Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, fevereiro 22, 2014

A mídia nutre relação esquizofrênica com a Copa do Mundo

A mídia nutre relação esquizofrênica com a Copa do Mundo


Desenha-se um cenário de Copa no qual, se o Brasil vencer, o bônus será dos jogadores. Se perder, o ônus ficará com o governo

Encerrei o artigo publicado na edição de janeiro da Revista do Brasil com a expressão “2014 promete”. Escrito em dezembro, chamava a atenção para o desespero da oposição, representada pela mídia, na busca de um candidato para as eleições presidenciais deste ano, alertando sobre o previsível “vale-tudo”. A previsão, infelizmente, começou a se confirmar antes mesmo do fim do ano, com o jornalista Elio Gaspari pedindo na Folha de S.Paulo a volta das manifestações de rua, seguido na mesma linha por vários outros comunicadores, até pelo Faustão, na Globo.

Passadas as festas, a carga prosseguiu com a GloboNews mostrando um gráfico sobre inflação que irá para os anais da manipulação jornalística brasileira. Por ele ficamos sabendo que a inflação de 2013, de 5,91%, é maior que as de 2010 (5,92%) e 2011 (6,50%). Disseram depois que foi “erro”, para mim só comparável ao célebre “boimate” da Veja de tempos atrás, quando a revista da Abril publicou uma nota científica sobre a descoberta da criação de um híbrido formado por boi e tomate. A diferença entre os dois “erros” está em seus objetivos. O da Veja antiga era mero sensacionalismo. Já o da GloboNews faz parte de ação política orquestrada, tendo como referência ideológica o Instituto Millenium, articulador da mídia brasileira em torno do pensamento único de raiz reacionária.

Curiosa, no entanto, é a esquizofrenia diante da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo que a defende de acordo com os seus interesses mercadológicos, procura incentivar manifestações populares em torno dela, contra o governo, por interesses políticos. Mas pede que sejam feitos de forma “pacífica”, repetindo os chavões de junho passado. Creio até que gestores e mentores dessa mídia torçam contra a seleção brasileira, na esperança de que a derrota crie algum alento à oposição. Ainda que custem um período de relativas baixas nas receitas publicitárias advindas do ufanismo futebolístico.

Se for assim, será mesmo o derradeiro ato de desespero. Foi-se o tempo em que política e futebol contaminavam-se reciprocamente. Não estamos mais em 1950, quando candidatos aos mais diferentes cargos circulavam entre os jogadores da seleção, invencível até começar o jogo final, tentando tirar uma casquinha do prestígio por eles conquistado nos gramados até minutos antes da tragédia do Maracanã diante do Uruguai. Ou da ditadura, em seu momento mais sinistro, durante a Copa de 1970, tentando sufocar os gritos das masmorras com marchinhas do tipo “pra frente, Brasil”.

De lá para cá, o país mudou muito. Foi campeão do mundo mais duas vezes, passou dos “90 milhões em ação” para mais de 200 milhões e, na última década, tornou-se uma das mais importantes economias do mundo. Não há futebol que possa contaminar as conquistas populares como o aumento das redes de proteção social, a universalização do acesso ao ensino fundamental, a expansão do ensino superior e, principalmente, a redução do desemprego.

O “complexo de vira-lata” pregado na testa dos brasileiros pelo escritor Nelson Rodrigues, logo após a derrota de 1950, e que se aplicava não só ao futebol, mas a toda a autoestima do país, desapareceu. Mesmo as mazelas que persistem na insegurança das ruas, no trânsito caótico, na prisões medievais, nas habitações precárias deixaram de ser consideradas destinos manifestos da gente brasileira. Ao contrário, mostram-se como desafios a serem enfrentados e superados pela ação política, institucionalizada ou não.

A mídia tentará, uma vez mais, instrumentalizar essas lutas, juntando-as ao futebol, tanto em caso de vitória como de derrota na Copa. Se vencermos, o mérito será da seleção, se perdermos o ônus ficará com o governo. Serão as últimas cartadas oferecidas por ela ao seus candidatos numa tentativa de utilizar esses temas, neste ano, da mesma forma irresponsável como pôs em debate o aborto nas eleições de 2010. Como disse no artigo anterior, “2014 promete”...

Lalo Leal No RBA
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário