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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, fevereiro 22, 2014


BBC
Desde o início dos protestos de junho do ano passado, a imprensa e as redes sociais mostraram à exaustão cenas de violência nas manifestações, muitas delas envolvendo policiais. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin há tempos reitera que os excessos “estão sendo investigados” e, desde junho, a Corregedoria da Polícia Militar já abriu 21 inquéritos – mas até o momento nenhuma investigação foi concluída e nenhum policial foi punido.
A BBC Brasil pediu os números diretamente à Corregedoria da PM, mas só os conseguiu após protocolar um pedido via Lei de Acesso à Informação, processo que levou duas semanas. A informação é referente ao período de 1 de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014.
Em entrevista à BBC Brasil, o Comandante-Geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Benedito Roberto Meira, confirmou que nenhum policial foi punido. Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21 policiais, mas não soube precisar o número exato.
Na entrevista, Meira diz que alguns inquéritos foram concluídos, mas a comunicação oficial enviada pela Corregedoria contradiz o comandante, ao dizer que os 21 inquéritos ainda “estão sendo apurados”.
“Não tenha dúvida de que aguardamos decisão (da Justiça Militar, para onde seguirão os inquéritos após conclusão) para iniciar o processo administrativo (de eventual punição para policiais que venha a ser condenados)”, disse Meira.
Igor Leone, membro do coletivo Advogados Ativistas, que presta assistência jurídica a manifestantes envolvidos em incidentes nos protestos, disse que o número “causa surpresa, mas surpreende por ser muito pequeno”.
“A gente esperava muito mais. Não temos quase nenhuma informação do que ocorre na Corregedoria. Aqui no coletivo Advogados Ativistas nunca tivemos notícia de que um policial tenha sofrido punição exemplar por conduta inadequada”, disse.

Outro lado

Antes de entrevistar Meira, a BBC Brasil já havia tentado ouvir a Corregedoria sobre as investigações de policiais e os dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, mas fora informada pelo Comando Geral na última semana de que a PM só se pronunciaria após a publicação da reportagem. Foi pedido então um posicionamento do governador Alckmin. No mesmo dia, a PM ofereceu a entrevista com Meira.
Em um telefonema à BBC Brasil, o coronel da PM que cuidava do caso questionou qual seria o “objetivo real” da reportagem e qual seria sua abordagem.
O Comandante Geral da PM rebateu as críticas do Advogados Ativistas durante a entrevista. “Eu também acho muito pouco o número de ativistas que agrediram policiais militares, durante as manifestações, e que até então não foram punidos”, disse Meira. O coronel reclamou da fragilidade da legislação brasileira.
Questionado se a Corregedoria conseguiria conduzir investigações independentes sendo subordinada ao Comando da PM, Meira disse que “o tempo mostrou que a Corregedoria é totalmente independente”, citando investigações de policiais envolvidos de execuções.
Para os Advogados Ativistas, no entanto, um dos principais obstáculos para protocolar denúncias na corregedoria é a falta de identificação dos policiais, que, muitas vezes, retiram o nome e a patente das fardas, o que configura uma “transgressão disciplinar”, de acordo com a própria polícia.
“Muitas vezes vemos um grupo inteiro de policiais sem identificação nas manifestações. Me parece claro que o comandante daquele grupo perceba quando os policiais não estão identificados”, diz Leone.
Casos de agressão registrados em boletim de ocorrência na Polícia Civil também são encaminhados à Corregedoria, segundo a PM. Essa informação aumenta ainda mais a “desconfiança” dos ativistas em relação ao número “pequeno” de inquéritos instaurados.
Sobre o tempo de conclusão de uma investigação na Corregedoria, o comandante da PM disse que “o inquérito policial militar, por lei, demora 40 dias de prazo, mais 20 (dias) prorrogáveis”.
“São 60 dias. Porém, esses prazos podem se exceder, em razão da falta de laudos ou na insistência do encarregado em ouvir determinadas testemunhas”, disse.

Militarização da polícia

Outro problema apontado pelos ativistas é o fato de policiais de patentes menores serem proibidos de investigar na Corregedoria policiais de patente mais alta.
A equipe de corregedores é chefiada desde por um corregedor-chefe, o coronel Rui Conegundes de Souza. Segundo a PM, todos os membros da equipe são coronéis, a patente mais alta dentro da corporação.
“Isso mostra o problema que é a militarização da polícia no Brasil, já que a hierarquia militar impossibilita que alguns policiais com patente mais alta sejam investigados”, disse Leone. A hierarquia também se aplica no caso dos coronéis mais jovens em relação aos coronéis com mais velhos.
A assessoria de imprensa da PM negou que investigações sejam bloqueadas por essa razão, embora admita que policiais de menor patente sejam proibidos de investigar superiores. A PM garantiu, no entanto, que há alternativas de investigação em casos desse tipo.
Para muitos especialistas, a violência policial é fruto justamente do caráter militar da polícia. Em mais de uma ocasião o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas recomendou ao Brasil a desmilitarização das polícias estaduais. Meira disse estar aberto esse debate, mas disse ser contra.
“No atual momento eu julgo não ser conveniente a desmilitarização da polícia”, disse.

Exemplos de violência

A violência policial foi um dos estopins dos protestos de junho. No dia 6 daquele mês, uma manifestação do Movimento Passe Livre foi reprimida pela polícia em São Paulo. As imagens da dura repressão rodaram as redes sociais e ajudam a impulsionar os protestos de rua no país.
Policiais também foram vítimas da violência. Em outubro, o coronel Reynaldo Simões Rossi foi espancado e golpeado com uma placa metálica durante confronto com manifestantes em um terminal de ônibus no centro de São Paulo.
A adoção por parte dos manifestantes da tática black bloc, de depredação de bancos e até de edifícios públicos, incitou ainda mais os ânimos.
O Comandante-Geral da Polícia disse que a PM foi surpreendia pelas novas táticas de protesto.
“A Policia Militar sempreu deu respaldo a manifestações pacíficas, quando não temos pessoas mascaradas, quando não temos pessoas com o propósito de depredar o patrimônio público e privado”, disse.
A BBC Brasil ouviu o relato de um estudante de 22 anos que participou dos protestos no dia 7 de setembro, na Avenida Paulista. Ele, que nega ser black block, diz que apanhou da polícia quando seu grupo tentava furar um bloqueio policial.
O estudante levou cinco pontos na cabeça e sofreu hematomas, mas não foi indiciado por qualquer crime, apesar de ficar detido por quatro horas.
No dia 25 de janeiro, uma manifestação contra a Copa do Mundo em São Paulo acabou na perseguição do manifestante Fabrício Proteus Chaves, que acabou baleado pela polícia na região central. A PM alegou legítima defesa, alegou que o rapaz de 22 anos teria sacado um estilete.
A violência também atinge a imprensa. Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 75,5% dos jornalistas agredidos em manifestações de junho até hoje foram vítimas de ações policiais.
*coletivoDAR 

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