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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 30, 2011

Luiza Erundina: Democracia Inacabada

Depois de mais de um ano que o Projeto de Lei 7.376/2010, que cria a Comissão Nacional da Verdade, está na Câmara dos Deputados, aguardando a instalação de Comissão Especial para apreciá-lo, a presidente Dilma Rousseff se mobiliza para apressar a votação do projeto, sem discussão no Congresso e, portanto, sem qualquer mudança na proposta original.
Orienta, inclusive, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia, para que a matéria seja votada em regime de urgência urgentíssima, o que contraria a expectativa dos familiares das vítimas da ditadura militar, que têm restrições ao texto e esperam ser ouvidos em audiências públicas para poderem oferecer sugestões de alteração do projeto.
Embora a iniciativa do então presidente Lula de enviar o projeto para o Congresso seja louvável, a proposta vem sofrendo muitas críticas, não só dos familiares das vítimas, mas também dos que lutam pelos direitos humanos no Brasil e que colocam a necessidade de se modificar vários pontos do texto, de modo a garantir, efetivamente, o direito à memória e à verdade histórica, bem como promover Justiça e, não apenas, "reconciliação nacional", conforme consta do art. 1º do referido projeto.
Assim, é absolutamente indispensável a revisão da Lei da Anistia, sem o que a Comissão da Verdade que vier a ser criada não poderá cumprir seus objetivos, pois não produzirá efeito jurídico prático, isso porque, de acordo com o projeto, deve atender aos dispositivos legais, inclusive a Lei da Anistia, Lei 6.683/79, editada ainda no período autoritário, e que teve como propósito permitir uma gradual e controlada abertura do regime político.
O projeto que deu origem a essa lei, de iniciativa do então presidente João Figueiredo, procurava, de um lado, excluir do alcance da anistia os opositores ao regime que, eventualmente, tivessem sido condenados por crimes de terrorismo, assalto, sequestro ou atentado a pessoas, e, de outro, assegurava que a anistia se estenderia àqueles que praticaram crimes conexos ao crime político, beneficiando, assim, os agentes do Estado que praticaram crimes comuns, todo tipo de tortura contra civis que se opuseram ao regime militar.
Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta pela OAB, a respeito da interpretação da Lei da Anistia face à Constituição de 1988 e ao Sistema Internacional de Direitos Humanos, e decidiu manter a atual interpretação da Lei 6.683 e impedir que os responsáveis por tortura contra opositores políticos sejam processados, julgados e punidos.
Ao dar parecer contrário à revisão da Lei da Anistia, o ministro relator do processo alegou que ela teria sido "amplamente negociada". É preciso lembrar, entretanto, as condições em que tal acordo se deu.
Os militares, embora fragilizados, ainda estavam com o controle do poder e a sociedade civil dava os primeiros passos na reconstrução da democracia no país.
Por entender a absoluta necessidade de revisão da Lei da Anistia para que se conheça toda a verdade sobre os crimes da ditadura militar e para que os responsáveis por eles sejam punidos, apresentei o Projeto de Lei 573/2011, que dá interpretação autêntica ao que dispõe a Lei 6.683/79, no artigo 1º § 1º.
Só assim será possível fazer justiça às vítimas do regime militar e comprovar o real compromisso do governo e do povo brasileiro com os direitos humanos.
Identificar e punir os responsáveis pelos crimes hediondos cometidos durante o regime militar em nome do Estado e fazer justiça às vítimas são condições para concluir-se a democratização do país, até hoje inacabada.

Com Portal CTB

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