, inclusive por meio de experiências negativas).
Para Hart, não dá para pensar o problema das drogas desvinculado do contexto social em que ele ocorre. Analisando sua vida retrospectivamente (e com todas as limitações de evidências anedóticas), ele conclui que tudo o que costumamos atribuir ao universo do vício já ocorria em sua família sem a concorrência de drogas (exceto, é claro, o álcool), aí incluídas situações de violência doméstica, lares desfeitos, abandono escolar, envolvimento com crime, pobreza etc. Drogas como o crack podem certamente agravar tudo isso, mas não são sua causa.
O autor, contudo, vai ainda mais longe e numa série de experimentos de sua própria lavra, revela que mesmo viciados daqueles que diríamos estar no fim da linha conservam a capacidade de fazer escolhas racionais.
Para mostrar isso, ele recrutou dependentes que topassem passar algumas semanas vivendo num hospital em troca de tóxicos grátis. Tudo, é claro, com licença especial do governo para fornecer drogas a voluntários humanos no contexto de pesquisas. Hart conta que conseguia até imaginar as manchetes dos tabloides se tomassem conhecimento de seu trabalho: “trafica usa dinheiro de impostos para dar a crackentos e outros viciados o que eles querem”.
Bem, o experimento consistia em fornecer logo pela manhã a cada paciente uma dose que podia ser aleatoriamente generosa, muquirana ou um mero placebo. À tarde, o sujeito deveria decidir se iria repetir a ração matinal de seu estupefaciente favorito ou trocá-la por uma quantidade de dinheiro ou vales-compras.
Como o sagaz leitor já deve ter percebido, quando a dose “valia a pena” os “junkies” tendiam a repeti-la; quando não, optavam pelas alternativas com valor pecuniário. É exatamente o que faria um agente econômico racional. É mais um golpe poderoso contra o mito de que viciados fazem tudo o que estiver ao seu alcance para obter a droga.
E onde isso nos leva?
Bem, a política proibicionista hoje adotada é um contrassenso econômico, é extremamente ineficiente, prejudica o futuro de parcela expressiva dos jovens (e com claros vieses racistas) e se baseia em má ciência. O mistério é por que ainda a sustentamos. E a única explicação vagamente racional é que temos um medo tão irracional delas que fazemos tudo errado, com muito gosto.
PS – A fim de dedicar mais tempo a um projeto literário, suspendo por alguns meses a coluna online das quintas-feiras. Os textos da versão impressa continuam normalmente.
Hélio SchwartsmanHélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou “Aquilae Titicans – O Segredo de Avicena – Uma Aventura no Afeganistão” em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.
 

Usuários de maconha não têm uso maior de serviços de saúde, diz pesquisa

Revista Galileu

Pesquisadores dos EUA não encontraram diferença na saúde geral entre aqueles que usam maconha todo dia e quem não usa a droga

por Ana Freitas
 
Com a legalização da maconha se tornando uma realidade em cada vez mais estados nos EUA, há uma preocupação crescente em descobrir os impactos dessa medida na saúde pública. Com a legalização, no entanto, fica mais fácil registrar e estudar usuários da droga, e foi isso que a Universidade de Boston fez para descobrir que não há uma associação entre a frequência do uso de maconha e a saúde ou um maior uso dos serviços de saúde por parte do usuário.
589 adultos que usam drogas (não só maconha) foram questionados sobre a frequência de uso de drogas, a frequência com que visitam o pronto-socorro e com que sofrem hospitalizações, além de outras informações sobre diagnósticos médicos e sua saúde em geral.
84% dos estudantes afirmaram que usam maconha, 25% faz uso de cocaína, 23% de opióides e 8% de outras drogas. Desse total, 58% usa apenas maconha. E os pesquisadores não encontraram diferença no uso de serviços de saúde nem na saúde geral entre aqueles que usam maconha todo dia e quem não usa a droga.
O médico que conduziu a pesquisa, Daniel Fuster, disse que embora eles não tenham comparado usuários de maconha a não-usuários, ele afirma que é muito baixo o efeito detectado do uso de maconha na saúde e no uso de serviços de saúde de um usuário.
*coletivoDar
 

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