Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 05, 2014

Como a Veja se tornou uma olavete


Os discípulos tomaram a Veja

Bandeira de Mello fez uma das melhores definições de 2013, pela brevidade e pela acurácia: Joaquim Barbosa é um homem mau.

Poderia estar na lápide de Barbosa: “Foi um homem mau”. Seria justo. Finalmente Joaquim Barbosa e a justiça se encontrariam, e juntos permaneceriam per omnia seculae seculorum.

Existem coisas na mídia para as quais a definição de Bandeira de Mello sobre JB se aplicam perfeitamente.

São muitas, aliás. Mas nenhuma marca se equipara hoje, em maldade, à revista Veja. Sua alma é má. Os defeitos são inumeráveis, e as virtudes simplesmente desapareceram.

Se alguém acredita no céu ou no inferno das revistas, a Veja vai rumar direto para os braços de Lúcifer. É uma revista canalha. Já que falamos de lápides, poderia estar escrito isso na da Veja: “Foi uma revista canalha”.

Nos dias de hoje, a canalhice se traduz em coisas como a caça impiedosa, assassina e abjeta a Dirceu.

No último almoço de final de ano da Abril em que Roberto Civita estava vivo, um grupo de editores da Veja ria e vibrava, com o sadismo do celerado, com a perspectiva de ver Dirceu preso.

Ninguém estava ali discutindo como esticar a vida de uma revista que vende cada vez menos e capta cada vez menos anúncios na Era Digital, por razões óbvias.

Não, os cérebros estavam concentrados em antecipar o sofrimento de Zé Dirceu, e se regozijar com isso como era comum com oficiais nazistas nos fornos dos campos de concentração: a alegria na miséria alheia.

Onde a Veja se perdeu?

Ela não foi sempre esse horror, essa escória. Trabalhei lá em boa parte dos anos 1980, e era uma revista admirada pelos brasileiros. Conservadora, mas digna como é, por exemplo, a Economist.

Você pode fazer jornal ou revista de direita sem descer à ignomínia abissal. Você pode ser de direita sem ser um predador.

Burke, o grande liberal inglês, é uma pequena mostra disso. Num de seus grandes ensaios, Burke reprova a Revolução Francesa pela cavalheiresca razão de que homem nenhum acudiu Maria Antonieta quando o povo revoltoso a insultou em Versalhes.

Mas a Veja enveredou pelo direitismo predador. Não é Burke que a governa em seu conservadorismo, como acontece com a Economist. É Olavo de Carvalho, o mistificador que se autoproclamou filósofo depois de ler os astros como astrólogo.

A Veja é hoje uma olavete.

A presença de Olavo de Carvalho é visível a 10 mil quilômetros. Basta ver as contratações feitas nos últimos meses. Dois discípulos entusiasmados de Olavo de Carvalho foram incorporados aos quadros da revista: Rodrigo Constantino, o ‘reaça-econômico’, e Felipe Moura Brasil, o ‘reaça-engraçado’.

Isso para não falar em Lobão, o ‘reaça-iconoclasta’, outra aquisição recente da revista que repete bobagens de Olavo de Carvalho como se estivesse citando Platão.

Olavo de Carvalho ocupou a Veja. Por que não contratá-lo diretamente, em vez de povoar a revista com seguidores pedestres?

Por covardia.

A revista não quer correr o risco de colocar Olavo de Carvalho em pessoa em suas páginas, por ser um nome universalmente abominado e desprezado fora de um pequeno círculo de extrema direita – aquele para o qual a Veja fala hoje.

A Veja 2013 é uma olavete.

Repito: é uma olavete. E da pior espécie: a olavete envergonhada e covarde.

Paulo Nogueira No DCM
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário