As cotas sociais e os demotucanos
Finalmente, depois de quatro anos de morosa tramitação (o projeto foi
apresentado em 2008), está aprovada a lei que institui cotas sociais e
raciais nas universidades e escolas técnicas federais. É um grande passo
no processo de inclusão social brasileiro e para a melhoria do nosso
ensino em geral, do fundamental e médio ao universitário.
Já aprovada pela Câmara, a proposta passou nesta 3ª feira (ontem) no
Senado e vai, agora, à sanção da presidenta Dilma Rousseff. Aí, não tem
erro, ela sempre foi favorável à medida. Uma vez em vigor, as
universidades e escolas técnicas federais ficam obrigadas a destinar 50%
de suas vagas para estudantes vindos de escolas públicas.
Destes 50%, a metade tem de ser preenchida por estudantes cuja renda
familiar seja igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita (R$
933,00) mensal. E dentro desse universo de 50% de vagas para alunos da
rede pública, também serão aplicados critérios raciais assim
preenchidos: estudantes negros, pardos e índios terão cotas
proporcionais ao número de habitantes de seu grupo racial que vivem no
Estado sede do estabelecimento de ensino federal de acordo com o censo
do IBGE de 2010.
A lei não altera o sistema de ingresso nas universidades estaduais
públicas e particulares que adotam se quiserem, ou não, algum sistema de
cota social ou racial. Com a entrada da lei em vigor, vamos começar a
corrigir, ainda que indiretamente, essa situação de injustiça existente
no Brasil, um dos poucos paises do mundo onde se dá isenção de imposto
de renda pessoa física (IRPF) para gastos em educação, quando devia ser o
contrário.
Ora, quem pode dispender gastos em educação, pode e deveria, também,
pagar IRPF para aqueles que não tem renda ou a tem baixa, estudar.
Principalmente porque as vagas no ensino superior público, todos
sabemos, estão ocupadas por alunos que vêm das escolas de ensino médio
particulares.
Dai a necessidade dos 50% de vagas nas públicas para alunos oriundos das
escolas de ensino médio públicas e para os de baixa renda, além do
critério de raça para buscar um equilíbrio.
O problema é ainda bem mais complexo se lembrarmos que tem outro aspecto
vem desde 1988, quando as escolas particulares pleitearam e a
Assembléia Nacional Constituinte incluiu na nossa Constituição que elas
continuariam recebendo subvenção financeira do poder público. Na
Constituinte os que defendiam que o dinheiro público se destinasse
apenas as escolas oficiais foram derrotados pelo lobby das particulares
comandado pela universidades católicas.
Mas a adoção da cotas sociais e raciais, apesar de começar a corrigir
essas distorções, por si só não resolve o problema. Os alunos oriundos
do ensino público, os de baixa renda e os que ingressam por critérios
raciais necessitam, além das vagas, de mais e melhores escolas públicas.
Para isto precisamos investir mais recursos na educação, melhores
professores, instalações adequadas, laboratórios, modernização dos
métodos pedagógicos, ensino em tempo integral, cultura, esporte e lazer
nas escolas. E contar com a participação das comunidades na sua gestão e
direção.
Foi surpresa na sessão de ontem do Senado o voto senador Aloysio Nunes
Ferreira Filho (PSDB-SP), contrário as cotas. O parlamentar tucano
paulista classificou o projeto como uma “violência à autonomia das
universidades (...), a imposição de uma camisa de forças para todas as
universidades brasileiras."
Foi rebatido pelo relator, senador Paulo Paim (PT-RS), para quem "só
quem é negro sabe o quanto o preconceito é forte neste país. A rejeição
deste projeto é dizer que nós não queremos que negro, pobre
e índio tenham acesso a universidade".Paim destacou, ainda, que as
cotas, principalmente as sociais, começam a corrigir uma situação
secular de extrema exclusão social e racial vigente no país.
Senador Aloysio Nunes, o único voto contra as cotas
Aloysio foi o único voto contra, mas o DEM também tinha posição
contrária.O partido chegou a ir até o Supremo Tribunal Federal (STF),
com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), contra a
Universidade de Brasília (UnB) que adota as cota raciais desde 2004. Foi
derrotado na Corte suprema.
Também é surpresa a posição contraria as cotas raciais adotada pela
tradicional Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). E
com dois argumentos fracos: ela acha que a excelência das universidades
cairá, e que dada a nossa miscigenação não se pode definir raça, por
exemplo, quem é negro na nossa sociedade. Este seu último argumento
público, então, beira o ridiculo.
Quanto ao risco de queda na excelência da universidade brasileira, a
adoção das cotas sociais e raciais vai trazer o contrário. Pode
melhorá-la e ao ensino público em geral, já que o dever da instituição
(universidade) é assegurar ao aluno condições para superar
insuficiências que ele traga do ensino médio e fundamental. E se
envolver também, como academia, como centro de inteligência, na melhoria
da qualidade do ensino em geral. Uma obviedade.
Altamiro Borges: As cotas sociais e os demotucanos
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