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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, janeiro 22, 2014

STF na TV: publicidade, vedetismo e deslumbramento



Por Dalmo de Abreu Dallari - Observatório da Imprensa

A experiência que já se tem da transmissão ao vivo – ou, segundo a gíria dos meios de comunicação, da transmissão em tempo real – das sessões do Supremo Tribunal Federal deixa mais do que evidente que essa prática deve ser imediatamente eliminada, em benefício da prestação jurisdicional equilibrada, racional, sóbria, inspirada nos princípios jurídicos fundamentais e na busca da Justiça, sem a interferência nefasta de atrativos e desvios emocionais, ou de pressões de qualquer espécie, fatores que prejudicam ou anulam a independência, a serenidade e a imparcialidade do julgador.

A par disso, a suspensão da transmissão direta das sessões contribuirá para a preservação da autoridade do Supremo Tribunal Federal, livrando-o da louvação primária aos rompantes e destemperos emocionais e verbais de alguns ministros. A recreação proporcionada pela transmissão ao vivo das sessões do Supremo Tribunal equipara o acompanhamento das ações da Corte Suprema às manifestações de entusiasmo ou desagrado características das reações do grande público às exibições dos programas de televisão que buscam o envolvimento emocional dos telespectadores e a captação de consumidores para determinados produtos, recorrendo ao pitoresco ou à promoção de competições entre pessoas ou segmentos sociais sem maior preparo intelectual para a avaliação racional e crítica de disputas de qualquer natureza.

Como tem sido observado por estudiosos e conhecedores do Judiciário, o Brasil é o único país do mundo em que as sessões do Tribunal Superior são transmitidas ao vivo, proporcionando recreação aos que as assistem, pessoas que, na quase totalidade, não têm conhecimentos jurídicos e são incapazes de compreender e avaliar os argumentos dos julgadores e o real sentido das divergências que muitas vezes se manifestam durante o julgamento e que, em inúmeros casos, já descambaram para ofensas grosseiras e trocas de acusações absolutamente desrespeitosas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Diálogo áspero

A prática dessas transmissões teve início com a aprovação pelo Congresso Nacional da Lei nº 10.461, de 17 de maio de 2002, que introduziu um dispositivo na Lei n° 8.977, de 6 de janeiro de 1995, que dispõe sobre o serviço da TV a cabo. Foi, então, acrescentada uma inovação, que passou a ser o inciso “h” do artigo 23, estabelecendo que haverá “um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos Serviços essenciais à Justiça”.

A utilização desse veículo de comunicação ganhou enorme ênfase, com absoluto desvirtuamento da idéia de serviço, quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal o ministro Gilmar Mendes, que dirigiu a Suprema Corte de 2008 a 2010. Basta assinalar que no orçamento do STF para o ano de 2010 foram destinados 59 milhões de reais a “Comunicações Sociais”, quantia essa equivalente a 11% do orçamento total da Suprema Corte. Essa dotação superou em quase cinco vezes o orçamento anual do Tribunal Superior Eleitoral – e isso num ano eleitoral no Brasil, em que houve eleições de âmbito nacional.

Tem início, então, uma fase verdadeiramente degradante para a imagem da mais alta Corte do país, com o mais deslavado exibicionismo de alguns ministros e a transmissão, ao vivo de trocas de ofensas e de acusações grosseiras entre membros do Supremo Tribunal. Assim, em abril de 2010 ocorreu um diálogo extremamente áspero entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. No debate transmitido para todo o Brasil, este acusou Gilmar Mendes de ser um deslumbrado, um praticante do vedetismo, dizendo, textualmente: “Vossa Excelência está diariamente na mídia, dirigindo palavras ofensivas aos demais ministros e destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”.

Dois anos depois, coube ao ministro Joaquim Barbosa presidir o Supremo Tribunal Federal e o que se tem observado, desde então, é que o vedetismo e o deslumbramento pelo prestígio entre os telespectadores, descaminhos que antes ele condenara, continuaram a marcar o desempenho do ocupante da direção da Suprema Corte e a ser a tônica na utilização do canal de televisão reservado ao Supremo Tribunal.

Linguagem elevada

Por tudo isso é merecedor do mais veemente apoio o Projeto de Lei nº 7.004, de 2013, proposto pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). De acordo com esse projeto, o referido inciso “h” do artigo 23 da Lei nº 8.977 passará a ter a seguinte redação: “Um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos seus trabalhos, sem transmissão ao vivo e sem edição de imagens sonoras das suas sessões e dos demais Tribunais Superiores”.

O projeto poderia ser mais veemente, dispondo textualmente: “Vedada a transmissão ao vivo”, mas esse é um pormenor. O que é de fundamental importância é a eliminação das degradantes e desmoralizadoras transmissões ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal, restaurando-se na mais alta Corte brasileira uma atitude de sobriedade, de respeito recíproco entre seus integrantes, sem os desníveis estimulados pelo exibicionismo. E isso não trará o mínimo prejuízo para a prática da publicidade inerente ao Estado Democrático de Direito, que deverá ser ética, em linguagem elevada e respeitosa, transmitindo o essencial das decisões e dos argumentos dos ministros, inclusive das divergências, a fim de que prevaleçam os interesses da Justiça.

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Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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