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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 11, 2014

Quem criou Sarney?



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Um leitor me envia um email engraçado, embora o assunto seja muito sério. Desde que Lula teve que se apoiar em Sarney, poderoso político nordestino, para construir a sua maioria no Senado, a Globo vem tentando detonar o velho cacique do Maranhão e sua família. 
Sempre é bom lembrar, contudo, que Sarney construiu seu poder através do domínio dos meios de comunicação de seu estado, sobretudo a Rede Mirante, que desde 1991 tem o direito de retransmissão da Globo.
Uma Lei de Mídia, que a Globo trata como um atentado à democracia, teria o poder de tirar a TV das mãos da família Sarney e, portanto, injetaria democracia num dos estados mais sofridos do país.
Lula teve que se aliar a Sarney, porque precisava de uma base de apoio no Senado para aprovar os programas sociais de governo, além dos aumentos do salário mínimo e ampliação de verbas para educação e saúde.  Já Roberto Marinho se associou a Sarney para manter sua hegemonia midiática sobre a política nacional. Pode-se dizer que os Sarney são uma espécie de sub-produto da Globo.
Ah, o email que recebi do leitor:
*
Veja só que belezura! E a Globo está detonando o Sarney para atingir a Dilma. Coisa feia…
“O senador José Sarney e Roberto Marinho foram amigos pessoais até o fim da vida do jornalista. Sarney era vice-presidente de Tancredo Neves e tinha a missão de concluir o processo de redemocratização do país, após a morte do político de São João del-Rei.
“Quando era presidente, Sarney visitava Roberto Marinho sempre que vinha ao Rio de Janeiro. As conversas giravam em torno da política maranhense, de apoio para a realização de eventos culturais, como exposições de arte, e assuntos pessoais. Sarney relembra: “A partir daí, foi se estabelecendo uma ligação mais estreita, mas sempre marcada, do meu lado, pela diferença de idade entre mim e o Dr. Roberto, o que dava um espaço muito grande, sempre com um tom reverencial em relação a ele.”
http://www.robertomarinho.com.br/vida/trajetoria/uma-trajetoria-liberal/jose-sarney.htm
*Tijolaço



    Um pequeno vídeo de Glauber é o melhor documento sobre a predação dos Sarneys no Maranhão


A posse, em 1966
A posse, em 1966
Gosto de uma passagem de Montaigne em que ele discorre sobre as virtudes da simplicidade ao falar.
Ele conta que, na Grécia antiga, um candidato fez um discurso longo para uma multidão, repleto de promessas e de truques retóricos.
Seu adversário disse apenas o seguinte: “O que ele prometeu eu vou fazer.”
A passagem cômica de Montaigne me ocorreu diante de uma situação trágica: o discurso de posse de Sarney quando ele estava assumindo o cargo de governador do Maranhão pela primeira vez, em 1966.
A cena foi imortalizada pela figura improvável de Glauber Rocha, que tinha sido convidado para registrar a posse de Sarney.
São dez minutos de um vídeo que resume a história do Maranhão, objeto de meio século de predação pela dinastia que então se iniciava.
Enquanto Sarney promete mudar tudo no Maranhão, a câmara de Glauber capta o povo miserável, sofrido, espoliado.
São imagens que transmitem uma imensa tristeza a quem as vê. Como a sociedade brasileira pode tolerar tanta miséria, tanta desigualdade?
O que o poder público federal fez pelos desvalidos maranhenses nestes anos todos? Deixou-os entregues aos Sarneys, essencialmente. O que a mídia fez? Nada. Rigorosamente nada.
A nobreza da mídia está em dar voz em quem não a tem. A nossa dá a quem já a tem em proporções colossais. No caso do Maranhão, a mídia deu voz sempre à família Sarney, e jamais às vítimas dela.
Passados quase cinquenta anos do documento de Glauber, a única mudança concreta no Maranhão foi o enriquecimento brutal da família Sarney, e sua onipresença nos nomes de aeroportos, escolas, hospitais, ruas e o que mais deva ser batizado.
São tenebrosos os índices de desenvolvimento social do Maranhão. Basta dizer que é a pior expectativa de vida do Brasil, que já não é uma das maiores do mundo.
Lembremos Montaigne e a história dos candidatos gregos.
Alguém transformador poderia pegar hoje o discurso de Sarney em 1966 e dizer: “O que ele prometeu eu vou fazer.”

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