da Carta Capital
Não apenas a existência do debate público de posições e ideias é essencial à democracia, mas sua preservação carece de que tal debate se realize dentro de quadrantes mínimos de qualidade argumentativa
É a qualidade do debate democrático que propicia a necessária produção de consensos e dissensos. Não há democracia que sobreviva sem a criação de consensos pelo debate, nem tampouco é verdadeira democracia se não propicia constantes dissensos pelo mesmo debate. Consenso e divergência são ambos produtos do mesmo debate, que faz evoluir as instituições, a cidadania e amplia a proteção a direitos.
Neste aspecto é preocupante o correr cotidiano do jogo democrático no Brasil. Um clima de Fla-Flu se instaurou no debate público.
Insistentes consensos midiáticos nos grandes temas, confluentes por interesses em comum dos donos dos veículos e não pelo embate de argumentos, suprimem da visibilidade os dissensos de visão, de argumentação e de interesses existentes no interior da sociedade.
A critica imponderada e criminalizadora do governo e do PT, geradora da editorialização do noticiário, gera reação também imponderada e agressiva de seus defensores. O ódio substitui o argumento como base das relações políticas democráticas
O argumento ad hominem, sintoma maior da irracionalidade do debate, de tão corrente se banaliza pelas colunas, artigos e entrevistas, bem como em posts e “memes” favoráveis a situação ou a oposição, indistintamente.
A existência de um constante código binário nas disputas e debates políticos – PT e PSDB, Corruptos e Honestos, Democratas e Fascistas etc – dividindo o debate sempre em duas posições, suprime terceiras, quartas, quintas e muitas posições possíveis e desejáveis em cada tema.
Defensores do governo argumentam, corretamente no pressuposto, que falta pluralidade ideológica em nossa mídia e nos espaços públicos de visibilidade, mas por outro lado sufocam qualquer forma alternativa de argumentação à esquerda do debate, em um utilitarismo eleitoral que ja vitimou o PT no passado. O pau que bateu em Chico hoje é usado por ele para bater em Francisco. Autocríticas necessárias, como no caso do caixa 2 reconhecido no chamado "mensalão", são esquecidas sob o argumento falso e inconsistente de que auxiliaria o inimigo eleitoral, esquecendo que há na politica uma razão ética que deve ir além das razões da disputa.
O discurso oposicionista, por sua vez, não tem pejo em permanecer na extrema superficialidade argumentativa, num moralismo discursivo, seletivo e hipócrita, que procura substituir o embate de argumentos pela criminalização do oponente, obviamente sem atentar aos próprios desvios. A simbiose que tem com os veículos midiáticos entorpece qualquer critica aos ambientes da federação onde a oposição nacional se torna poder local.
As emoções de mais vulgar extração dominam o debate público, sendo raros os ainda existentes momentos e espaços de racionalidade e convencimento.
Não é por esse clima próprio de estádio de futebol que construiremos uma democracia sólida e de qualidade. Democratas de todos os partidos e de todo espectro ideológico devem se preocupar com a sustentação ética do debate democrático, que se dá pela busca de sua mínima qualidade argumentativa.
A mitigação do ódio propiciará, certamente, o florescimento de posições alternativas, terceiras, quartas etc, que enriquecerão o debate e ampliarão as condições de escolha da cidadania.
A desejada pluralidade ideológica e politica na visibilidade midiática deve ser alcançada não para refletir esse Fla-Flu mas sim todo o universo possível de ideias e posições, sempre presentes no principais temas de uma vida democrática hiper-complexa como a contemporânea.
*Tecedora
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