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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, fevereiro 09, 2014

As leis que regem a sociedade devem passar longe dos altares e templos


“As leis que regem a sociedade não são escritas nos altares”
Por Guilherme Boneto, especial para o Educação Política
casamentogay
A frase acima poderia ter partido de qualquer intelectual de esquerda, ou mesmo de um político pertencente a um partido de ideais progressistas. Surpreendeu, contudo, ao ser escrita no Twitter do Padre Fábio de Melo, um dos mais influentes sacerdotes da Igreja Católica no Brasil.
Há alta probabilidade de o tweet ter partido em decorrência da grande repercussão de uma declaração dada pelo religioso ao programa “Altas Horas”, da TV Globo, que foi ao ar no último sábado (18). Questionado por uma integrante da plateia, o Pe. Fabio de Melo declarou-se abertamente a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde que observada da ótica jurídica, sem qualquer intervenção religiosa. “Acredito que o esclarecimento que precisamos ter, como líderes religiosos, é justamente a distinção. Se você quiser, pode chamar isso de casamento ou não, mas [trata-se] de uma união que esteja civilmente amparada, para que as pessoas possam garantir direitos que não são religiosos. São duas coisas diferentes”, declarou ele.
A declaração do padre traduz um grau de lucidez que pouco se vê hoje entre os líderes religiosos com influência no Brasil. Ela traduz exatamente a pauta dos movimentos civis homossexuais: a regularização do casamento civil, feito em cartório, que aliás, já foi aprovado pelo CNJ em 2013. Apesar dos esperneios da bancada evangélica e de determinados líderes religiosos, hoje os cartórios de registro civil do país são obrigados a realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No âmbito religioso, porém cabe a cada igreja decidir a quem casar. Ainda hoje, várias denominações cristãs recusam-se, baseadas em seus próprios dogmas, a realizar novo matrimônio de pessoas divorciadas, ainda que o divórcio seja uma garantia prevista em lei no Brasil. Este exemplo pode ser usado para efeito de comparação: os homossexuais não querem se casar na igreja – querem tão somente ver seus direitos atestados em lei.
Essa luta continua porque, ainda que o CNJ tenha se decidido a favor do casamento civil, tal norma ainda não foi regulamentada em lei, por pura omissão do Congresso Nacional – o projeto, de autoria da então deputada Marta Suplicy (PT-SP), tramita desde 1995 sem ser votado. A Constituição Federal prevê o casamento como uma instituição dada entre homem e mulher, texto que vários parlamentares, dentre os quais se destaca o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), vêm tentando modificar. Tal regulamentação não teria absolutamente nada de extraordinário – vizinhos como Uruguai e Argentina já a fizeram, esta última desde 2010. Ela tão somente diminuiria, ainda que infimamente, o atraso que o Brasil ostenta quanto aos direitos de suas minorias.
Diferentemente do que afirmam os defensores da “moral e bons costumes”, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não fere princípios religiosos sob nenhum aspecto. Ele é somente uma garantia de direitos às partes, como a herança e convênios médicos, que já são assegurados a casais heterossexuais. Recentemente a prefeita da cidade americana de Houston, no conservador Estado do Texas, casou-se legalmente com a mulher com quem mantém união estável há vinte e três anos. Nos últimos meses, vários Estados americanos aprovaram o casamento gay, entre eles a Califórnia, onde a prefeita de casou – no Texas esse tipo de união ainda é proibido. Em seu Twitter, a prefeita declarou: “Não poderia ser mais feliz”. Fico eu a imaginar a alegria dessas duas mulheres em poder oficializar uma união que mantêm há tantos anos, agora sob os olhos do Estado. É como sair de uma espécie de ilegalidade; mais que simples felicidade, é um indizível orgulho.
Mais que qualquer evidência de progressismo, a declaração do Pe. Fábio de Melo demonstra claramente sua atenção para com as demandas da sociedade. A importância de suas palavras, vindas de um sacerdote católico, pode servir para despertar em muitas pessoas a necessária reflexão sobre o assunto. Para defender e assegurar um direito que apenas agrega a uma sociedade, não é necessário ser ateu: basta ter um mínimo de inteligência. Afinal de contas, quem defende os preceitos do cristianismo deverá atestar que o amor, independentemente da maneira como venha, sempre valerá a pena.
*educaçãopolitica 

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