A mídia nutre relação esquizofrênica com a Copa do Mundo
Desenha-se um cenário de Copa no qual, se o Brasil vencer, o bônus será dos jogadores. Se perder, o ônus ficará com o governo
Encerrei o artigo publicado na edição de janeiro da Revista do Brasil
com a expressão “2014 promete”. Escrito em dezembro, chamava a atenção
para o desespero da oposição, representada pela mídia, na busca de um
candidato para as eleições presidenciais deste ano, alertando sobre o
previsível “vale-tudo”. A previsão, infelizmente, começou a se confirmar
antes mesmo do fim do ano, com o jornalista Elio Gaspari pedindo na
Folha de S.Paulo a volta das manifestações de rua, seguido na mesma
linha por vários outros comunicadores, até pelo Faustão, na Globo.
Passadas as festas, a carga prosseguiu com a GloboNews mostrando um
gráfico sobre inflação que irá para os anais da manipulação jornalística
brasileira. Por ele ficamos sabendo que a inflação de 2013, de 5,91%, é
maior que as de 2010 (5,92%) e 2011 (6,50%). Disseram depois que foi
“erro”, para mim só comparável ao célebre “boimate” da Veja de tempos
atrás, quando a revista da Abril publicou uma nota científica sobre a
descoberta da criação de um híbrido formado por boi e tomate. A
diferença entre os dois “erros” está em seus objetivos. O da Veja antiga
era mero sensacionalismo. Já o da GloboNews faz parte de ação política
orquestrada, tendo como referência ideológica o Instituto Millenium, articulador da mídia brasileira em torno do pensamento único de raiz reacionária.
Curiosa, no entanto, é a esquizofrenia diante da Copa do Mundo. Ao mesmo
tempo que a defende de acordo com os seus interesses mercadológicos,
procura incentivar manifestações populares em torno dela, contra o
governo, por interesses políticos. Mas pede que sejam feitos de forma
“pacífica”, repetindo os chavões de junho passado. Creio até que
gestores e mentores dessa mídia torçam contra a seleção brasileira, na
esperança de que a derrota crie algum alento à oposição. Ainda que
custem um período de relativas baixas nas receitas publicitárias
advindas do ufanismo futebolístico.
Se for assim, será mesmo o derradeiro ato de desespero. Foi-se o tempo
em que política e futebol contaminavam-se reciprocamente. Não estamos
mais em 1950, quando candidatos aos mais diferentes cargos circulavam
entre os jogadores da seleção, invencível até começar o jogo final,
tentando tirar uma casquinha do prestígio por eles conquistado nos
gramados até minutos antes da tragédia do Maracanã diante do Uruguai. Ou
da ditadura, em seu momento mais sinistro, durante a Copa de 1970,
tentando sufocar os gritos das masmorras com marchinhas do tipo “pra
frente, Brasil”.
De lá para cá, o país mudou muito. Foi campeão do mundo mais duas vezes,
passou dos “90 milhões em ação” para mais de 200 milhões e, na última
década, tornou-se uma das mais importantes economias do mundo. Não há
futebol que possa contaminar as conquistas populares como o aumento das
redes de proteção social, a universalização do acesso ao ensino
fundamental, a expansão do ensino superior e, principalmente, a redução
do desemprego.
O “complexo de vira-lata” pregado na testa dos brasileiros pelo escritor
Nelson Rodrigues, logo após a derrota de 1950, e que se aplicava não só
ao futebol, mas a toda a autoestima do país, desapareceu. Mesmo as
mazelas que persistem na insegurança das ruas, no trânsito caótico, na
prisões medievais, nas habitações precárias deixaram de ser consideradas
destinos manifestos da gente brasileira. Ao contrário, mostram-se como
desafios a serem enfrentados e superados pela ação política,
institucionalizada ou não.
A mídia tentará, uma vez mais, instrumentalizar essas lutas, juntando-as
ao futebol, tanto em caso de vitória como de derrota na Copa. Se
vencermos, o mérito será da seleção, se perdermos o ônus ficará com o
governo. Serão as últimas cartadas oferecidas por ela ao seus candidatos
numa tentativa de utilizar esses temas, neste ano, da mesma forma
irresponsável como pôs em debate o aborto nas eleições de 2010. Como
disse no artigo anterior, “2014 promete”...
Lalo Leal No RBA
*comtextolivre
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