A MRV Engenharia, uma das principais empreiteiras do país, está sendo
obrigada a pagar R$ 6,72 milhões por infrações que incluem o flagrante
de 63 trabalhadores em condições análogas às de escravo nas obras de um
condomínio residencial em Americana, interior de São Paulo, em fevereiro
de 2011. A construção, que estava sendo executada por uma empresa
terceirizada, recebeu financiamento do programa federal “Minha Casa,
Minha Vida”. A decisão, de primeira instância, é da juíza do Trabalho
Natália Scassiotta Neves Antoniassi e, à ela, cabe recurso. A reportagem
é de Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil, com informações deste blog:
De acordo com a sentença,
do valor total a que a MRV foi condenada, R$ 4 milhões são por danos
morais resultantes do uso de mão de obra escrava. A empresa também terá
que pagar R$ 100 mil por dificultar o andamento do processo e da
fiscalização.
Além disso, outros R$ 2,62 milhões são decorrentes da multa pelo
descumprimento de uma liminar deferida em janeiro de 2012. A decisão
responsabilizou a MRV por diversas irregularidades com relação à
segurança e saúde do trabalho, além de outras obrigações trabalhistas em
duas obras em Americana. A empresa recebeu um prazo de 30 dias para
regularizar a situação. Como não o fez, passou a pagar multa de R$ 10
mil por dia. Em novembro de 2012, uma perícia comprovou que a
regularização dos problemas apontados pela liminar havia sido feita.
Em nota à imprensa,
a MRV declarou que a terceirização de mão de obra é um tema
“controverso” e que a empresa já obteve “ganho de causa em processos
similares”. Ela informou ainda que está “negociando a assinatura de
Acordo sobre Terceirização com o MPT [Ministério Público do Trabalho]” e
que deve recorrer da decisão, ao mesmo tempo em que “dará continuidade
às negociações com o MPT”.
Através do programa “Minha Casa, Minha Vida”, os bancos públicos Caixa
Econômica Federal e Banco do Brasil financiam casas para famílias com
renda mensal de até R$ 5 mil. Na sentença, a juíza considerou “no mínimo
irônico imaginar que trabalhadores análogos a escravos financiam a
moradia de casas populares e que o Estado efetua regiamente os
pagamentos referentes a esses contratos”. Além disso, a juíza também
autorizou que o Ministério Público do Trabalho envie ofício ao
Ministério das Cidades e às Superintendências Regionais e Nacionais da
Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil para que se tome ciência da
decisão. “O numerário público não pode, mesmo por via indireta,
sustentar a manutenção de trabalho escravo”, argumentou.
Trabalho escravo - Além
desse caso, a MRV foi flagrada em outras três ocasiões se beneficiando
com trabalho escravo. Em 2011, três meses depois do flagrante em
Americana, cinco trabalhadores foram libertados em obra da empresa Bauru, também no interior de São Paulo. No mesmo ano, uma fiscalização em Curitiba (PR) flagrou 11 empregados em condições análogas às de escravo. Em abril deste ano, a construtora foi denunciada mais uma vez por manter seis trabalhadores nessas condições em Contagem, zona metropolitana de Belo Horizonte (MG). No período, a empresa foi incluída por duas ocasiões na “lista suja” do trabalho escravo, mas conseguiu, através de liminar na Justiça, sua retirada.
Na decisão em que determinou o pagamento de R$ 6,7 milhões pela MRV
Engenharia, a juíza do trabalho Natália Scassiotta Neves Antoniassi
disse ser “frustrante saber que em pleno século XXI tramita pelo
Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional visando a
extinção do trabalho escravo – a PEC 438/2001”.
“Há 12 anos essa PEC sequer foi votada por nossos representantes das
casas legislativas, e o principal motivo são os empecilhos colocados
pela bancada ruralista, categoria que, segundo relatório da OIT sobre
trabalho escravo, é a que mais adota essa prática”, disse. A PEC prevê o
confisco de propriedades rurais e urbanas onde tenha sido flagrado
trabalho escravo contemporâneo e o seu destino à reforma agrária ou ao
uso social urbano.
Histórico - A
MRV foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo pela primeira vez
em 31 de julho de 2012 por conta dos flagrantes nas obras dos
condomínios Parque Borghesi, em Bauru, e Residencial Beach Park, em
Americana. Às 10h18 do dia 01 de agosto, as ações da MRV chegaram a cair
6,18% na Bolsa de Valores de São Paulo. Depois recuperaram-se um pouco e
fecharam em queda de 3,86%. Quando ela obteve decisão liminar favorável
e deixou a relação, suas ações recuperaram-se.
Em dezembro, a empresa foi novamente inserida nesse cadastro de
empregadores flagrados explorando pessoas em situação análoga a de
escravos, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O motivo foi
o flagrante na construção do edifício Cosmopolitan, em Curitiba (PR).
A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse
crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica.
Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco
do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do
Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso
ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito
rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho Monetário
Nacional. Quem é nela inserido também é submetido a restrições
comerciais e outros tipo de bloqueio de negócios por parte dos cerca de
400 signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo –
que representam 30% do PIB brasileiro.
O avanço no setor de construção de habitação popular garantiu o
crescimento e conquistas. A empresa terminou 2011 como a construtora com
maior lucro das Américas, segundo a Economatica, e alcançou o posto de
terceira maior construtora brasileira no ranking da ITC, ambas
consultorias empresariais que fazem levantamentos sobre o setor. De olho
em novos investimentos do governo federal em programas de moradia, o
presidente e fundador da MRV, Rubens Menin Teixeira de Souza, defendeu a
revisão de valores do programa Minha Casa Minha Vida. Rubens é um dos
seis brasileiros incluídos, em 2012, na lista de bilionários organizado
revista Forbes.
A ascensão da MRV, porém, tem sido marcada por percalços. Além dos
flagrantes de escravidão, a empresa enfrenta questionamentos também
relacionados ao que o Ministério Público do Trabalho classifica como
exploração irregular sistemática de mão de obra nos canteiros. No
primeiro semestre o MPT fez representação inédita acusando a empresa de
“dumping social” à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da
Justiça (SDE/MJ) solicitando abertura de um procedimento administrativo
para apuração do conjunto de infrações que envolvem a empresa no âmbito
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
*Turquinho
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