Jânio de Freitas: que o Brasil não se curve, como fazia antes
Jânio de Freitas: que o Brasil não se curve, como fazia antes
A força dos interesses
Jânio de Freitas
Na estreita margem de reação ao seu alcance, a mais (ou única)
eficaz resposta do governo brasileiro ao dos Estados Unidos é pôr em
suspenso a visita da presidente Dilma Rousseff a Barack Obama, marcada
para o próximo mês. E confirmá-la ou sustá-la a depender do que o
governo americano faça com a exigência de explicação escrita que lhe fez
ontem o governo brasileiro, sobre a violação das comunicações oficiais e
pessoais até da presidente brasileira.
Assuntos importantes podem haver, mas não assuntos graves para
negociações de Dilma e Obama. A visita foi prevista, portanto, sobretudo
como um gesto amistoso. Mas ser amistoso em retribuição a atos
inamistosos é, no mínimo, subserviência. O que não parece próprio de
Dilma Rousseff e, de uns poucos anos para cá, deixou de ser a atitude
brasileira com os Estados Unidos.
A interceptação das comunicações da Presidência não é só uma
transgressão das normais internacionais de convivências soberanas,
praticada pelo governo americano contra o brasileiro. São ações
inamistosas dos Estados Unidos. De duas ordens.
Uma, sub-reptícia, de violação de direitos e de sigilos
brasileiros protegidos pelo direito internacional e por tratados de que
os dois países são signatários. Outra, a depreciação da soberania
brasileira, se não for a negação mesma.
Neste segundo aspecto, a visão de um país sob condições
neocoloniais ficou explicitada outra vez, diretamente, ao ministro da
Justiça brasileiro, José Eduardo Cardozo, quando levou a Washington, na
semana passada, uma proposta de acordo para meios honestos e legais de
coleta americana de informações no Brasil (sem embaraços, desde que
autorizada judicialmente, como exige a Constituição do Brasil).
O governo americano recusou a proposta com um argumento dado como
definitivo e apresentado de modo que o ministro descreveu como
“peremptório”: os Estados Unidos agem com base na sua legislação interna
e consideram-se cumprindo uma missão internacional. As leis que regem a
conduta americana no Brasil, como na violação do sigilo das
comunicações presidenciais e quaisquer outras, são as leis americanas,
não a Constituição brasileira e seu corpo de leis. E pronto.
Com a sugestão a Washington, o Brasil cumpriu o papel de
diplomacia respeitável, mas, a rigor, mesmo o acordo seria inócuo: os
Estados Unidos não são confiáveis. Vale lembrar, a propósito, um
ensinamento, tão pouco aproveitado no jornalismo, dado por John Foster
Dulles, o mais proeminente secretário de Estado americano desde a
Segunda Guerra Mundial: “Os Estados Unidos não têm amigos, têm
interesses”.
E força. Da qual abusam segundo seus interesses. “Se o Congresso
aprovar, a ação dos EUA na Síria ocorrerá mesmo que o Conselho da
Segurança da ONU seja contrário” -é uma resolução destes dias. A
desproporção de forças militares reflete-se sobre os organismos
internacionais de regulação e julgamento, o que sinaliza, por
antecipação, as escassas perspectivas dos recursos a cortes
internacionais insinuados pelos ministros Cardozo e Luiz Alberto
Figueiredo, o estreante de Relações Exteriores.
A menos que se constitua um movimento de países com alguma dose
de representatividade, algo bastante problemático. E dependente, quem
sabe, dos arquivos e da disposição de Edward Snowden de divulgar
violações graves em outros países, como fez com seu coadjuvante Glenn
Greenwald nestas revelações sobre o furto americano de sigilos da
Presidência brasileira.
Se o Brasil não tem meios para dar a resposta à altura, será
muito pedagógico que ao menos se mantenha ereto –como se mostra até
aqui.
Por: Fernando Brito
*Saraiva
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