“Desinformação é a arma de guerra do Pentágono”
A jornalista Stella Calloni alerta que, seguindo o script de Washington, Grupo Clarín ataca a Ley de Medios da Argentina
Para Stella, a Lei de Meios da Argentina é a mais democrática
e participativa que
se votou no país e em toda a América Latina
Foto: Leonardo Wexell Severo |
A sala em que nos recebeu, repleta de quadros e imagens de diversos
países, é um cenário internacionalista e integracionista perfeito para
nossa conversa. O tema é o 7D (sete de dezembro), que colocou o debate
sobre a comunicação na ordem do dia e mobilizou toda a sociedade
argentina. Neste dia, o maior conglomerado de comunicação do país
vizinho, o Grupo Clarín, deveria ter apresentado seu plano de adequação
para desfazer-se de seu monopólio e adequar-se à lei. Todos os demais
grupos de mídia o fizeram até a data, mas por uma ação judicial do
Clarín, acolhida por uma corte de Justiça, o 7D não se consumou e a
batalha pela democratização da palavra continua.
Escritora e jornalista, Stella desvendou a Operação Condor e tantos
crimes macabros cometidos pelo imperialismo e seus testas-de-ferro no
Sul do Continente. Stella estudou a fundo a lei dos meios e afirma
categoricamente que se trata da “mais democrática e participativa da
América Latina”, e tem um “significado especial para a conquista da
soberania efetiva e o avanço da própria integração”. Frente ao festival
de mentiras, calúnias e omissões que proliferam na imprensa contra a
presidenta Cristina Kirchner e a nova lei, Stela nos convida a uma
reflexão sobre quem se beneficia do caos na comunicação: “A
desinformação é uma arma de guerra do Pentágono”.
Da mesma forma que O Globo, no Brasil, o Grupo Clarín foi claramente beneficiado pela ditadura. Como isso se deu?
Em 1978 a ditadura persegue a família do banqueiro e dono da empresa
Papel Prensa, Davir Graiver, (empresa que detinha o monopólio da
fabricação de papel jornal) acusado de trabalhar com o grupo
guerrilheiro Montoneros. O proprietário morreu num estranho acidente em
1976, no México, e nunca se pôde achar o corpo nem nada. A suspeita é
que o assassinato tenha sido executado pela CIA e por grupos secretos
que trabalhavam com a ditadura. Então, numa manobra entre a ditadura, o
Diário Clarín, o La Nación e o diário La Razón, que já não existe mais,
fizeram o “acordo” com Graiver. Tudo assinado e sua esposa Lidia Papaleo
de Graiver, que regressou ao país com sua filhinha de dois anos, foi
detida e torturada num centro clandestino. Nessas condições, teve que
assinar a “venda” da Papel Prensa. A “compra” foi por um montante que
era nada e ocorreu, evidentemente, mediante extorsão. Do total do
patrimônio, 80% ficaram para os três jornais e uns 20% da empresa para o
Estado. Foi assim que o Clarín e o La Nación começaram a formar seu
monopólio, pois quem tem o poder do papel jornal na mão tem o poder da
distribuição deste papel. Em 1980, o regime da ditadura militar
(1976-1983) dita por decreto a lei de radiodifusão que, neste momento,
já concebia a comunicação como uma mercadoria. A ditadura havia aberto
então a porta para a conformação de grandes grupos monopólicos.
Terminada a ditadura, o presidente Raúl Alfonsín chegou a questionar esta anomalia?
Depois de 1983, após a Guerra das Malvinas, cai a ditadura e Raul
Alfonsín chega à Presidência. Em 1984 ele começa a se dar conta que a
lei de meios da ditadura precisaria mudar. Então é desatada uma grande
campanha do Grupo Clarín contra Alfonsín e nada avança. É esta a lei que
se encontra em vigência até agora.
Como inicia esse movimento pela democratização da comunicação?
Nos anos de 1990 começa um trabalho coletivo de universidades,
diretórios estudantis, profissionais, movimentos sociais e sindicais,
sobretudo de profissionais de imprensa, entre eles a União de
Trabalhadores de Jornalismo de Buenos Aires. Iniciam o debate sobre o
tema da concentração de poder nos meios de comunicação. Vale lembrar
que, em 1989, o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) privatiza tudo,
além de um monte de meios de comunicação, escancarando as portas para a
possibilidade de se comprar a quantidade de licenças que quisessem. Isso
possibilita que, em 1995, quando começou a campanha para mudar a lei,
Clarín já tivesse se tornado um grupo monopólico.
Qual o tamanho desse monopólio?
Beneficiado com esta lógica privatista, no ano 2000, Clarín já detinha
240 licenças, os canais 13, Toda Notícia, Volver, Rádio Mitre AM, 80 FM,
Multicanal, Datamarket, por meio dos quais controlava quase todo o
país, além de imprimir o principal diário, o Clarín, e a Olé, que é uma
revista esportiva. Havia acumulado, portanto, bem mais do que todo o
resto dos grupos.
No Brasil, o grupo Folha emprestava seus automóveis para a repressão. De que forma o Grupo Clarín agiu?
Este é um problema. O Clarín e os grandes meios colaboraram com a
ditadura publicando como “enfrentamento” o assassinato de militantes
pelos grupos policiais. É a velha história: a mídia fazia o jogo do
poder econômico, dos latifundiários, dos banqueiros, das multinacionais,
que manipulavam em todo o continente os meios de comunicação, ligados
aos Estados Unidos, dependentes deles. Assim, quando os EUA viam que
seus interesses estavam sendo contrariados, e que precisavam dar um
golpe e invadir um país, utilizavam a mídia local. Foi assim na invasão à
Guatemala, foi dessa forma que converteram o herói nicaraguense Augusto
César Sandino em bandido. Por isso atacam tanto atualmente o presidente
equatoriano Rafael Correa. O que está em jogo é a defesa dos interesses
econômicos. Concebem a informação como mercadoria e a liberdade de
expressão como liberdade de empresa. O que potencializou esse movimento
foi o furacão neoliberal dos anos de 1990.
Você se refere à crise que vitimou bastante a economia Argentina?
A Argentina foi um dos países mais gravemente afetados pelo
neoliberalismo. Acabaram os trens no nosso país. É uma coisa única no
mundo, porque tínhamos cobertas nossas maiores extensões. Com isso
morreram vários povoados no interior. Foi um retrocesso nos princípios
iniciais da República, foram quebradas muitas empresas. O governo chegou
a cortar publicidade para quebrar empresas de comunicação, a fim de que
viessem os estrangeiros e seus testas-de-ferro, o que foi conformando
um poder hegemônico. Foram apoderando-se, no caso da Europa, das
agências de notícias, mancomunadas com interesses privados a tal ponto
que perderam totalmente a espécie de independência que ainda tinham.
Vocês como brasileiros, nós como argentinos, lembramos que quando
tivemos as ditaduras recorríamos àquelas agências para fazer denúncias.
Hoje elas são parte de um só discurso midiático.
Como avalia o papel dos novos governos populares nesta batalha pela liberdade de expressão?
Devido às mudanças que ocorreram na América Latina, vivemos o
pós-neoliberalismo – ainda que este sistema não esteja completamente
enterrado. O fato é que surgiram governos que expressam uma vontade
popular totalmente distinta. Estes governos surgem das lutas populares
nas ruas, nas estradas, e ressignificam a tragédia do neoliberalismo nos
setores mais renegados e excluídos entre os excluídos. Afinal, os
neoliberais concebem o desemprego como um disciplinador social, por
isso, trataram de reduzir os sindicatos, debilitaram as defesas dos
trabalhadores, desregulamentaram nossas economias. E a resposta veio da
grande massa popular, dos piqueteiros na Argentina, por exemplo. O mesmo
aconteceu na Bolívia, e na Venezuela com o Caracaço em 1989, que foi a
primeira rebelião contra o sistema neoliberal produzida no continente.
Os novos governos que surgem, como o de Hugo Chávez, vêm quando os
países estavam afundados no abismo. Daí tantas rebeliões populares e a
entrada em cena de Evo Morales na Bolívia, Nestor Kirchner na Argentina,
Lula no Brasil, Manuel Zelaya em Honduras, a volta de Daniel Ortega na
Nicarágua. São governos frutos destas rebeliões que mudam o mapa da
América Latina, em contraposição à lógica das ditaduras que nos
implantaram os Estados Unidos. Começa então um processo de integração e
unidade. Isso dá um salto além do processo de integração econômica, como
havia sido inicialmente concebido, para um processo de emancipação
nacional, porque estamos em um processo de independência, ainda não
temos nossa independência totalmente assegurada.
Como profissional que acompanha o
debate sobre a democratização da comunicação há muitos anos, qual a sua
avaliação sobre a Ley de Medios?
A Lei de Meios da Argentina é a mais democrática e participativa que se
votou no país e, creio, em toda a América Latina. As diferentes
organizações estão trabalhando nela, constantemente aperfeiçoando a
proposta há 22 anos. Há uma grande aprendizagem, fruto de um acúmulo. A
questão da mídia, pela sua capacidade de interferência na realidade, de
pautar governos e influir no comportamento social, ganhou ainda maior
relevância para a própria democracia.
Claro. Se antes existiam três meios potentes que destruíam um governo,
neste período histórico temos milhares de repetidores destes meios
potentes que têm um poder tão grande que agora são concebidos pelo
Pentágono como arma de guerra. A desinformação hoje é uma arma de
guerra. Massivamente pode-se destruir um mandatário, convertê-lo em
ditador, sustentar uma mentira como as armas de destruição em massa no
Iraque, uma mentira atroz como a usada contra a Líbia. Muammar Kadafi
nunca bombardeou seu povo. Não deixaram nada em pé na Líbia. Então a
mídia foi usada recentemente em quatro guerras coloniais: Afeganistão,
Iraque, Líbia e, agora, a Síria, onde também estão produzindo devastação
em larga escala. Temos também a questão grave dos bombardeios e do
cerco a Gaza, na Palestina, países que foram divididos como o Sudão, e
ameaçados, como o Líbano e o Irã.
Vejam como isso se reflete aqui na América Latina com a nova ofensiva
dos grandes conglomerados de comunicação sobre os governos da região,
tentando destruir a integração que conseguiu vencê-los. Nossa integração
conseguiu parar golpes de Estado como o dado contra Evo, apoiou
[Rafael] Correa e isolou os golpistas em 2010, desconheceu o governo
ditatorial de Honduras e tomou uma decisão, como no caso do Paraguai,
cumprindo com o regramento do Mercosul que defende a democracia
verdadeira. Concebemos e reafirmamos a democracia como é: uma grande
participação popular, e pela primeira vez os Estados Unidos caíram na
sua própria armadilha. Não diziam que o que valia era o voto na urna?
Pois pelo voto nossos povos afirmaram um caminho independente do governo
de Washington. Como a vontade popular é favorável à independência,
temos uma verdadeira guerra instalada no Continente, a guerra dos meios.
Voltando à Argentina, conte-nos mais sobre a guerra que está sendo travada pela mídia contra o governo de Cristina.
Na Argentina há uma desinformação enorme. Em 2008 quando o governo quis
colocar um imposto para a venda da soja, pois havia uma entrada enorme
de dinheiro, foi produzida uma tentativa de golpe de Estado. A
paralisação das rodovias do Mercosul era um golpe estratégico.
Conseguiu-se superar isso, mas a desinformação era tão grande que
começou a confundir setores da sociedade, que são ainda cativos dos
grandes meios, porque nenhum meio estatal tem o poder comunicacional
deles, que abarcam todo o país. Com 240 licenças, o Grupo Clarín tem
rádios de longo alcance em cada província, chegando até a Terra do Fogo,
a mais distante. Conhecemos pela história de Goebbels e do nazismo, que
tudo o que é repetido todos os dias vai formando uma verdade, uma
opinião, que pode ser absolutamente equivocada. Como ocorreu com o povo
alemão, as informações de Goebbels foram levando os alemães à sua
própria destruição, pois não conseguiram ver que era falsa a mensagem.
A destruição da consciência, de países e povos, acontece via desinformação?
Aqui a desinformação é tamanha que ao ler o Clarín, da primeira à última
página, são todas notícias negativas sobre a lei de meios. Chegou a um
ponto que nunca havíamos chegado, de se oporem ao governo quando este
defende a questão das Ilhas Malvinas, que são estratégicas não só para
Argentina, como para toda a América Latina, porque senão teremos as
maiores bases estrangeiras já instaladas, com alcance para o Brasil,
para toda a região. Diante desta ameaça real, esses meios começam a
desacreditar esta vontade, esta posição do governo, dizendo que é
preciso respeitar os habitantes instalados no lugar, trazidos da Grã
Bretanha. Querem justificar a falta de soberania, defender uma colônia a
14 mil quilômetros da Grã Bretanha, instalada em águas territoriais
argentinas.
Esse é um comportamento que vem de longa data?
Veja, o La Nación é da família Mitre, oligárquica do passado, que sempre
combateu os governos populares, tendo sido chaves na derrubada de
Perón, em 1955. São sociedades cativas que se acostumaram a ter muito
poder através desses meios. Mentem para este público dizendo que o
jornal vai deixar de sair no dia seguinte à entrada em vigor da Ley de
Medios. Mas no caso do jornal não há nenhum problema, pois a lei não tem
alcance para os meios escritos. Isso é absolutamente falso. Eles podem
ficar com até 24 canais e 10 rádios, mas não poderão ficar com as 240
concessões irregulares, porque isso é monopólio. A lei se rege também
por regras da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que afirma que
não pode haver monopólios informativos porque eles restringem a
liberdade de expressão dos países. Então nos perguntamos: por que esta
lei não está sendo cumprida pela Sociedade Interamericana de Imprensa
(SIP)? Porque ela representa os donos dos meios.
No caso argentino, após amplo
debate, aprovada pelo Executivo e pelo Legislativo, a lei foi
obstaculizada pelo Judiciário. O que deve acontecer agora?
A lei entrou como projeto do governo, apresentada por todas estas
organizações. Os deputados estudam a questão e a lei é aprovada por
maioria pelo governo e pela oposição em outubro de 2009. De imediato, o
Grupo Clarín começa a colocar medidas cautelares. Pressiona por uma
medida cautelar para o artigo 161, que regula os monopólios midiáticos,
que não deveriam mais existir e que todos os grupos deveriam se adequar.
A lei não é nenhum ataque a um meio determinado. Tanto é assim que no
dia 6 de dezembro, um dia antes do prazo, 19 grupos já haviam entregado
seus planos de adequação para o governo. Havia um acerto que no dia 7 de
dezembro a Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais de Comunicação
(AFSCA) devia apresentar um plano de adequação para os que não
cumprissem o prazo. Então uma Câmara Civil e Comercial integrada por
juízes que têm até relação familiar com o Clarín, um juiz que foi
convidado pelo grupo para ir a Miami fazer um debate contra a nova lei,
suspende seu efeito.
Uma decisão em causa própria?
É impossível que uma pessoa possa ser juiz e parte, mas aconteceu. Um
monopólio restringe a liberdade de informação e o Estado deve tomar
medidas contra a intenção monopolista. E foi obstaculizado por uma
decisão judicial. Deparamos-nos com uma verdade que ninguém quer dizer
em toda a América Latina, na Argentina, no Brasil: a Justiça está
impregnada pelo passado. Ainda restaram muitos juízes da ditadura, do
poder econômico que veio depois, juízes que colaboram ativamente com as
oposições locais.
Uma guerra pela democratização da comunicação. Dessa forma, como avalia o papel desempenhado pela SIP?
A luta pela democratização da mídia é a mãe de todas as batalhas. A
Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que é a sociedade de todos
os donos da mídia do continente, que tem grande influência dos Estados
Unidos, está contra a Ley de Medios porque ela favorece a pluralidade de
vozes, estabelece um limite para o número de licenças que cada grupo de
empresários pode ter. A nova lei argentina determina que o Clarín não
pode manipular tantos sinais, criou a Autoridade Federal de Serviços
Audiovisuais (AFSCA), determinou um máximo de 24 licenças de televisão
por cabo e 10 de rádio AM ou televisão aberta para cada grupo,
reconheceu o direito à comunicação com identidade dos povos originários,
entre outros avanços. Na manhã do dia 8 de dezembro, começou a
funcionar a primeira televisão mapuche e há mais de 20 rádios que
passaram a ser feitas pelos próprios povos originários. Estou
contentíssima com isso.
Sem romper com o monopólio do Clarín não é possível que a lei entre em vigor?
A lei indica que tudo devia começar com os aspirantes aos canais
apresentando-se como cooperativas. E assim foi feito. Mas se não se
rompe o monopólio, não tem como distribuir. Este é o problema. Já se
permitiu a abertura de novas rádios em alguns lugares, apoiou-se pela
primeira vez o desenvolvimento de pequenas e médias empresas que poderão
ficar responsáveis por um canal de cabo, Cinquenta universidades já
podem ter a sua própria televisão, foram liberadas mais de 365 licenças
de AM e FM e devem sair outras 800 solicitações de distintos setores
populares para rádio. Isso já está sendo cumprido, com licenças para
organizações sem fins de lucro, canais educativos, de saúde, 1.150
frequências para rádios municipais, se abriram mais de 130 rádios em
escolas e mais de 20 para povos originários. Mais de 50 cooperativas de
serviços públicos em todo o país já têm sua licença e outras 100 as
solicitaram. Isso dá uma ideia do que vai acontecer no dia seguinte ao
que o monopólio acabar.
Como a nova legislação aborda a questão da publicidade?
A lei exige que a publicidade incentive a produção local. Assim se
produziram mais de duas mil horas de conteúdo televisivo desde que
chegaram os planos de fomento do Estado nacional e mais de 3.500
projetos foram apresentados em todo o país. Com recursos, 26 das novas
séries de televisão foram realizadas nas províncias com atores e
técnicos locais. A indústria audiovisual gera mais de 100 mil postos de
trabalho por ano em todo o país, número que pode ser bastante ampliado
com a diversificação estimulada pela lei. As pequenas e médias empresas
(Pymes) já contam com mais de 2.800 horas diárias de programação e geram
mais de seis mil postos de trabalho. Esta informação obviamente não é
divulgada pela mídia, mas as pessoas necessitam ter a dimensão do seu
significado.
A grande mídia esconde os benefícios
da nova lei, mas seus defensores conseguem dialogar sobre a sua
relevância para o avanço da democracia?
Dizem que ela é necessária, falam da democratização, mas não são
divulgados fatos concretos, não se demonstra a importância de fato. O
artigo 161 é importantíssimo porque, como já disse, sem mexer no
monopólio não tem como distribuir. Então a decisão da Corte em favor do
Clarín está interferindo no processo. Os demais grupos de mídia estão
dispostos a cumprir a lei, mas a SIP vem à Argentina apoiar o grande
monopólio, num dos maiores atos de intromissão nos assuntos internos de
um país. Aqui, no dia 22 de maio, a Corte Suprema fixou que no 7 de
dezembro venceria a medida cautelar. Agora, com o apoio de alguns
juízes, conseguiram novamente protelar. O Clarín está burlando a
legislação com acompanhamento externo e o Estado está lutando contra a
velha justiça que responde ao poder econômico.
Em sua opinião, o que temos pela frente?
Em primeiro lugar, precisamos tornar mais didáticas as denúncias contra o
grupo monopolista. Se o Clarín continua sem cumprir a lei, o Estado
está obrigado a chamar concursos públicos. As licenças que excedam o
mínimo estipulado pela lei devem ser entregues a novos titulares. A
obrigação do Estado é chamar o concurso. Se não adequar-se ao processo,
em sua luta equivocada, o Clarín terminará favorecendo os setores
populares. Inclusive agora está em curso um processo judicial pelo caso
da fábrica de papel jornal, onde os antigos donos estão denunciando como
lhes tiraram seu patrimônio, de forma ilegal e indevida. A atuação é
juridicamente reprovável porque se fez com pessoas detidas. Além disso,
houve o descumprimento do que dispunha a lei quanto ao percentual de
ações que deveria ter ficado com o Estado e que acabou sendo apropriado
pelos grupos privados. O monopólio também amplia o poder e os lucros do
Clarín, que obriga as demais publicações a pagarem um fundo para que
possam ser distribuídas nas bancas. O Estado tem dito e repetido que não
vai expropriar de nenhuma maneira, nem vai estatizar. Trata-se de
garantir a pluralidade de vozes, algo que nunca houve. Ao contrário, uma
quantidade de meios foram fechados durante a ditadura, inclusive com
bombas, como o Diário Sur e o diário La Calle, do Partido Comunista. Há
mais de cem jornalistas argentinos desaparecidos e 50 assassinados. Mas
sobre isso a SIP não fala, como nada tem dito sobre o que está ocorrendo
em Honduras onde em duas manifestações realizadas pela oposição foram
espancadas equipes inteiras de televisão.
E como é possível romper com este cerco midiático?
Precisamos fazer cumprir o que diz a Corte Interamericana: os monopólios
de comunicação cerceiam a liberdade de expressão. Quando os governos
querem atuar para democratizar a palavra, se fazem de desentendidos. A
informação é uma arma real para o poder hegemônico, uma arma para
destituir governos. Uma arma tão real que muitas das notícias são
fabricadas no próprio Pentágono, como as do Oriente Médio, e repetidas
em todo o mundo. Imagine o poder que significa que, em todo o mundo, na
mesma hora, a repetição da mesma coisa. Isso amplifica de uma forma
perversa, eu diria terrorista, a desinformação. Não se respeita o
direito dos povos a uma informação verdadeira, que ajude a população a
ter mais educação e cultura. A isso se agrega os entretenimentos que são
o maior modelo de desculturação que tiveram nossos países nos últimos
anos. E isso é mais grave porque chega onde não há um jornal. Está em
frente à televisão, está absorvendo anti-valores.
No Brasil de Fato
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