Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, janeiro 14, 2014

Professor comete suicídio no RN e diz em bilhete que foi uma forma de protesto por falta de pagamento

Morte física e morte subjetiva... Qual é a do professor?


Morte física e morte subjetiva... Qual é a do professor?
Por Walter Takemoto - Caros Amigos

"O professor Fernando Leonez se matou na sala de aula em que trabalhava, escrevendo no bilhete encontrado que o ato era em protesto contra a falta de pagamento por parte do governo"

O professor Fernando Leonez se matou na sala de aula em que trabalhava, escrevendo no bilhete encontrado que o ato era em protesto contra a falta de pagamento por parte do governo do estado do RN.
Esse pode ser o motivo, como pode ser também apenas a gota de água que provocou o transbordamento do copo, ou apenas mais um motivo que se somou a vários outros que levaram o professor a ultrapassar o limite do suportável para a sua condição humana.
E hoje o professor é matéria de jornal pela sua morte física dentro da escola.
No entanto, para além dessa morte trágica e violenta, existe outra morte com a qual convivemos cotidianamente nas escolas e que é representada pela morte subjetiva de muitos professores e alunos com os quais trabalhamos.
Descaso
São os professores que estão diante do descaso dos governantes para com a escola pública, das milhares de promessas que se repetem ano após ano sem serem cumpridas, dos salários que evaporam alguns dias após o pagamento e mal pagam as contas acumuladas, da jornada tripla ou quádrupla que os obriga a correr de um lado para o outro, entrar e sair de salas de aula, conviver com centenas de alunos sem nem mesmo conseguir reconhecer quais são de uma turma e quais são de outra e de ter a impressão de viver um filme em que a cena se repete eternamente.
E temos lá nas salas de aula os nossos alunos. Crianças, adolescentes e jovens que carregam as mesmas histórias de vida de grande parte dos professores. Chegam às escolas muitas vezes com o peso de ser a esperança de uma vida melhor para suas famílias. Quem sabe pelo menos um se salva da história de exclusão que marca os pais, os avós e todos os antepassados.
E nós, professores, dia após dia vamos vendo aos poucos alguns alunos e alunas deixando de comparecer as aulas. E outros que não aprendem nem mesmo a ler e a escrever. São incapazes? Deficientes? As famílias é que são culpadas?
Não importa. O que importa é que junto com as esperanças de nossos alunos e alunas que vão ficando pelo caminho, uma parte de nós também deixamos. E que parte é essa que perdemos?
Desejo

"E na mesma proporção em que os sonhos dos nossos alunos e alunas vão morrendo, dia após dia morre também o nosso sonho de fazer parte da transformação da realidade excludente das crianças"

É aquele desejo que trazíamos quando ingressamos no magistério de fazer a diferença na vida das crianças, de lhes mostrar o mundo do conhecimento que liberta e que abre as possibilidades todas de compreender e transformar a realidade.
E na mesma proporção em que os sonhos dos nossos alunos e alunas vão morrendo, dia após dia morre também o nosso sonho de fazer parte da transformação da realidade excludente das crianças, adolescentes e jovens que entraram em nossas vidas pelas portas das escolas.
E na solidão da sala de aula sentimos o peso da perda, nossa e dos nossos alunos. E a quem recorrer?
Quem é que nos formou para enfrentar a dura realidade das escolas da periferia das nossas cidades, e das milhares de crianças excluídas que só nas escolas podem encontrar o acesso ao conhecimento e a cultura que a sociedade lhes nega? E além de nós, educadores, quem mais se importa efetivamente com elas?
E quem é que olha para nós, professores e professoras, e reconhece em cada um o profissional que suporta a dura realidade de ser o depositário das esperanças e frustrações de crianças e seus familiares? E quem é que enxerga a dor que se esconde por trás de não ter individualmente condições de responder a toda essa responsabilidade?
Luta
Individualmente, pouco a pouco vamos nos rendendo e tendo que lidar com a dor do que o professor Wanderley Codo chamou de “bornout” ou a perda da paixão pelo magistério. E vamos adoecendo, e na mais dolorosa das doenças que é a subjetiva, que nenhuma pílula ou cirurgia resolve.
Se não queremos mais trilhar esse caminho sem fim, precisamos compreender que se a exclusão dos nossos alunos é produzida socialmente, a nossa também o é. Nós todos sabemos onde nasce à exclusão e a quem interessa que ela se perpetue, e o nosso silêncio ou omissão diante dos mecanismos sociais que a mantêm produz a perpetuação da roda de exclusão social da qual são vítimas os nossos alunos, é mais do que hora de enxergarmos que somos vítimas desse mesmo processo.

Estamos diante de um desafio posto à categoria profissional, mas que depende de cada um de nós darmos o primeiro passo para dizer que essa é uma luta que já deveria ter se iniciado. Faz muito tempo.
*mariadapenhaneles

Nenhum comentário:

Postar um comentário