via carlosmaia
“O maior dos pesos – E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!”. – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?‟, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela” – Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência, 341.
O
Eterno Retorno talvez seja um dos pensamentos mais conhecidos e
importantes de Nietzsche. Procurando encontrar alternativas para fugir
do niilismo decorrente da morte de Deus, o pensador alemão invoca a
ideia do Eterno Retorno como possibilidade de aceitar e afirmar a vida. O
importante não é pensá-lo como uma hipótese cosmológica, mas sim como
um desafio ético. Você viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim
eternamente? Se você fosse condenado a viver a mesma existência
infinitas vezes, e nada além disso, como se sentiria?
Este pensamento é um teste, e só os fortes podem suportar. Caso se ame a
vida e a frua autenticamente, a ideia do Eterno Retorno é uma benção.
Mas caso se esteja esperando pela próxima, guiando sua existência por
uma pós-vida, amaldiçoando esta, neste caso, o pensamento de tudo voltar
eternamente seria encarado como uma maldição. Para Nietzsche, este
pensamento supera todas as religiões e metafísicas porque mantém o
centro de gravidade ética no real, não se busca por justificativas
além-mundo para valorizar esta existência, ela se justifica por si
mesma.
Com a morte de Deus (veja aqui),
o mundo perde todos os parâmetros transcendentes em que se guiava. Não
temos mais certo e errado, bem e mal como valores que alguma divindade
nos revelaria, tudo passa a ser determinado pelo homem, construído e
destruído exclusivamente por ele. Pois bem, então a vida não tem sentido
fora da própria vida. Se não há valores transcendentes, não há nenhum
sentido na vida fora dela mesma, não há uma entidade para julgar nossas
ações. O Eterno Retorno coage o indivíduo a dar sentido por si mesmo.
Ele se torna criador de valores. Esta capacidade de criar e ser juiz de
seus valores é o que justificará sua existência. Ele precisa escolher e
criar pensando “quero viver isso eternamente?”.
Sendo assim, a ideia de que tudo pode retornar exatamente igual nos
torna infinitamente responsáveis por nossas escolhas e atitudes. Como
seremos obrigados a vivê-las infinitas vezes, precisamos fazer o melhor
possível, aqui e agora. Precisamos viver de modo que repetir tudo outra
vez seja uma benção! A vida não tem sentido? Ótimo! Melhor assim! Já
imaginaram como seria se o mundo já estivesse justificado por um decreto
divino? Já estivesse tudo decidido por algum ser superior? Por qualquer
entidade que seja? Que tédio! Isso sim seria um terrível fardo! Não
haveria sentido em criar nada. Portanto, o maior de todos os pesos é
também o maior de todos os presentes: a vida não tem sentido! Nós damos
sentido a nossas vidas, como um artista que dá sentido a sua obra. Que
benção! Temos a chance, esta sim me parece divina, de sermos
responsáveis por nossa própria criação. Nietzsche abriu a possibilidade
de nos tornamos artistas! Esculpindo-nos como nossa própria obra de
arte; dançando a música da vida, não pelo que acontece depois que ela
termina, mas pelo prazer do ritmo e da melodia.
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