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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 25, 2014

 Irlanda traz à tona a vergonha das lavanderias católicas

Para serem "purificadas", "as caídas" (mães solteiras e suas filhas,
 prostitutas, etc.)  eram submetidas ao trabalho análogo ao da escravidão
O governo da Irlanda trouxe à tona de novo o que os jornais do país chamam de “vergonha nacional”: as lavandeiras administradas por ordens de freiras católicas que exploravam o trabalho das “caídas” (mães solteiras e suas filhas, vítimas de abuso sexual, prostitutas e portadoras de deficiência física ou mental).  As mulheres trabalhavam duro sem nada ganhar, como se fossem escravas. Algumas sofriam abuso sexual de padres e outras  morreram em circunstâncias desconhecidas.

As roupas eram de empresas, órgãos públicos e Forças Armadas— um negócio altamente lucrativos para as freiras.

O governo divulgou um relatório com a informação de 1922 a 1996 mais de 10.000 jovens tidas como fardo pela família, escola ou Estado trabalhavam nas chamadas Lavandeiras Madalena. Para serem “purificadas”, elas ficavam trancadas de seis meses a um ano nesses locais lavando e passando roupas, além de trabalho de costura.

No relatório, o governo reconheceu que o Estado irlandês encaminhou para essas lavandeiras 2.124 mulheres, 26,5% do total. Também informou ter descoberto que cerca de 900 mulheres morreram nesses locais de trabalho forçado — a mais nova delas tinha 15 anos.

"Caídas" trabalhavam mais de 10 horas
por dia sem ganhar um tostão
O historiador Diarmaid Ferriter disse que as lavanderias faziam parte dos mecanismos que a sociedade, Estado e ordens religiosas usavam para tentar enquadrar as pessoas tidas como párias no modelo de pureza mítica cultural da identidade irlandesa.

A imprensa tem publicado o testemunho de algumas sobreviventes das lavandeiras. Uma delas, por exemplo, contou que sofre até hoje de depressão por causa dos maus-tratos. “Eu me sinto em pedaços”, disse. “Já tentei o suicídio várias vezes.”

Como representante do Estado irlandês, o primeiro ministro Enda Kenny pediu desculpas pelo sofrimento das mulheres internadas nas lavanderias Madalena, por endossar o estigma de “caídas” e por ter demorado para assumir parte da  responsabilidade pelas mazelas.

Para mulheres sobreviventes das lavanderias, só o pedido de desculpas não basta. Elas querem ser indenizadas.

O filme de 2001 The Magdalene Sisters ("Em Nome de Deus", na versão para o português) conta a história de quatro jovens que foram mandadas por seus familiares para uma dessas lavanderias ou, como eram chamadas, asilos católicos. As jovens são chamadas de  “irmãs Madalena”. Três delas eram mães solteiras e uma tinha sido estuprada.

O cineasta Peter Mullan se baseou em histórias reais para mostrar a rotina de castigos (alguns físicos) e de humilhações que as freiras imponham às “decaídas”.

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