MIGUEL DO ROSÁRIO
O final de semana foi histórico. O grito de independência de Celso de
Mello deflagrou uma “espiral do silêncio” que, até o momento, agia em
favor dos golpistas. O vento mudou de lado. Nos últimos dias, diversas
personagens do mundo jurídico, inclusive celebridades do conservadorismo
político, atacaram frontalmente os arbítrios e as injustiças da Ação
Penal 470.
O exemplo mais estrondoso veio de Ives Gandra, jurista e autor de
dezenas de livros sobre Direito, que se tornou célebre na mídia por suas
invectivas contra o PT. Neste domingo, Gandra chuta o pau da barraca e
diz, em entrevista para Monica Bergamo, na Folha, que Dirceu foi
condenado sem provas.
Agora todo mundo está se perguntando: por que só agora? Muitos aventam a
possibilidade do jurista já estar pensando no perigo que a teoria do
domínio de fato representa para todos os ricaços no país, visto que,
segundo ela, qualquer falcatrua na cozinha pode levar à condenação na
diretoria.
Pode ser. Não deixa de ser um excelente e justo motivo.
Enquanto o mensalão durou, e especialmente nesses fogosos dias que
antecederam o voto de Celso de Mello, foi curioso testemunhar a aparição
de uma incrível quantidade de carbonários. O Globo não cansou de
repetir um bordão exótico, de que o STF não podia passar a impressão de
proteger “ricos e poderosos”.
Um lance arriscado, sem dúvida. Mas há quem goste de viver perigosamente.
A ressaca veio forte. Muita gente acordou com fortes dores de cabeça,
remorsos, além do travo amargo de uma histórica derrota política.
Defenderam ardorosamente a guilhotina e agora, passada a tempestade de fúria, temem por suas próprias cabeças.
É curioso observar que a imprensa de São Paulo, sobretudo a Folha, está procurando se descolar do golpismo carbonário da Globo.
O Estadão, pelo que conhecemos dele, vai demorar anos para se recuperar
do choque causado pela entrevista de Gandra. Mas é um jornal decadente,
com tiragem declinante e contas no vermelho. Não conta mais.
Temos a Veja, que assinou um tremendo recibo de derrota na última semana.
Mas a Veja está muito queimada. Virou uma caricatura ridícula de si
mesma. Sua ameaça de “crucificar” Celso de Mello selou de vez a sua
credibilidade.
Celso de Mello, ao contrário de ser crucificado, ganhou o respeito da
comunidade jurídica, à direita e à esquerda. O próprio Lewandowski, até
então demonizado pelos setores medíocres da mídia, recebeu um elogio
definitivo de Ives Gandra.
Hoje foi a vez de Claudio Lembo, também uma figura de proa do conservadorismo paulistano, chamar a Ação Penal 470 de um processo “medieval”.
Entretanto, não sejamos ingênuos. Ainda há muito o que fazer para desintoxicar a opinião pública brasileira.
O “luto” das atrizes globais é a prova disso. Todos nós temos amigos,
parentes, conhecidos, que passaram anos comprando o discurso da mídia.
O próprio STF se vergou à mídia. O voto de Mello foi um “ponto fora da
curva”, para usar a expressão que o ministro Barroso usou para se
referir à própria Ação Penal 470. E terá dificuldade agora para
encontrar uma saída honrosa.
Os ministros estão presos numa armadilha psicológica. Como renegar tudo
que fizeram? Além disso, não sendo políticos, não percebem exatamente
até que ponto é verdade a história do “clamor popular”.
O próprio Celso de Mello, em seu voto, falava como se do lado de fora do
STF houvessem dois milhões de pessoas exigindo a “prisão dos
mensaleiros”. Não tinha nem cinquenta, metade deles adolescentes com
rosto tapado, que nem sabiam o que estavam fazendo ali; outra metade,
atores pagos por algum partido ou quadro político da oposição.
De qualquer forma, temos que nos cuidar. Veja e Globo derrotados,
acuados, tornaram-se ainda mais agressivos e perigosos. E igualmente,
como se viu, mais desesperados e imprudentes.
A aprovação do projeto do Direito de Resposta, de autoria de Roberto
Requião no Senado, representa, neste sentido, um importante avanço
democrático, na garantia dos indivíduos contra o arbítrio de uma mídia
cujos valores ainda são os da ditadura.
A grande mídia está se isolando e sendo cada vez mais contestada. A
audiência dos blogs cresceu de maneira fabulosa nos últimos meses. A
gente é que nem bolo; quanto mais eles batem, mas a gente cresce.
Algumas reações químicas fundamentais se dão apenas a partir de certa
temperatura. Talvez estejamos chegando perto de uma ruptura definitiva
na correlação de forças entre mídia e poder no Brasil.
Suspeito que o Carnaval do ano que vem, ao invés de versos moralistas
sobre o mensalão, verá uma profusão de blocos fazendo chacota com a
sonegação da Rede Globo.
Eu mesmo já estou rabiscando uns versinhos…
PS: Aproveito para lhe propor reservar, desde já, dois exemplares dos livros que lançarei em novembro deste ano.
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