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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, janeiro 06, 2014

A quem interessa “melar” a Copa? 


 

Por Caio Botelho*

Já se afirma que em 2014 duas coisas certamente irão acontecer: a Copa do Mundo de futebol e manifestações. Como uma vai influenciar a outra, se essas mobilizações serão maiores ou menores do que as do ano passado ou quais serão os seus resultados objetivos ainda são incógnitas que apenas o tempo e as movimentações que serão feitas irão responder.

Mas pelo menos de uma coisa podemos ter certeza: tal como em 2013, esses protestos estarão sob intensa disputa. Os setores conservadores mais uma vez tentarão dar o tom e direcionar as justas inquietações do nosso povo - em especial da juventude - para cumprir com seus objetivos. É uma disputa desigual: eles têm o controle da mídia e ainda contam com uma bela ajuda de correntes que se reivindicam de esquerda mas que, na prática, comportam-se como forças satélites da direita.

Uma das mais claras demonstrações de que a “disputa de rumos” já começou é pela palavra de ordem “não vai ter Copa!”, repercutida aos quatro cantos e que, se vacilar, corre um sério risco de se tornar o mote principal das jornadas que virão. Se alguém tem dúvidas sobre quem tem interesse nessa bandeira, basta dar uma olhada na edição do jornal “Folha de São Paulo” do dia 5 de janeiro: um dos principais artigos publicados tinha como título - adivinhem! - “Não vai ter Copa!”.

A Copa do Mundo é um evento privado, realizado pela Fifa que, por sua vez, está pouco se lixando para o povo brasileiro. É uma entidade corrupta que se movimenta a partir de lucros bilionários e, para ela, a Copa é apenas o mais rentável dos seus negócios.

Esse evento também possui suas contradições. Está claro que o modelo de Arenas tem encarecido assustadoramente o preço dos ingressos e afastado o povo desses espaços. Muitas obras de mobilidade urbana - a principal “herança” da Copa - estão atrasadas e em muitas cidades sequer serão realizadas, como em Salvador, onde seus quase três milhões de habitantes ainda não sabem o que é andar de metrô. Sem contar com inúmeras outras limitações que são bem conhecidas por todos nós.

Mas e aí? Considerando tudo isso parece que o mais correto a fazer é mesmo dar uma banana para a Fifa e melar esse evento. Seria uma bela demonstração de força do nosso povo. Certo?

Errado. Essa é uma visão simplista de um cenário que, por sua vez, é marcado pela complexidade. E ter a capacidade de compreender o contexto em que estamos inseridos e todos os interesses em jogo é fundamental para adotar um posicionamento justo. É preciso, como nos ensinou Lênin, “fazer a análise concreta da realidade concreta”.

Em primeiro lugar, o que deve decidir se devemos ou não apoiar uma causa não é a “beleza” de suas bandeiras, mas os interesses de fundo que ela representa. Uma greve de trabalhadores, por exemplo, parece ser uma coisa muito bacana e que deve impreterivelmente contar com o apoio dos setores que se identificam com as lutas populares, não é mesmo? Mas isso também valeria para aquela greve de caminhoneiros chilenos que, em 1973, ajudou a criar as condições para o fascista Augusto Pinochet dar um golpe em Salvador Allende e instaurar uma das mais sanguinárias ditaduras já conhecidas?

A greve pela greve, como a manifestação pela manifestação, não levará a lugar algum se seus resultados não produzirem avanços. Ou pior: levarão à retrocessos históricos.

Nesse sentido, vamos exercitar nossa imaginação e prever uma hipótese em que um verdadeiro caos se instala no Brasil, ao ponto da Copa ser cancelada ou ter sua organização seriamente prejudicada. O que emergeria desse cenário? Essa baita demonstração de força produziria avanços reais? Me parece que não.

Atualmente a presidenta Dilma Rousseff lidera todas as pesquisas de intenção de voto, com uma provável vitória em primeiro turno. Apenas um abalo sísmico de proporções catastróficas parece ter condições de mudar drasticamente esse cenário. Algo como um fracasso da Copa do Mundo, por exemplo. E uma derrota de Dilma não traria ao poder forças mais comprometidas com os interesses populares, muito pelo contrário.

Derrotar a Copa é de interesse do que há de mais conservador, reacionário e atrasado nesse país. É o objetivo da direita, que acalenta o sonho de ver seu candidato vencer as eleições presidenciais ou melhor (para eles): criar um clima que “justifique” uma intervenção, um golpe, tal como o que apeou João Goulart da presidência em 1964. Se há uma lição básica a quem quer construir lutas em defesa do povo é a de nunca subestimar a capacidade de fogo do inimigo. É preciso muita ingenuidade para acreditar que a direita brasileira possui qualquer compromisso com a democracia.

Isso não significa fechar os olhos para as contradições da Copa. Nesse cabo de guerra onde muitas vezes em lados opostos encontram-se interesses do povo versus interesses da Fifa, cabe à esquerda consequente fazer força ao lado do povo, construindo e participando de suas lutas e contribuindo para que elas resultem em avanços efetivos. Afinal, querer Hospitais e Escolas “padrão Fifa” é um direito dos brasileiros.

Mas é preciso, também, defender os pontos positivos desse evento e não cair no discurso fácil que a mídia tentará imprimir. Lutar contra as contradições e promover as críticas necessárias não se confunde com fazer coro ao campo conservador e ajudá-lo - conscientemente ou não - no seu intento de voltar ao poder.

Serão bilhões injetados em nossa economia e um mundo inteiro assistindo e conhecendo o nosso país. Realizar com sucesso a Copa é mostrar que o Brasil, ao contrário do que diz a turma do complexo de vira-lata, tem, sim, condições de realizar grandes eventos. É compreender também que não se faz luta com o povo se apartando das coisas que esse povo valoriza. E o futebol é parte inerente da identidade cultural dos brasileiros: está em nosso DNA.

O fato é que a disputa em 2014 será dura: tanto para a seleção dentro das quatro linhas quanto para os que nas ruas e avenidas lutam por um Brasil mais justo.

* Caio Botelho é diretor de Formação da União da Juventude Socialista (UJS) no estado da Bahia.

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