Quem criou Sarney?
Um leitor me envia um email engraçado, embora o assunto seja muito sério. Desde que Lula teve que se apoiar em Sarney, poderoso político nordestino, para construir a sua maioria no Senado, a Globo vem tentando detonar o velho cacique do Maranhão e sua família.
Sempre é bom lembrar, contudo, que Sarney construiu seu poder através do domínio dos meios de comunicação de seu estado, sobretudo a Rede Mirante, que desde 1991 tem o direito de retransmissão da Globo.
Uma Lei de Mídia, que a Globo trata como um atentado à democracia, teria o poder de tirar a TV das mãos da família Sarney e, portanto, injetaria democracia num dos estados mais sofridos do país.
Lula teve que se aliar a Sarney, porque precisava de uma base de apoio no Senado para aprovar os programas sociais de governo, além dos aumentos do salário mínimo e ampliação de verbas para educação e saúde. Já Roberto Marinho se associou a Sarney para manter sua hegemonia midiática sobre a política nacional. Pode-se dizer que os Sarney são uma espécie de sub-produto da Globo.
Ah, o email que recebi do leitor:
*
Veja só que belezura! E a Globo está detonando o Sarney para atingir a Dilma. Coisa feia…
“O senador José Sarney e Roberto Marinho foram amigos pessoais até o fim da vida do jornalista. Sarney era vice-presidente de Tancredo Neves e tinha a missão de concluir o processo de redemocratização do país, após a morte do político de São João del-Rei.
“Quando era presidente, Sarney visitava Roberto Marinho sempre que vinha ao Rio de Janeiro. As conversas giravam em torno da política maranhense, de apoio para a realização de eventos culturais, como exposições de arte, e assuntos pessoais. Sarney relembra: “A partir daí, foi se estabelecendo uma ligação mais estreita, mas sempre marcada, do meu lado, pela diferença de idade entre mim e o Dr. Roberto, o que dava um espaço muito grande, sempre com um tom reverencial em relação a ele.”
http://www.robertomarinho.com.
*Tijolaço
Um pequeno vídeo de Glauber é o melhor documento sobre a predação dos Sarneys no Maranhão
Gosto de uma passagem de Montaigne em que ele discorre sobre as virtudes da simplicidade ao falar.
Ele conta que, na
Grécia antiga, um candidato fez um discurso longo para uma multidão,
repleto de promessas e de truques retóricos.
Seu adversário disse apenas o seguinte: “O que ele prometeu eu vou fazer.”
A passagem cômica
de Montaigne me ocorreu diante de uma situação trágica: o discurso de
posse de Sarney quando ele estava assumindo o cargo de governador do
Maranhão pela primeira vez, em 1966.
A cena foi imortalizada pela figura improvável de Glauber Rocha, que tinha sido convidado para registrar a posse de Sarney.
São dez minutos de um vídeo que resume a história do Maranhão, objeto de meio século de predação pela dinastia que então se iniciava.
Enquanto Sarney promete mudar tudo no Maranhão, a câmara de Glauber capta o povo miserável, sofrido, espoliado.
São imagens que
transmitem uma imensa tristeza a quem as vê. Como a sociedade brasileira
pode tolerar tanta miséria, tanta desigualdade?
O que o poder
público federal fez pelos desvalidos maranhenses nestes anos todos?
Deixou-os entregues aos Sarneys, essencialmente. O que a mídia fez?
Nada. Rigorosamente nada.
A nobreza da mídia
está em dar voz em quem não a tem. A nossa dá a quem já a tem em
proporções colossais. No caso do Maranhão, a mídia deu voz sempre à
família Sarney, e jamais às vítimas dela.
Passados quase
cinquenta anos do documento de Glauber, a única mudança concreta no
Maranhão foi o enriquecimento brutal da família Sarney, e sua
onipresença nos nomes de aeroportos, escolas, hospitais, ruas e o que
mais deva ser batizado.
São tenebrosos os
índices de desenvolvimento social do Maranhão. Basta dizer que é a pior
expectativa de vida do Brasil, que já não é uma das maiores do mundo.
Lembremos Montaigne e a história dos candidatos gregos.
Alguém transformador poderia pegar hoje o discurso de Sarney em 1966 e dizer: “O que ele prometeu eu vou fazer.”
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