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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, janeiro 07, 2014

Luis Nassif: “Os novos tempos da Justiça em 2014″




O que aconteceria com a democracia brasileira se, no embalo da campanha em torno do AP 470, o Supremo ganhasse o poder de intervir no Congresso na ação ousada liderada pelo mais desacreditado ministro da casa, Luiz Fux? O Brasil teria repetido os golpes de Estado praticados pela Suprema Corte em republiquetas latino-americanas?

Por Luis Nassif no GGN:

Com sua elegância costumeira, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) sintetizou de forma magistral duas características do momento jurídico brasileiro, com o vendaval midiático que cercou o julgamento da AP 470:

1. O julgamento da AP 470 foi um ponto fora da curva.

2. A Constituição de 1988 criou mecanismos que resistiram às maiores investidas contra a democracia (não me lembro da frase correta, mas o sentido foi esse).

No Palácio do Planalto nunca se considerou que o alarido criado pela mídia pudesse conter os germes de um golpe de Estado. Talvez Barroso não quisesse se referir àquele momento como uma ameaça à democracia.

Mas quem acompanhou a catarse do lado de fora não teve a mesma segurança.

No STF, o grupo dos cinco – Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Luiz Fux e Celso de Mello – manipulava conceitos jurídicos e mostrava a firme determinação de afrontar o Congresso.

A arrogância dos inescrupulosos e a tibieza dos assustados – dos quais a Ministra Rosa Weber tornou-se exemplo máximo -, o endosso político aos abusos, por parte de instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nacional e a Escola de Direito da FGV-Rio, entre outras, trouxeram uma insegurança jurídica poucas vezes vista em tempos democráticos.
Manipulada pelas empresas de mídia, levou-se a disputa política ao julgamento, conferindo uma expectativa de poder inédita aos ministros do STF. Não se sentiram mais na obrigação de seguir princípios do Código Penal, da Constituição e de outros instrumentos legais que limitam as decisões jurídicas para evitar o poder de arbítrio do julgador.

Beneficiados por uma maioria circunstancial na casa, sacaram da algibeira uma teoria pouco conhecida, a do “domínio do fato”, e adaptaram às circunstâncias de maneira tão irresponsável que acabou gerando protestos até do seu criador. Foi um período tenebroso.

As constantes provocações de Ministros do STF e do Procurador Geral da República Roberto Gurgel, criminalizando um partido inteiro, tinham a nítida intenção de estimular reações, de aumentar a fervura do caldeirão político, para ampliar a sensação da perda de controle. Ou vai se supor que não tivessem noção do impacto de suas declarações naquele clima vulcânico que se construiu?

A condenação dos “mensaleiros” tornou-se mero álibi. O que estava em jogo era a disputa pelo controle do Estado, que ficou nítida no final da primeira fase do julgamento.

O que aconteceria com a democracia brasileira se, no embalo da campanha em torno do AP 470, o Supremo ganhasse o poder de intervir no Congresso na ação ousada liderada pelo mais desacreditado ministro da casa, Luiz Fux? O Brasil teria repetido os golpes de Estado praticados pela Suprema Corte em republiquetas latino-americanas?

Nesse deserto de grandeza, ressalte-se a postura inesquecível do ministro Ricardo Lewandowski, enfrentando a malta, as baixarias pela mídia e presencialmente, sem ceder em suas convicções.

A trégua de final de ano

A curta trégua do final de 2012 permitiu que fosse recomposta a opinião do meio jurídico.

Quando o STF retomou o julgamento, no caso menor dos embargos infringentes, sem o barulho da mídia, consolidou-se uma nova percepção no fechado ambiente dos operadores de direito. As críticas contra os abusos do grupo dos cinco deixaram de ser sussurradas, tornaram-se mais explícitas.

Paradoxalmente, foi o momento juridicamente menos importante e politicamente mais revelador do julgamento. A votação dos embargos não teria nenhum impacto maior no tamanho das penas aplicadas aos “mensaleiros”. Mas a tentativa de tirar deles até esse recurso fez cair a máscara geral, da OAB nacional à Escola de Direito da FGV-Rio, chefiada por Joaquim Falcão.

A esperteza exasperante de Barbosa, Fux, Marco Aurélio e Gilmar, não se deu conta da mudança dos ventos quando montaram a jogada de adiar por uma semana o voto de Celso de Mello, para expô-lo a uma pressão pesada da mídia e das redes sociais. Marco Aurélio conseguiu protagonizar o momento mais indigno da história moderna do STF, ao publicar um artigo em O Globo, no dia do voto de Celso de Mello, pressionando o colega.

Não entenderam que havia passado o momento do espanto. Sempre à procura do seu momento histórico, caiu a ficha de Celso de Mello da irresponsabilidade de ter endossado o movimento de manada e se subordinado ao linchamento da mídia. E fechou o ciclo de abusos com um voto impecável.

A essa altura, a campanha abjeta contra Lewandowski havia despertado a consciência jurídica que parecia soterrada. Juristas conservadores – como Ives Gandra e Cláudio Lembo – saíram a campo, em nome da dignidade do direito, reagindo contra os abusos.

O novo tempo

E, aí, entra-se na maneira como as ferramentas e instituições criadas pela Constituição de 1988 permitiram diluir o golpismo.

A OAB nacional recuperou sua tradição legalista, com a eleição de uma chapa de oposição. A nomeação de Barroso e Teori Zavascki – e a aposentadoria do inacreditável Ayres Britto – conferiu nova dignidade ao STF, tirando Lewandowski de sua solidão.

A nomeação de um novo Procurador Geral da República trouxe uma postura nova ao Ministério Público, depois de um período vergonhoso em que o PGR e sua esposa definiam solitariamente o destino dos inquéritos envolvendo políticos. Associações de magistrados passaram a reagir aos abusos de Joaquim Barbosa e à submissão do Judiciário aos clamores da mídia.

Entra-se em 2014 com um novo tempo e um céu libertado dos cumulonimbus que ameaçavam com tempestades tropicais.

A conspiração dos históricos

Em breve, voltarão as sessões do Supremo.

Nos corredores, ministros se cruzarão, cumprimentando-se civilizadamente. Nas sessões, entrarão todos paramentados, mostrando gravidade nos gestos e no olhar. A TV Justiça ligará os refletores e, provavelmente, se verá um Gilmar Mendes ponderado, um Luiz Fux com o ar grave dos grandes atores, um Marco Aurélio que não passará o recibo de quem perdeu definitivamente o álibi de “outsider” para suas sentenças polêmicas.

Serão tratados, todos, como grandes senhores e senhoras, que chegam ao final de uma brilhante carreira jurídica deixando no STF a marca indelével de sua atuação.

Quando se aposentarem, merecerão sessões especiais e discursos lembrando (quase) toda sua carreira jurídica, os momentos de brilho etc.

Nos corredores históricos, porém, almas mais sensíveis, de ouvidos mais apurados para papos de ectoplasmas, poderão identificar uma conspiração em marcha, encabeçada por Aliomar Baleeiro, Evandro Lins e Silva, Adauto Lúcio Cardoso, entre outros.

Aguardarão na Sala da História, com a devida pompa, a visita futura de Moreira Alves, Sepúlveda Pertence, e, lá na frente, Lewandowski, Barroso e Zavascki. Aceitarão até Celso de Mello, não sem antes dar-lhe um puxão de orelha.

Mas que Gilmar, Marco Aurélio de Mello, Luiz Fux, além de Eros Grau e no inacreditável Ayres Britto, não ousem se aproximar. Dirão na lata:

- Nem vem que não tem, com a devida venia. Aqui só entram os que buscaram lugar na história. Vocês são meramente homens das circunstâncias do seu tempo.

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