FHC pode olhar nos olhos do “Senhor X”?
“Olha, Fernando, quando você conversar comigo, por favor, nivele teus
olhos aos meus” (quem foi o homem que acusava FHC de ser um príncipe
esquivo e escorregadio?) “Rameira, ponha-se daqui para fora” (quem disse
essa frase principesca, após um ataque de cólera dentro do Senado
Federal?)
por Rodrigo Vianna
Quem conhece a história recente do Brasil (e também o passado
‘republicano’ de nossas elites – com Convênio de Taubaté, Encilhamento
etc…) sabe bem que o tal “mensalão do PT” está longe de ter sido o
“maior escândalo da história política brasileira” – como pretendem
augustos, mervais e outros quetais do jornalismo elitista. Mas quem
ainda tinha dúvidas ganha, agora, mais uma chance para desfazê-las: o
novo livro do jornalista Palmério Dória.
Se
Amaury Ribeiro Jr (com “A Privataria Tucana“) já havia lançado luzes
sobre a vertente serrista do tucanismo, Palmério agora vai ao centro do
esquema: “O Príncipe da Privataria” (Geração Editorial) traça, em quase
400 páginas de texto saboroso, o perfil de um homem vaidoso, simpático,
com fama de mulherengo, e que dirigiu o Brasil com o propósito declarado
de “enterrar a Era Vargas”. Fazia parte do pacote tucanista vender
estatais a preços ridículos e, se fosse preciso, mudar as regras do jogo
democrático usando todos os artifícios possíveis. FHC foi o presidente
que fez o Real? Não. Este foi Itamar Franco. Mas FHC foi o presidente
que quebrou o Brasil, vendeu nosso patrimônio público e transformou o
Congresso Nacional numa feira de mascates.
Esse é o ponto alto do livro: a feira da reeleição. Em 1997, o repórter
Fernando Rodrigues produzira uma série de reportagens históricas
publicadas pela “Folha de S. Paulo”: nelas, um certo “senhor X”
apresentava gravações de reuniões em que deputados federais falavam
abertamente sobre a venda de votos para aprovar a reeleição de Fernando
Henrique no Congresso. O preço do voto: 200 mil reais.
O “senhor X” entregou as gravações ao Fernando Rodrigues, mas jamais
mostrou o rosto. Palmério Dória agora mostra quem é o “senhor X”. Ele
tem nome, sobrenome e 16 anos depois dos fatos aceitou dar entrevista de
peito aberto. Narciso Mendes, 67 anos, é empresário no Acre, foi
deputado Constituinte em 87/88, e na época da reeleição de FHC a mulher
dele era deputada federal. Por isso, Narciso tinha acesso às reuniões em
que se deu a tramóia.
Narciso Mendes recebeu o jornalista Palmério Dória, e relembrou toda a
história – incluindo a forma como a base tucanista (no Congresso e na
imprensa) conseguiu frear uma CPI para investigar a compra dos votos
denunciada em 97:
“Nem Sérgio Motta queria CPI, nem FHC queria CPI, nem Luis Eduardo
Magalhães queria CPI, ninguém queria porque sabiam que, estabelecida a
CPI, o processo de impeachment ou no mínimo de anulação da emenda da
reeleição teria vingado, pois seria comprovada a compra de votos“, disse
Narciso a Palmério Dória.
O fim dessa história qual foi? CPI jamais foi instalada. O MPF jamais
investigou nada. Havia um relato escandaloso, com gravações e tudo:
pelos menos seis deputados do Acre teriam vendido seus votos pela
reeleição. A classe média indignada não moveu uma palha. Nada se fez…
Numa conversa recente entre Palmério Dória e alguns blogueiros sujos, um
observador maldoso chegou a afirmar: “200 mil reais era o preço pelo
voto acreano, imagine quanto não deve ter custado o voto de um deputado
de São Paulo ou Minas para aprovar a reeleição?” Quanto? Quanto? Sergio
Mota talvez pudesse esclarecer. Mas levou para o túmulo o segredo de
polichinelo…
Nunca antes na história desse país, a não ser em ditadura, um presidente
mudou as regras do jogo eleitoral de forma tão escandalosa. Um atentado
contra a Democracia. Documentado. Como se sabe, FHC obteve o segundo
mandato, quebrou o país, tentou vender todo o patrimônio público e – ao
fim – saiu do poder com o rabo entre as pernas. Nem Serra em 2002, nem
Alckmin em 2006 tiveram coragem de defender o legado fernandista. Hoje, o
ex-presidente tem coragem de sair por aí a dizer o que os tucanos devem
ou não fazer na próxima eleição. Serra deve se remoer. Sabe bem quem é o
ex-presidente que posa de príncipe de Higienópolis. Terminados os oito
anos de FHC, o neoliberalismo estava em frangalhos na América Latina:
Fujimori foi preso no Peru, Salinas exilado do México, Menem jogado no
lixo da história argentina. FHC tinha virado um príncipe. O livro de
Palmério mostra que de príncipe ele tem muito pouco.
O livro também volta às privatizações, relembra a venda (ou doação?) da
Vale, debruça-se sobre meandros e transações tenebrosas na telefonia…
Mas a obra não é uma coleção de fatos e notícias do octanato
fernandista. Não. O jornalista costura a crônica política (e financeira)
com o perfil privado do marido de Dona Ruth. Fofocas? Também não.
Por que o Brasil não ficou sabendo que FHC era apontado – já ao chegar
ao poder – como o pai de um bebê gerado por uma repórter da TV Globo em
Brasília? Que favores FHC ficou devendo à família Marinho (e ao grupo
seleto de políticos que lhe deu ‘cobertura’ na história do filho) quando
a Globo aceitou “exilar” a tal repórter num posto sem importância em
Lisboa (e depois na Espanha)?
“Rameira, ponha-se daqui para fora”? Quem disse essa frase principesca, após um ataque de cólera dentro do Senado Federal?
“Olha, Fernando, quando você conversar comigo, por favor, nivele teus
olhos aos meus.” Quem foi o homem que acusava FHC de ser um príncipe
esquivo e escorregadio?
Não são meros detalhes. Dezesseis anos depois de ter aparecido como
“senhor X”, Narciso Mendes ressurge e confirma que a reeleição foi
comprada. FHC pode “nivelar os olhos” e encarar Narciso de frente?
Parece que não. E o Brasil, FHC pode encarar de frente? Leiam o livro do
Palmério antes de dar a resposta definitiva.
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