Nunca vi tanta pressão da mídia sobre um juiz, diz Celso de Mello
O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), fez um
desabafo no começo da semana a um velho amigo, José Reiner Fernandes,
editor do "Jornal Integração", de Tatuí, sua cidade natal. Em pauta,
críticas que recebeu antes mesmo de votar a favor dos embargos
infringentes, que deram a réus do mensalão chance de novo julgamento em
alguns crimes.
"Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal
pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais
publicados em diversos meios de comunicação social (os mass media') para
se concluir diversamente! É de registrar-se que essa pressão, além de
inadequada e insólita, resultou absolutamente inútil", afirmou ele.
Mello parece estar com o assunto entalado na garganta. Anteontem, ele
respondeu a um telefonema da Folha para confirmar as declarações acima. E
falou sobre o tema por quase meia hora.
"Eu imaginava que isso [pressão da mídia para que votasse contra o
pedido dos réus] pudesse ocorrer e não me senti pressionado. Mas foi
insólito esse comportamento. Nada impede que você critique ou expresse o
seu pensamento. O que não tem sentido é pressionar o juiz."
"Foi algo incomum", segue. "Eu honestamente, em 45 anos de atuação na
área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca
presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação
sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a
consciência de um juiz."
"Essa tentativa de subjugação midiática da consciência crítica do juiz
mostra-se extremamente grave e por isso mesmo insólita", afirma.
E traz riscos. "É muito perigoso qualquer ensaio que busque subjugar o
magistrado, sob pena de frustração das liberdades fundamentais
reconhecidas pela Constituição. É inaceitável, parta de onde partir. Sem
magistrados independentes jamais haverá cidadãos livres."
"A liberdade de crítica da imprensa é sempre legítima. Mas às vezes é
veiculada com base em fundamentos irracionais e inconsistentes." Por
isso, o juiz não pode se sujeitar a elas. "Abordagens passionais de
temas sensíveis descaracterizam a racionalidade inerente ao discurso
jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo isento e independente.
O que é o direito senão a razão desprovida da paixão?"
O ministro repete: não está questionando "o direito à livre manifestação
de pensamento". "Os meios de comunicação cumprem o seu dever de buscar,
veicular informação e opinar sobre os fatos. Exercem legitimamente
função que o STF lhes reconhece. E o tribunal tem estado atento a isso. A
plena liberdade de expressão é inquestionável." Ele lembra que já
julgou, "sem hesitação nem tergiversação", centenas de casos que
envolviam o direito de jornalistas manifestarem suas críticas. "Minhas
decisões falam por si."
Celso de Mello lembra que a influência da mídia em julgamentos de
processos penais, "com possível ofensa ao direito do réu a um julgamento
justo", não é um tema inédito. "É uma discussão que tem merecido
atenção e reflexão no âmbito acadêmico e no plano do direito
brasileiro." Citando quase uma dezena de autores, ele afirma que é
preciso conciliar "essas grandes liberdades fundamentais", ou seja, o
direito à informação e o direito a um julgamento isento.
O juiz, afirma ele, "não é um ser isolado do mundo. Ele vive e sente as
pulsões da sociedade. Ele tem a capacidade de ouvir. Mas precisa ser
racional e não pode ser constrangido a se submeter a opiniões externas."
Apesar de toda a pressão que diz ter identificado, Celso de Mello afirma
que o STF julgou o mensalão "de maneira independente". E que se sentiu
"absolutamente livre para formular o meu juízo". No julgamento, ele
quase sempre impôs penas duras à maioria dos réus.
"Em 45 anos de atuação na área jurídica, nunca presenciei um
comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação buscando subjugar
um juiz"
"Abordagens passionais descaracterizam a racionalidade inerente ao
discurso jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo independente"... As informações estão na *Saraiva
Dalmo Dallari sobre Gilmar Mendes: “Eu não avisei?”
Há dez anos, o jurista e professor da USP publicou artigo que gerou polêmica em que sustentava: “Gilmar Mendes no STF é a degradação do Judiciário”. Agora, em entrevista ao 247, ele reafirma e diz mais: “Há algo errado quando um ministro do Supremo vive na mídia.” Heberth Xavier, via Brasil 247, texto publicado em 29/5/2012
Há dez anos, exatamente em 8 de maio de 2002, a Folha de S.Paulo publicava um artigo que geraria grande polêmica. Com o título “Degradação do Judiciário”, o artigo, escrito pelo jurista e professor da Faculdade Direito da USP, Dalmo de Abreu Dallari, questionava firmemente a indicação do nome de Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal (STF). A nomeação se daria dias depois, mesmo com as críticas fortes de Dallari, ecoadas por muita gente da área e nos blogs e sites da época.
Desde então, Mendes esteve no centro das atenções em inúmeras polêmicas. Em 2009, participou de famosa e áspera discussão em pleno plenário do tribunal com o colega Joaquim Barbosa. Dallari, que conhece pessoalmente muitos ministros do STF (foi professor de Ricardo Lewandowski, deu aulas a Carmen Lúcia e orientou Eros Grau), comparou o fato a uma “briga de moleques de rua”: “Os dois poderiam evitar o episódio, mas a culpa grande é do presidente do STF, Gilmar Mendes, que mostra um exibicionismo exagerado, uma busca dos holofotes, da imprensa. Além da vocação autoritária, que não é novidade.” (clique aqui)
Um ano depois, em 2010, na véspera das eleições presidenciais, o Supremo se reuniu para julgar a exigência da apresentação de dois documentos para votar nas eleições. O placar estava 7 a 0 quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo. O julgamento foi interrompido. Mais tarde, circulou a informação, confirmada depois em reportagem da Folha de S.Paulo, de que a decisão de Mendes foi tomada depois de conversar com o então candidato do PSDB, José Serra, por telefone. Na época, Dallari não quis comentar sobre a conversa ou não com o candidato tucano e suas implicações (“Como advogado, raciocino em cima de provas”), mas contestou a atitude de Mendes: “Do ponto jurídico, é uma decisão totalmente desprovida de fundamento. O pedido de vistas não tinha razão jurídica alguma, não havia dúvida a ser dirimida”.
Mas a maior polêmica é a atual, envolvendo o político mais popular do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado por Mendes de chantagem e pressão ao STF. Procurado pelo 247, a quem concedeu entrevista, Dallari não deixa de reconhecer: “Eu não avisei?”
Leia alguns pontos destacados pelo jurista na entrevista ao 247: STF na mídia
“Eu acho muito ruim para a imagem do Supremo que um de seus ministros fique tanto tempo exposto na mídia, sempre em polêmicas. Não que eu considere bom ficar enclausurado, pelo contrário. É interessante que você dê publicidade às ações do STF, para a população ser melhor informado do processo de decisões no tribunal. Mas há algo errado quando um ministro do Supremo vive na mídia, e sempre em polêmicas. Verdade ou mentira?
“Não posso fazer um julgamento categórico sobre o que disse o ministro Gilmar Mendes. Não se sabe onde está a verdade. Se tivesse mais segurança quanto aos fatos ocorridos poderia dizer melhor. Mas, de qualquer maneira, dá para afirmar de cara duas coisas: a primeira é que não dá, definitivamente, para um ministro do Supremo sair polemizando toda hora para a imprensa, e num nível que parece confronto pessoal. É algo que não faz parte das funções de um ministro do Supremo. A outra coisa é que as acusações de Gilmar são extremamente duvidosas. Feitas com atraso e sem o mais básico, que é a confirmação da única testemunha. Pelo contrário: o ministro Jobim [Nelson Jobim, que foi ministro de FHC, de Lula e do próprio STF] negou o conteúdo do que foi denunciado. Previsão
“Não avisei? Naquele artigo para a Folha, eu já mostrava, com fatos, os problemas que o Judiciário brasileiro enfrentaria com o Gilmar Mendes no Supremo. Não há surpresas, pelo menos para mim. Na época de sua nomeação, já havia informações, por exemplo, de que ele contratou, como procurador-geral da República, pessoal para seu cursinho de Direito. Um detalhe interessante é que o Gilmar Mendes teve 14 votos contrários à sua nomeação para o STF. Isso quebrou uma tradição de unanimidade que existia no Senado brasileiro. Enfim, ele não é, definitivamente, uma personagem altamente confiável a ponto de representar um posto tão importante. Implicações jurídicas
“Primeiramente é preciso lembrar que, fosse verdadeira a nova afirmação de Gilmar Mendes, se tivesse realmente sido vítima de chantagem, o caminho natural seria uma denúncia ao Ministério Público, imediatamente. Por que só agora? Dito isso, cabem dúvidas da extensão realmente do que supostamente foi dito. Ainda que Lula tenha feito referências ao mensalão, é duvidoso se isso teria tanta implicação jurídica, pois parece ter sido numa conversa informal, feita na casa de um amigo comum dos dois. Volto a frisar dois aspectos: é difícil determinar com certeza, pois não há evidência nenhuma de que Gilmar Mendes diz a verdade, apenas a sua palavra; e, tivesse a seriedade que alguns querem pintar, a denúncia teria que ser feita na hora. Ou não é?
Leia abaixo o artigo que Dalmo de Abreu Dallari publicou na Folha, em 8 de maio de 2002: Degradação do Judiciário Dalmo de Abreu Dallari
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente –pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo doutor Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o doutor Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracunda, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do doutor Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o doutor Gilmar Mendes, pagou R$32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público –do qual o mesmo doutor Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.
*Saraiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário