Mello: STF ensaia “golpe branco” no Brasil
Autor: Fernando Brito
O colunista Ricardo Mello, da Folha, publica hoje um artigo corajoso,
onde aponta um “ensaio de golpe branco” pela Justiça brasileira, com o
Supremo Tribunal Federal à frente.
“A coisa chegou ao ponto de pura esculhambação”, diz Mello, ao descrever
o comportamento do presidente do STF, Joaquim Barbosa, no episódio
deprimente da decretação “apressada” da prisão do deputado João Paulo
Cunha e da saída do magistrado, mais apressada ainda, de férias, sem
assinar as ordens que lhe competiam para a detenção do parlamentar.
O (mau) exemplo do STF contagiou todas as esferas judiciárias e até as
não-judiciais, agora, se arrogam o direito de dizer o que mandatários
eleitos pelo povo (o que eles não são) devem ou não fazer em matéria de
leis e ações administrativas.
Um deformação que encontra em Joaquim Barbosa seu maior símbolo: segundo
Mello, ele “se acha” a própria Justiça: “ manda prender, soltar,
demitir, chafurdar, cassar, legislar -sabe-se lá onde isto vai parar, se
é que vai parar.”
O ENSAIO DE GOLPE BRANCO DO STF
Ricardo Mello
Sem ser nova na política, a expressão golpe branco tem sido
atualizada constantemente. Designa artifícios que, com aura de
legalidade, usurpam o poder de quem de fato deveria exercê-lo. Para
ficar apenas em acontecimentos recentes: a deposição do presidente
Zelaya, em Honduras (2009), e o impeachment do presidente Lugo, no
Paraguai (2011). Nos dois casos, invocaram-se “preceitos
constitucionais” para fulminar adversários.
O Brasil já teve momentos de golpe branco –a adoção do
parlamentarismo em 1961, por exemplo. A intenção era esvaziar
“constitucionalmente” João Goulart, enfiando um primeiro-ministro goela
abaixo do povo. O plano ruiu temporariamente com o plebiscito de 1962,
pró-presidencialismo. A partir de 1964, os escrúpulos foram mandados às
favas muito antes do AI-5. Os militares trocaram a caneta pelos fuzis e o
resto da história é (quase) sabido.
Hoje a situação não é igual, ainda bem. Mas é inegável que a
democracia brasileira vem sendo fustigada pela hipertrofia do papel do
Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Há quem chame isto
de judicialização da política. Ou quem sabe ensaio de golpe branco em
vários níveis da administração.
Tome-se o ocorrido em São Paulo. A Câmara Municipal, que mal ou
bem foi eleita, decidiu aumentar o IPTU. Sem entrar no mérito, o fato é
que a proposta contou com os votos inclusive do PMDB -partido ao qual
pertence o presidente da Fiesp, garoto propaganda da campanha contra o
reajuste. O que fizeram os derrotados? Mobilizaram os eleitores?
Nem pensar. Recorreram a um punhado de desembargadores para
derrubar a medida. Até o Tribunal de Contas do Município, que de
Judiciário não tem nada, surfou na onda para barrar… corredores de
ônibus! Tivesse o TCM a mesma agilidade para eliminar seus próprios
descalabros e sinecuras, quando não a si mesmo, a população ganharia
muito mais.
A decantada independência de poderes virou, de fato, sinônimo de
interferência do Poder Judiciário. Tudo soa mais grave quando a
expressão máxima deste, o Supremo Tribunal Federal, comporta-se como
biruta de aeroporto. Muda de ideia ao sabor de ventos (mais de alguns do
que de outros), e não do Direito. Ao mesmo tempo, deixa em plano
secundário assuntos eminentemente da competência judiciária –como o
quadro de calamidade nos presídios brasileiros.
Os casos do mensalão e assemelhados retratam os desequilíbrios. O
mais recente: enquanto o processo dos petistas foi direto ao Supremo, o
do cartel tucano, ao que tudo indica, será dividido entre instâncias
diferentes. Outro exemplo, entre outros tantos, é a descarada assimetria
de tratamento em relação a José Genoino e Roberto Jefferson.
A coisa chegou ao ponto de pura esculhambação. O presidente do
STF, Joaquim Barbosa, vetou recursos do ex-presidente da Câmara João
Paulo Cunha. Com a empáfia habitual, decretou a prisão imediata do réu,
mas não assinou a papelada. E daí? Lá se foi Barbosa de férias, exibindo
desprezo absoluto por trâmites pelos quais ele deveria ser o primeiro a
zelar. Resultado: o condenado, com prisão decretada, está solto. Mas se
era para ficar solto, por que decretar a prisão do modo que foi feito?
Já ações como a AP 477, que pede cadeia para o deputado Paulo Maluf,
dormitam desde 2011 nos escaninhos do tribunal.
A destemperança seria apenas folclore não implicasse riscos
institucionais presentes e futuros. Reconheça-se que muitas vezes vale
tampar o nariz diante deste Congresso, mas entre ele e nenhum parlamento
a segunda alternativa é infinitamente pior. Na vida cotidiana, as
pessoas costumam se referir a chefes e autoridades como aqueles que
“mandam prender e mandam soltar”.
No Brasil, se quiser prender alguém, o presidente da República
precisa antes providenciar um mandado judicial –sorte nossa! Barbosa
dispensa esta etapa: como ele “se acha” a Justiça, manda prender,
soltar, demitir, chafurdar, cassar, legislar -sabe-se lá onde isto vai
parar, se é que vai parar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário