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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, setembro 24, 2013

O Brasil precisa se livrar do Fla-Flu político



por Pedro Estevam Serrano 
da Carta Capital

Não apenas a existência do debate público de posições e ideias é essencial à democracia, mas sua preservação carece de que tal debate se realize dentro de quadrantes mínimos de qualidade argumentativa

É a qualidade do debate democrático que propicia a necessária produção de consensos e dissensos. Não há democracia que sobreviva sem a criação de consensos pelo debate, nem tampouco é verdadeira democracia se não propicia constantes dissensos pelo mesmo debate. Consenso e divergência são ambos produtos do mesmo debate, que faz evoluir as instituições, a cidadania e amplia a proteção a direitos.

Neste aspecto é preocupante o correr cotidiano do jogo democrático no Brasil. Um clima de Fla-Flu se instaurou no debate público.

Insistentes consensos midiáticos nos grandes temas, confluentes por interesses em comum dos donos dos veículos e não pelo embate de argumentos, suprimem da visibilidade os dissensos de visão, de argumentação e de interesses existentes no interior da sociedade.

A critica imponderada e criminalizadora do governo e do PT, geradora da editorialização do noticiário, gera reação também imponderada e agressiva de seus defensores. O ódio substitui o argumento como base das relações políticas democráticas

O argumento ad hominem, sintoma maior da irracionalidade do debate, de tão corrente se banaliza pelas colunas, artigos e entrevistas, bem como em posts e “memes” favoráveis a situação ou a oposição, indistintamente.

A existência de um constante código binário nas disputas e debates políticos – PT e PSDB, Corruptos e Honestos, Democratas e Fascistas etc – dividindo o debate sempre em duas posições, suprime terceiras, quartas, quintas e muitas posições possíveis e desejáveis em cada tema.

Defensores do governo argumentam, corretamente no pressuposto, que falta pluralidade ideológica em nossa mídia e nos espaços públicos de visibilidade, mas por outro lado sufocam qualquer forma alternativa de argumentação à esquerda do debate, em um utilitarismo eleitoral que ja vitimou o PT no passado. O pau que bateu em Chico hoje é usado por ele para bater em Francisco. Autocríticas necessárias, como no caso do caixa 2 reconhecido no chamado "mensalão", são esquecidas sob o argumento falso e inconsistente de que auxiliaria o inimigo eleitoral, esquecendo que há na politica uma razão ética que deve ir além das razões da disputa.

O discurso oposicionista, por sua vez, não tem pejo em permanecer na extrema superficialidade argumentativa, num moralismo discursivo, seletivo e hipócrita, que procura substituir o embate de argumentos pela criminalização do oponente, obviamente sem atentar aos próprios desvios. A simbiose que tem com os veículos midiáticos entorpece qualquer critica aos ambientes da federação onde a oposição nacional se torna poder local.

As emoções de mais vulgar extração dominam o debate público, sendo raros os ainda existentes momentos e espaços de racionalidade e convencimento.

Não é por esse clima próprio de estádio de futebol que construiremos uma democracia sólida e de qualidade. Democratas de todos os partidos e de todo espectro ideológico devem se preocupar com a sustentação ética do debate democrático, que se dá pela busca de sua mínima qualidade argumentativa.

A mitigação do ódio propiciará, certamente, o florescimento de posições alternativas, terceiras, quartas etc, que enriquecerão o debate e ampliarão as condições de escolha da cidadania.

A desejada pluralidade ideológica e politica na visibilidade midiática deve ser alcançada não para refletir esse Fla-Flu mas sim todo o universo possível de ideias e posições, sempre presentes no principais temas de uma vida democrática hiper-complexa como a contemporânea.
*Tecedora

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