Luis Nassif: “Os novos tempos da Justiça em 2014″
Por Blog Zé Dirceu - Equipe do Blog
O que aconteceria com a democracia brasileira se, no embalo da campanha
em torno do AP 470, o Supremo ganhasse o poder de intervir no Congresso
na ação ousada liderada pelo mais desacreditado ministro da casa, Luiz
Fux? O Brasil teria repetido os golpes de Estado praticados pela Suprema
Corte em republiquetas latino-americanas?
Por Luis Nassif no GGN:
Com sua elegância costumeira, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF
(Supremo Tribunal Federal) sintetizou de forma magistral duas
características do momento jurídico brasileiro, com o vendaval midiático
que cercou o julgamento da AP 470:
1. O julgamento da AP 470 foi um ponto fora da curva.
2. A Constituição de 1988 criou mecanismos que resistiram às maiores
investidas contra a democracia (não me lembro da frase correta, mas o
sentido foi esse).
No Palácio do Planalto nunca se considerou que o alarido criado pela
mídia pudesse conter os germes de um golpe de Estado. Talvez Barroso não
quisesse se referir àquele momento como uma ameaça à democracia.
Mas quem acompanhou a catarse do lado de fora não teve a mesma segurança.
No STF, o grupo dos cinco – Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ayres
Britto, Luiz Fux e Celso de Mello – manipulava conceitos jurídicos e
mostrava a firme determinação de afrontar o Congresso.
A arrogância dos inescrupulosos e a tibieza dos assustados – dos quais a
Ministra Rosa Weber tornou-se exemplo máximo -, o endosso político aos
abusos, por parte de instituições como a OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) nacional e a Escola de Direito da FGV-Rio, entre outras,
trouxeram uma insegurança jurídica poucas vezes vista em tempos
democráticos.
Manipulada pelas empresas de mídia, levou-se a disputa política ao
julgamento, conferindo uma expectativa de poder inédita aos ministros do
STF. Não se sentiram mais na obrigação de seguir princípios do Código
Penal, da Constituição e de outros instrumentos legais que limitam as
decisões jurídicas para evitar o poder de arbítrio do julgador.
Beneficiados por uma maioria circunstancial na casa, sacaram da
algibeira uma teoria pouco conhecida, a do “domínio do fato”, e
adaptaram às circunstâncias de maneira tão irresponsável que acabou
gerando protestos até do seu criador. Foi um período tenebroso.
As constantes provocações de Ministros do STF e do Procurador Geral da
República Roberto Gurgel, criminalizando um partido inteiro, tinham a
nítida intenção de estimular reações, de aumentar a fervura do caldeirão
político, para ampliar a sensação da perda de controle. Ou vai se supor
que não tivessem noção do impacto de suas declarações naquele clima
vulcânico que se construiu?
A condenação dos “mensaleiros” tornou-se mero álibi. O que estava em
jogo era a disputa pelo controle do Estado, que ficou nítida no final da
primeira fase do julgamento.
O que aconteceria com a democracia brasileira se, no embalo da campanha
em torno do AP 470, o Supremo ganhasse o poder de intervir no Congresso
na ação ousada liderada pelo mais desacreditado ministro da casa, Luiz
Fux? O Brasil teria repetido os golpes de Estado praticados pela Suprema
Corte em republiquetas latino-americanas?
Nesse deserto de grandeza, ressalte-se a postura inesquecível do
ministro Ricardo Lewandowski, enfrentando a malta, as baixarias pela
mídia e presencialmente, sem ceder em suas convicções.
A trégua de final de ano
A curta trégua do final de 2012 permitiu que fosse recomposta a opinião do meio jurídico.
Quando o STF retomou o julgamento, no caso menor dos embargos
infringentes, sem o barulho da mídia, consolidou-se uma nova percepção
no fechado ambiente dos operadores de direito. As críticas contra os
abusos do grupo dos cinco deixaram de ser sussurradas, tornaram-se mais
explícitas.
Paradoxalmente, foi o momento juridicamente menos importante e
politicamente mais revelador do julgamento. A votação dos embargos não
teria nenhum impacto maior no tamanho das penas aplicadas aos
“mensaleiros”. Mas a tentativa de tirar deles até esse recurso fez cair a
máscara geral, da OAB nacional à Escola de Direito da FGV-Rio, chefiada
por Joaquim Falcão.
A esperteza exasperante de Barbosa, Fux, Marco Aurélio e Gilmar, não se
deu conta da mudança dos ventos quando montaram a jogada de adiar por
uma semana o voto de Celso de Mello, para expô-lo a uma pressão pesada
da mídia e das redes sociais. Marco Aurélio conseguiu protagonizar o
momento mais indigno da história moderna do STF, ao publicar um artigo
em O Globo, no dia do voto de Celso de Mello, pressionando o colega.
Não entenderam que havia passado o momento do espanto. Sempre à procura
do seu momento histórico, caiu a ficha de Celso de Mello da
irresponsabilidade de ter endossado o movimento de manada e se
subordinado ao linchamento da mídia. E fechou o ciclo de abusos com um
voto impecável.
A essa altura, a campanha abjeta contra Lewandowski havia despertado a
consciência jurídica que parecia soterrada. Juristas conservadores –
como Ives Gandra e Cláudio Lembo – saíram a campo, em nome da dignidade
do direito, reagindo contra os abusos.
O novo tempo
E, aí, entra-se na maneira como as ferramentas e instituições criadas pela Constituição de 1988 permitiram diluir o golpismo.
A OAB nacional recuperou sua tradição legalista, com a eleição de uma
chapa de oposição. A nomeação de Barroso e Teori Zavascki – e a
aposentadoria do inacreditável Ayres Britto – conferiu nova dignidade ao
STF, tirando Lewandowski de sua solidão.
A nomeação de um novo Procurador Geral da República trouxe uma postura
nova ao Ministério Público, depois de um período vergonhoso em que o PGR
e sua esposa definiam solitariamente o destino dos inquéritos
envolvendo políticos. Associações de magistrados passaram a reagir aos
abusos de Joaquim Barbosa e à submissão do Judiciário aos clamores da
mídia.
Entra-se em 2014 com um novo tempo e um céu libertado dos cumulonimbus que ameaçavam com tempestades tropicais.
A conspiração dos históricos
Em breve, voltarão as sessões do Supremo.
Nos corredores, ministros se cruzarão, cumprimentando-se
civilizadamente. Nas sessões, entrarão todos paramentados, mostrando
gravidade nos gestos e no olhar. A TV Justiça ligará os refletores e,
provavelmente, se verá um Gilmar Mendes ponderado, um Luiz Fux com o ar
grave dos grandes atores, um Marco Aurélio que não passará o recibo de
quem perdeu definitivamente o álibi de “outsider” para suas sentenças
polêmicas.
Serão tratados, todos, como grandes senhores e senhoras, que chegam ao
final de uma brilhante carreira jurídica deixando no STF a marca
indelével de sua atuação.
Quando se aposentarem, merecerão sessões especiais e discursos lembrando
(quase) toda sua carreira jurídica, os momentos de brilho etc.
Nos corredores históricos, porém, almas mais sensíveis, de ouvidos mais
apurados para papos de ectoplasmas, poderão identificar uma conspiração
em marcha, encabeçada por Aliomar Baleeiro, Evandro Lins e Silva, Adauto
Lúcio Cardoso, entre outros.
Aguardarão na Sala da História, com a devida pompa, a visita futura de
Moreira Alves, Sepúlveda Pertence, e, lá na frente, Lewandowski, Barroso
e Zavascki. Aceitarão até Celso de Mello, não sem antes dar-lhe um
puxão de orelha.
Mas que Gilmar, Marco Aurélio de Mello, Luiz Fux, além de Eros Grau e no
inacreditável Ayres Britto, não ousem se aproximar. Dirão na lata:
- Nem vem que não tem, com a devida venia. Aqui só entram os que
buscaram lugar na história. Vocês são meramente homens das
circunstâncias do seu tempo.
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