Morte física e morte subjetiva... Qual é a do professor?
Por Walter Takemoto - Caros Amigos
"O professor Fernando Leonez se matou na sala de aula em que trabalhava, escrevendo no bilhete encontrado que o ato era em protesto contra a falta de pagamento por parte do governo" |
O
professor Fernando Leonez se matou na sala de aula em que trabalhava,
escrevendo no bilhete encontrado que o ato era em protesto contra a
falta de pagamento por parte do governo do estado do RN.
Esse
pode ser o motivo, como pode ser também apenas a gota de água que
provocou o transbordamento do copo, ou apenas mais um motivo que se
somou a vários outros que levaram o professor a ultrapassar o limite do
suportável para a sua condição humana.
E hoje o professor é matéria de jornal pela sua morte física dentro da escola.
No
entanto, para além dessa morte trágica e violenta, existe outra morte
com a qual convivemos cotidianamente nas escolas e que é representada
pela morte subjetiva de muitos professores e alunos com os quais
trabalhamos.
Descaso
São os
professores que estão diante do descaso dos governantes para com a
escola pública, das milhares de promessas que se repetem ano após ano
sem serem cumpridas, dos salários que evaporam alguns dias após o
pagamento e mal pagam as contas acumuladas, da jornada tripla ou
quádrupla que os obriga a correr de um lado para o outro, entrar e sair
de salas de aula, conviver com centenas de alunos sem nem mesmo
conseguir reconhecer quais são de uma turma e quais são de outra e de
ter a impressão de viver um filme em que a cena se repete eternamente.
E temos
lá nas salas de aula os nossos alunos. Crianças, adolescentes e jovens
que carregam as mesmas histórias de vida de grande parte dos
professores. Chegam às escolas muitas vezes com o peso de ser a
esperança de uma vida melhor para suas famílias. Quem sabe pelo menos um
se salva da história de exclusão que marca os pais, os avós e todos os
antepassados.
E nós,
professores, dia após dia vamos vendo aos poucos alguns alunos e alunas
deixando de comparecer as aulas. E outros que não aprendem nem mesmo a
ler e a escrever. São incapazes? Deficientes? As famílias é que são
culpadas?
Não
importa. O que importa é que junto com as esperanças de nossos alunos e
alunas que vão ficando pelo caminho, uma parte de nós também deixamos. E
que parte é essa que perdemos?
Desejo
"E na mesma proporção em que os sonhos dos nossos alunos e alunas vão morrendo, dia após dia morre também o nosso sonho de fazer parte da transformação da realidade excludente das crianças" |
É
aquele desejo que trazíamos quando ingressamos no magistério de fazer a
diferença na vida das crianças, de lhes mostrar o mundo do conhecimento
que liberta e que abre as possibilidades todas de compreender e
transformar a realidade.
E na
mesma proporção em que os sonhos dos nossos alunos e alunas vão
morrendo, dia após dia morre também o nosso sonho de fazer parte da
transformação da realidade excludente das crianças, adolescentes e
jovens que entraram em nossas vidas pelas portas das escolas.
E na solidão da sala de aula sentimos o peso da perda, nossa e dos nossos alunos. E a quem recorrer?
Quem é
que nos formou para enfrentar a dura realidade das escolas da periferia
das nossas cidades, e das milhares de crianças excluídas que só nas
escolas podem encontrar o acesso ao conhecimento e a cultura que a
sociedade lhes nega? E além de nós, educadores, quem mais se importa
efetivamente com elas?
E quem é
que olha para nós, professores e professoras, e reconhece em cada um o
profissional que suporta a dura realidade de ser o depositário das
esperanças e frustrações de crianças e seus familiares? E quem é que
enxerga a dor que se esconde por trás de não ter individualmente
condições de responder a toda essa responsabilidade?
Luta
Individualmente,
pouco a pouco vamos nos rendendo e tendo que lidar com a dor do que o
professor Wanderley Codo chamou de “bornout” ou a perda da paixão pelo
magistério. E vamos adoecendo, e na mais dolorosa das doenças que é a
subjetiva, que nenhuma pílula ou cirurgia resolve.
Se não
queremos mais trilhar esse caminho sem fim, precisamos compreender que
se a exclusão dos nossos alunos é produzida socialmente, a nossa também o
é. Nós todos sabemos onde nasce à exclusão e a quem interessa que ela
se perpetue, e o nosso silêncio ou omissão diante dos mecanismos sociais
que a mantêm produz a perpetuação da roda de exclusão social da qual
são vítimas os nossos alunos, é mais do que hora de enxergarmos que
somos vítimas desse mesmo processo.
Estamos
diante de um desafio posto à categoria profissional, mas que depende de
cada um de nós darmos o primeiro passo para dizer que essa é uma luta
que já deveria ter se iniciado. Faz muito tempo.
*mariadapenhaneles
Nenhum comentário:
Postar um comentário