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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, junho 27, 2011

A longa marcha contra Pentágono/OTAN

“Portanto, senhoras e senhores, apertem os cintos. China e Rússia se aproximarão cada dia mais, em termos geopolíticos, em toda a Eurásia – e nenhuma campanha de propaganda jornalística sobre “reset” das relações EUA-Rússia mudará isso”.
Pepe Escobar
Afinal, o que realmente resultou da reunião anual da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organisation (SCO)], semana passada, no Cazaquistão?
Comparada às expectativas ensandecidas, foi coisa bem prudente e moderada: mais um ‘mapa do caminho’, que mudança de jogo. Mesmo assim, China, Rússia e quatro ‘stãos’ da Ásia Central – Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão – foram bem além do cardápio previsível de cooperação em questões de segurança/economia.
Nursultan Nazarbayev, o “leopardo da neve” do Cazaquistão, anfitrião e presidente do encontro, disse detalhadamente que a Organização de Cooperação de Xangai continuará a combater o terrorismo e a ciber-narco-criminalidade, ao mesmo tempo em que tentará equacionar a delicada questão da distribuição da água na Ásia Central – capítulo chave das guerras globais pela água, que estão começando.
Mas disse também que a Organização de Cooperação de Xangai é favorável a uma nova moeda global. E tem mais. Assinou-se novo memorando, segundo o qual a Organização de Cooperação de Xangai iniciará consultas com Índia, Paquistão e Irã – que se candidataram a membros plenos da SCO.
Não significa que seja negócio fechado. O Irã é candidato a membro desde 2008. Ainda não foi aceito, porque está sob sanções impostas pelo ocidente via ONU.
O Paquistão, por outro lado, mal pode esperar para ser incluído. É o que se vê pelos efusivos elogios disparados pelo presidente Asif Ali Zardari. Uma SCO acolhedora com certeza ganha de uma Washington invasora serial e dependente terminal de aviões-robôs-drones.
Pequim, por sua vez, terá muito cuidado ao sopesar a admissão da Índia e do Paquistão. Segundo Wu Hongwei da Academia Chinesa de Ciências Sociais, “se se unirem à Organização de Cooperação de Xangai, há o risco de que levem para lá suas disputas não resolvidas.”
O Afeganistão candidatou-se ao status de observador. Provavelmente será aceito. E é quando o jogo fica mais emocionante.
Façam dinheiro, não façam guerra
Acompanhar as mídias chinesa e russa tem sido absolutamente fascinante. Para muitas mentes críticas em Moscou, incomodadas porque a Rússia parece não saber diversificar a economia, a Organização de Cooperação de Xangai é hoje fundamentalmente chinesa.
Faz sentido. Embora o comércio bilateral esteja bombando, o coletivo-liderança em Pequim vê Moscou como pouco mais que fornecedor-gigante de energia/commodities que alimenta o dragão. Moscou, por sua vez quer/precisa muito de investimentos da alta tecnologia chinesa em seu combalido setor industrial.
Rússia e China têm programa estratégico bilateral até 2018. Basicamente, envolve desenvolvimento/produção de petróleo, gás e minérios na Rússia – na Sibéria e no extremo oriente do país – e processamento na China.
O oleodutostão principal, o nome do jogo nessa região, é o imenso oleoduto Sibéria Oriental-Oceano Pacífico [ing. East Siberia-Pacific Ocean, ESPO. Mapa da região, emhttp://www.hydrocarbons-technology.com/projects/espopipeline/espopipeline2.html) – de Skovorodino, na Rússia, até Mohe, na China, mais dois gasodutos.
O que o Oleodutostão encobre é a questão extremamente sensível de quem será o cão alfa econômico na Ásia Central. Ninguém precisa ser a Moça do Tempo, para ver de que lado sopram esses ventos de estepe. Como conseguir equilibrar o jogo estratégico da Rússia na Ásia Central e a voracidade econômica da China?
Por exemplo: a Organização de Cooperação de Xangai quer criar um banco de desenvolvimento. Moscou quer ligá-lo ao Banco de Desenvolvimento Eurasiano – cujos maiores acionistas são a Rússia e o Cazaquistão. Pequim quer que seja instrumento absolutamente novo.
E num plano geoestratégico, a história é completamente diferente.
A mídia estatal em Pequim estava em êxtase, porque China e Rússia já trabalhavam para aprofundar sua parceria estratégica, logo no dia seguinte ao encontro da Organização de Colaboração de Xangai, em declaração conjunta de Hu Jintao presidente da China, e Dmitry Medvedev, da Rúsia.
Em vez dos bombardeios da OTAN, Rússia/China são pela “não interferência” e por “menos ação militar” na Coreia e, sobretudo, no Oriente Médio/Norte da África [ing. (Middle East/North Africa, MENA).
Em vez das intromissões de Washington em questões entre a China e países do sudeste da Ásia, Rússia/China são a favor dessas “parcerias estratégicas”, que veem como “fator chave para a paz e a estabilidade da região do Pacífico asiático”.
Em vez dos planos de Washington de instalar escudos antimísseis na Europa do leste, Rússia/China privilegiam “soluções políticas e diplomáticas”.
Em vez de demonizar o Irã, Rússia/China não se cansam de repetir que o Irã tem pleno direito de desenvolver seu programa nuclear para finalidades pacíficas.
E nem é preciso dizer que, além de opor-se ao bombardeio da OTAN contra a Líbia, Rússia/China são contra qualquer possível resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Síria.
Tampouco é preciso dizer que nada disso desce muito bem goela abaixo da Casa Branca e do Departamento de Estado, ao mesmo tempo em que a teoria da Dominação de Pleno Espectro [ing. Full Spectrum Dominance] do Pentágono vai-se pelo ralo. A cereja do bolo foi a segunda declaração de Hu e Medvedev: China e Rússia aprofundarão a cooperação militar.
Mais um buraco na cerca
E há também o “Rosebud” desse filme “Cidadão Eurásia” – que é o invencível labirinto das encruzilhadas afegãs. Washington está em total “surge” de operação-gigante de Relações Públicas, para tentar convencer a opinião pública mundial de que os EUA estão empenhados em “conversações” com os Talibã ‘porque’ a OTAN está(ria) vencendo a guerra.
O que virá agora? O Mulá Omar convidado para um Arroz à Cabul, em jantar de recepção a chefe de Estado na Casa Branca?
A realidade é um pouco mais complexa. O astuto Hamid Karzai, presidente do Afeganistão, lá estava, na reunião da Organização de Cooperação de Xangai, fazendo lobby a favor da candidatura de seu país ao status de observador. Karzai sabe que nenhuma solução realista para o Afeganistão virá de Washington. Ele tem de envolver na discussão a Organização de Cooperação de Xangai.
Nazarbayev, o “leopardo da neve” cazaque, entregou o jogo, ao dizer que “é possível que a Organização de Cooperação de Xangai venha a assumir responsabilidades em várias questões que envolvem o Afeganistão, depois da retirada dos soldados da coalizão em 2014”.
A primeira parte do comentário está perfeita. A segunda, não. Porque a hipótese de o Pentágono deixar o Afeganistão é simplesmente impensável... nos termos da Doutrina da Dominação de Pleno Espectro, do Pentágono.
Mesmo assim, pergunte a qualquer um, por todo o arco, do sul ao centro da Ásia: ninguém quer por lá bases militares permanentes dos EUA no Afeganistão. A opinião pública, sim, mas também os membros da Organização de Cooperação de Xangai, incluídos os observadores.
Jamais se lerá nem menção a isso em declarações da Organização de Cooperação de Xangai, é claro. Mas Pequim e Moscou estão convencidas de que, se se deixar caminho livre para os EUA no Hindu Kush, eles instalarão mísseis de defesa no Afeganistão, mirados, evidentemente, contra Rússia e China.
Portanto, senhoras e senhores, apertem os cintos. China e Rússia se aproximarão cada dia mais, em termos geopolíticos, em toda a Eurásia – e nenhuma campanha de propaganda jornalística sobre “reset” das relações EUA-Rússia mudará isso.
Essa é a mensagem “invisível” que a Organização de Cooperação de Xangai deixa para o futuro imediato: parafraseando Pink Floyd, não precisamos de intervenção, não precisamos de controle de ideias. Eis como Rússia/China planejam o primeiro passo da longa marcha para derrubar o muro Pentágono/OTAN.

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