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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, fevereiro 09, 2014

    A degeneração da Liberdade de Expressão



Uso sem moderação

O repúdio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio ao que considerou apoio de Rachel Sheherazade, do jornal "SBT Brasil", aos que agrediram e acorrentaram nu a um poste um adolescente, por eles acusado de roubos, expressa bem a confusão de conceitos e de condutas que se dissemina, e degrada, quase sem resistência.


A apresentadora e seu parceiro, Joseval Peixoto, invocaram, como base institucional do seu argumento, a "absoluta liberdade de expressão". "E nós não abrimos mão desse direito", o que motiva os votos de que continuem ou passem a defendê-lo. Mas o que foi posto em questão não é aquela liberdade nem o respectivo direito.


A liberdade de expressão foi plenamente exercida pela apresentadora em seu comentário à agressão e ao acorrentamento do adolescente. No caso e em infinitos outros, o problema está no modo como essa custosa liberdade é usada. O direito à liberdade de expressão não inclui o direito à liberdade de fazer com ela o que quer que seja. Se não fosse assim, a liberdade de expressão incluiria até a de pregar a extinção do regime que a mantém. E, para não haver sequer vapor de dúvida a respeito, a Constituição adotou como cláusula pétrea, ou seja, irremovível e imutável, a absoluta proibição de qualquer ato contrário ao pleno Estado de Direito.


A nota do sindicato apontou, no comentário de Sheherazade, violação dos direitos humanos, do Estatuto da Criança e do Adolescente e apologia à violência. Tréplica da apresentadora: "O que eu defendi foi o direito da população de se defender quando o Estado é omisso, quando a polícia não chega. Isso está na lei". Não há nenhuma lei que conceda à sociedade, nem mesmo à polícia e a juiz fora de função, o direito de fazer pretensa justiça por conta própria. O que, é óbvio, se dá quando uma pessoa é surrada, posta nua e acorrentada a um poste na rua.


O uso da liberdade de expressão degenera com amplitude e velocidade. A internet tem a desculpa do amadorismo, do desabafo diletante, se bem que muitos dos seus jornalistas profissionais já se tenham entregue aos modos dos outros.


Nos jornais e revistas, que seriam o repositório do jornalismo sério, a coisa está pior do que na internet, se consideradas, relativamente, a permissividade congênita da internet e os princípios éticos de que a imprensa sempre se pretendeu portadora. O esforço com a veracidade informativa cede à lassidão, seja pelo convívio com o espírito internet, e sua resultante queda de interesse pelo leitor, seja por desmedidas na quase inevitável politização. O comentarismo, por sua vez, avança no vale-tudo, não é difícil imaginar para onde.


Pudera. Quando um ministro do Supremo Tribunal Federal, sem sequer indício de indício, assaca suspeitas que já são meias acusações de lavagem de dinheiro até de advogados de alta reputação, por doarem para as multas penais de petistas, o que mais se passe como confusão de conceitos e degradação de princípios talvez seja de total irrelevância. Gilmar Mendes é bastante para mostrar e explicar tudo.

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