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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 01, 2013

Se ouvir “Eu não sou preconceituoso, mas…”, corra para longe






Eu não sou preconceituoso, mas…
Esta frase é deliciosa. Não é um aviso de “olha, não encare isso como preconceito”, mas um alerta. Do tipo “segura, que lá vem um preconceito”. A ressalva, completamente inútil, serve, pelo contrário, para reforçar que a pessoa em questão é exatamente aquilo pelo qual não gostaria de ser tomada.
Cultivamos nosso medo e ódio, mas, às vezes, pega mal expressá-los em público assim, tão abertamente. Porque pode ser visto como crime ou delito. Ou serem criticados – mesmo que os críticos compartilhem da mesma visão de mundo que você. E, além do mais, como todos sabemos, o Brasil é o país da alegre miscigenação, em que todos são considerados iguais em direitos. Os que discordam disso devem se mudar ou levar um corretivo para deixarem de serem bestas. É isso: ame-o ou deixe-o.
É engraçado como o preconceituoso não se vê como tal. Quem solta um “Eu não sou preconceituoso, mas…” separa essa palavra de seu significado e pensa o preconceito como algo abstrato, etéreo. Uma ideia que não teria nada a ver com tratar pessoas de forma diferente ou fazer um julgamento prévio de seu caráter devido à sua classe social, orientação sexual, cor de pele, etnia, nacionalidade, identidade de gênero, pela presença de alguma deficiência e por aí vai.
E cabe tanta abobrinha em um “Eu não sou preconceituoso, mas…” que ele se tornou o novo “Amar é…”, presente naqueles livrinhos simpáticos da minha infância.
Duvida?
Eu não sou preconceituoso, mas bandido bom é bandido morto.
Eu não sou preconceituoso, mas baiano é foda. Quando não faz na entrada faz na saída.
Eu não sou preconceituoso, mas mulher no volante é um perigo.
Eu não sou preconceituoso, mas tenho medo desses escurinhos mal encarados qe pedem dinheiro no semáforo.
Eu não sou preconceituoso, mas cigano é tudo vagabundo.
Eu não sou preconceituoso, mas os gays podiam não se beijar em público. Assim, eles atraem a violência para eles.
Eu não sou preconceituoso, mas acho o ó ter um terreiro de macumba na nossa rua.
Eu não sou preconceituoso, mas é aquela coisa: não estudou, vira lixeiro.
Eu não sou preconceituoso, mas não gostaria de ver minha filha casada com um negro. Não por ele, é claro, mas eles sofreriam muito preconceito.
Eu não sou preconceituoso, mas esses sem-teto são todos vagabundos.
Eu não sou preconceituoso, mas chega de terra para índio, né? Se eles ainda produzissem para o país, mas nem isso acontece.
Eu não sou preconceituoso, mas esses mendigos deviam ir para a periferia onde não incomodariam ninguém.
Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é esse pessoal de esquerda. É tudo petralha.
Eu não sou preconceituoso, mas sabe como é pessoal da direito. É tudo tucanalha.
Eu não sou preconceituoso, mas São Paulo é São Paulo, né amiga? Não é Fortaleza.
Eu não sou preconceituoso, mas esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária.
Eu não sou preconceituoso, mas adoro esse shopping. Só tem gente bonita por aqui.
Eu não sou preconceituoso, mas sobe o vidro, amor. Você não tá nos Jardins.
Eu não sou preconceituosa, mas vocês não acham que essas médicas cubanas têm cara de empregada doméstica?
Cuidado, seja sutil. Preconceito é para ser dito, repetido e aplicado, mas com naturalidade. Diluído no dia a dia, aparece como uma forma de manter a ordem das coisas e de lembrar quem manda. E quem obedece.
*sakamoto

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