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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 19, 2014

    Além dos desafios diretos, usuários de crack têm de enfrentar falta de limites da mídia- "Mulher recrutada pelo programa Braços Abertos tem crise de choro e revolta após jornal publicar sua foto usando a droga na primeira página" _+_Exclusiva: Dona Zelite abre o verbo contra os rolezinhos


Orgulho: Vanda e seu companheiro Tim posam para foto. Antes do início da frente de trabalho eles se recusavam
Gisele Brito, RBA

Estampada na capa de um dos jornais de maior circulação do país fumando crack, Maria (nome fictício) passou a manhã de hoje (17) chorando enfurecida no hall do hotel em que está hospedada na rua Dino Bueno, na região conhecida como cracolândia, no centro de São Paulo.

Ela foi flagrada por um fotógrafo ontem, no primeiro dia da frente de trabalho, usando a droga ainda com parte do uniforme do programa Braços Abertos, da prefeitura.

O programa prevê hospedagem em hotéis conveniados da região, a oferta de três refeições gratuitas por dia e a contratação para serviço de varrição e zeladoria com carga de 4 horas diárias, mais duas de qualificação e salário de R$ 15 por dia de trabalho.

Segundo a prefeitura, o objetivo do projeto é retirar os usuários do vício, mas eles não estão obrigados a parar de imediato com o uso da droga.

Ao lado de uma amiga, também usuária, Maria lamenta a “invasão de privacidade”. “Nunca vi isso, tirar foto de uma pessoa e colocar assim na capa do jornal. Eu fiquei triste assim desse jeito, porque eu estou acreditando mesmo nesse projeto e isso pode atrapalhar para todo mundo. O pessoal já tá dizendo que vão me furar porque eu estou arrastando”, conta.

Na gíria, 'arrastar' tem o sentido de prejudicar. “Mas quando eu tiver condições vou processar quem fez a foto e arrancar muito dinheiro deles”, planeja.

Os usuários não gostam de tirar fotos. Os profissionais de TV, Internet e mídia impressa são o tempo todo orientados a não registrar rostos. O tom muitas vezes é ameaçador e alguns chegam a jogar pedras contra equipamentos. A razão, explicam, é preservar a família.

“Imagina quem tem mãe, pai, que às vezes nem sabe que você está nessa situação ou que sabe, mas não precisa ver você toda suja, usando pedra. E tem os que têm filho que não entende que isso é um vício”, explica Vandeilda Benedito da Silva, a Vanda, que depois de três dias de conversa com a RBA topou tirar uma foto ontem, orgulhosa por estar vestindo o uniforme da Frente de Trabalho. “Agora pode porque se minha mãe me vê vestida assim, com certeza vai ficar orgulhosa”, explicou.

A revolta de Maria foi acompanhada por profissionais de saúde, educadores da ONG Brasil Gigante e outros frequentadores da cracolândia.

“O que eles querem é fazer de tudo para acabar com o projeto, deixar vocês abandonados aqui. Não pode dar brecha”, aproveitava a deixa um dos educadores, que não quis se identificar.

“Vocês que estão no hotel têm que fazer uma assembleia e decidir o que acham certo e o que acham errado fazer aqui dentro, assim ninguém se prejudica”, sugeriu."

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