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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, janeiro 28, 2014

O quase milagroso fortalecimento da Celac e o sonho da "Pátria Grande"



Via Diario Liberdade
Atilio Borón
Contra todos os prognósticos, comunidade de países vai se consolidando como instituição "nuestroamericana".
 
Não é um milagre, mas quase. Contra todos os prognósticos, a Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) vai se consolidando como instituição "nuestroamericana" e está a ponto de celebrar em Havana sua segunda cúpula de presidentes. Dizemos "milagre" porque quem poderia ter imaginado, há apenas cinco anos, que o sonho bolivariano de Hugo Chávez – sonho fundando em um impecável diagnóstico da geopolítica mundial – de construir um organismo regional sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá, daria frutos?
Ele, Chávez, e aqueles que o acompanharam nessa empreitada patriótica, tiveram que vencer toda a classe de obstáculos: a resignação de alguns governos, a claudicação de outros, o ceticismo dos mais distantes e a sistemática oposição de Washington, dado menor na política de outros países. Eppur si muove, diria Galileu, ao contemplar a co-criação desse projeto bolivariano que pela primeira vez na história comum a todas as nações da América Latina e do Caribe com a única exceção – até o momento! – de Porto Rico. Sem dúvidas, o fortalecimiento da Celac – como o da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) no plano sul-americano – são muitos boas notícias para a causa da emancipação da Pátria Grande.
A Casa Branca tentou primeiro impedir o lançamento da Celac, em dezembro de 2011 em Caracas, com a presença de seu incansável promotor e mentor, já atacado por um câncer que lhe custaria a vida. Ao fracassar em sua tentativa, o império mobilizou seus aliados regionais para abortar – ou pelos menos, adiar para um futuro indefinido – a iniciativa. Tampouco funcionou. A próxima estratégia consistiu na utilização de alguns de seus incondicionais peões na região como cavalos de Tróia, para estragar o projeto desde dentro.
Não avançou muito, mas conseguiu que o primeiro governo que exerceu a presidência pro tempore da Celac, em 2012, o Chile de Sebastián Piñera, declarasse por meio da boca de Alfredo Moreno, seu chanceler, que "a Celac será um fórum não uma organização, que não terá sede, secretariado, burocracia nem nada disso". Um fórum! Quer dizer, um âmbito de amáveis e intranscendentes prática de governantes, diplomatas e especialistas que nem de longe colocariam em questão a dominação imperialista na América Latina e o Caribe.
E a Casa Branca também conseguiu, através do militante ativismo de seus principais amigos da Aliança do Pacífico: México, Colômbia e Chile, que todas as decisões da Celac deveriam ser adotadas por unanimidade. Parece que a "regra da maioria" – tão cara para a tradição política estadounidense – somente funciona quando lhes convêm; quando não, se impõe um critério que, de fato, dá poder de veto a qualquer dos 33 membros da organização. Mas essa é uma faca de dois gumes: Panamá e Honduras poderiam vetar uma resolução que exija colocar um fim ao status colonial de Porto Rico, mas Bolívia, Equador e Venezuela poderiam fazer o mesmo frente a outra que proponha requerir a colaboração do Comando do Sul dos EUA para combater o narcotráfico.
O segundo turno presidencial da Celac, em 2013, foi de Cuba, e o presidente Raúl Castro Ruz deu passos importantes para desbaratar as manobras do chanceler chileno: a institucionalização da Celac avançou e foi criado um embrião de uma organização que para essa próxima cúpula conseguiu elaborar 26 documentos de trabalho, algo que nenhum fórum faz. Algumas propostas, como a declaração da América Latina e o Caribe como uma "Zona de Paz" serão objeto de um debate surdo, porque não se trata só de evitar a presença de armas nucleares na região – como saber se elas não existem na base de Mount Pleasant, nas nossas Ilhas Malvinas? – mas também de utilizar o recurso da força para resolver conflitos internos.
Esse tema faz alusão subliminar à tradição intervencionista de Washington na América Latina e na presença de 77 bases militares na região, cujo propósito é exatamente esse: intervir, quando as condições lhes convenham, com sua força militar na política interna dos países da região complementando a aberta intervenção que Washington já realiza em todos eles.
Lembrem-se, para citar um exemplo bem didático, o papel decisivo da "embaixada" para determinar o ganhador da recente eleição presidencial em Honduras. O tema, como se pode ver, será um dos mais urticantes e divisórios porque há governos, e não são poucos, que não somente toleram a presença dessas bases militares norte-americanas mas que, como Colômbia, Peru e Panamá, as reivindicam.
Porto Rico
Outro tema potencialmente disruptivo é a aprovação da proposta venezuelana de integrar Porto Rico à Celac – que é absolutamente lógico levando em conta a história e o presente desse país, assim como sua cultura, sua língua e suas tradições – mas que provavelmente suscitará reservas entre os governos mais próximos a Washington, para quem Porto Rico é um inegociável espólio de guerra. Uma guerra cuja vitória foi apreendida dos patriotas cubanos e graças à apropriação de Cuba, Porto Rico e Filipinas, a Roma americana iniciaria a transição de república a império.
Se desconta, em troca, um apoio unânime para o pedido argentino com relação às Ilhas Malvinas, ao levantamento do bloqueio a Cuba e para outras propostas direcionadas a reforçar os vínculos comerciais, políticos e culturais. Se sabe que o Equador apresentará uma proposta de repúdio à espionagem realizada pelos EUA e de desenvolvimento de uma nova rede de comunicação na Internet a salvo da interdição de Washington; e é provável que se aprovem propostas concretas em relação ao combate à pobreza e que examinem alternativas para consolidar o Banco do Sul e, eventualmente, para criar uma grande empresa petroleira latino-americana, tema sobre o qual o presidente Chávez havia insistido uma e outra vez.
A transição geopolítica internacional em curso, e que se manifesta no deslocamento do centro de gravidade da economia mundial até a Ásia-Pacífico; a declinação do poderio global dos EUA; a irreparável queda do projeto europeu; a persistência da crise econômica iniciada no fim de 2007 e que parece somente se acentuar com o passar do tempo e a permanência de uma "ordem" econômica mundial que concentra riqueza, marginaliza nações e aprofunda a depredação do meio ambiente têm atuado como poderosos incentivos para remover a inicial desconfiança que muitos governos tinham em relação à Celac.
Costa Rica
O acordo fechado em Caracas em 2011 estabelecia que uma troika tomaria sucessivamente conta da presidência durante os primeiros três anos: começou com o Chile, depois Cuba (ratificando o repúdio continental ao bloqueio estadunidense e seu propósito de isolar a Revolução Cubana) e, ao fim dessa cúpula, a presidência será passada à Costa Rica. O país, incondicional aliado de Washington, deverá enfrentar decisivas eleições em 2 de fevereiro, quando pela primeira vez em décadas a hegemonia política da direita neocolonial costarriquenha estará ameaçada pela ascenção de um novo e surpreendente ator político: a Frente Ampla.
A atual presidenta, Laura Chinchilla, por muitos anos funcionária da USAID, garantia com o triunfo do oficialismo a "domesticação" da Celac e o retorno ao projeto cunhado por Sebastián Piñera e expressado com total descaro por seu chanceler. Mas todas as pesquisas dão por certo que haverá segundo turno e então, o discurso e as propostas bolivarianas do candidato da Frente Ampla, José M. Villata, poderiam catapultá-lo à presidência Costa Rica.
Com certeza, assim como aconteceu há poucos meses com as eleições presidenciais na vizinha Honduras, todo o aparato de inteligência, manipulação midiática e o financiamiento dos partidos amigos já foi colocado em ação por Washington, para quem uma derrota da direita neocolonial costarriquenha seria um revés de amplas repercussões regionais. Se isso acontecesse, a Celac poderia dar um novo passo em direção sua definitiva institucionalização, algo que a América Latina e o Caribe precisam impostergavelmente.
*GilsonsSampaio

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