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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 21, 2011

União gay: tem juiz e deputado precisando de carinho (imperdível)



Detesto fazer cobranças de apostas em público – até porque o jogo é (oficialmente) ilegal no Brasil – mas gostaria de pedir para separarem meu engradado de suco de manga. Havia dito que algum espertinho no Congresso Nacional, de alguma bancada ligada à religião, ia contestar, em menos de um mês, a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a união estável homoafetiva no último dia 5. E eis que João Campos (PSDG-GO) vai tentar no Parlamento derrubar a decisão dos ministros. Seu pedido foi apresentado em nome da Frente Parlamentar Evangélica.
Não me orgulho em ganhar as garrafinhas, pelo contrário. Preferiria pagá-las mil vezes a ter que ler notícias desse naipe. E olha que já tinha dobrado a dose de Omeprazol desde que, na última sexta, o juiz Jerônymo Pedro Villas Boas anulou uma união estável celebrado entre dois homens e proibiu registros desse tipo em qualquer cartório de Goiânia. O STF terá que, agora, se reunir de novo para fazer valer o entendimento na capital de Goiás.
A preguiça que tenho desse pessoal é de um tamanho que vocês não imaginam. Isso sem contar a ação abnegada dos auto-intitulados representantes das forças do universo aqui na Terra para travar a legislação que tornaria crime a homofobia. Querem ter o direito de continuar dizendo que “ser viado é coisa do diabo e, por isso, precisa ser extirpado a todo o custo”, como me explicou um ex-comentarista deste blog tempos atrás.
Ah, mas você é cientista político e não defende a separação de poderes e não critica quando a Justiça usurpa a função que deveria ser dos eleitos democraticamente para isso? Sim e não. O país tem uma Constituição que garante direitos iguais para todos, mas no vácuo da inação do Parlamento de efetivar esses direitos, a Suprema Corte, instada a partir de casos reais sobre dúvidas reais que não podem esperar, deve sim se manifestar. Se algum nobre político reclamar que isso soa como um atestado de incompetência do Congresso, ótimo. Pegue uma senha e entre na fila.
Um casal gay não pode ficar no limbo só porque alguém acredita que uma força sobrenatural não gosta de duas pessoas que se amem independentemente se têm pinto ou vagina. Tenho certeza que Deus – se existe – deve tomar Frontal nessas horas para aguentar os argumentos dessa turminha. De certa forma, ele está acostumamo, pois é uma forma de inquisição. Com os evangélicos tendo aprendido bem o modus operandi católico.
“E o meu direito à liberdade de expressão, de poder reclamar dos gays? Você não defende essa liberdade para os maconheiros que marcham?” Desculpe, mas se você está usando esse argumento, peço encarecidamente que procure outro blog. Vai. Mas vai mesmo e não olha para trás para não virar estátua de sal, ok? Não pela sua opinião, que por mais bizarra que seja é sempre bem-vinda neste amável circo, mas pela incapacidade de entender o que estamos discutindo aqui há anos. Que por nascerem seres humanos, todos compartilham do direito à dignidade, que deve ser garantida a todo o custo e acima de qualquer outra coisa. Obrigação do Estado que, lembremos, é (ou deveria ser) laico, possibilitando a liberdade de culto, mas protegendo as minorias do absolutismo bisonho dessas formas de inquisição contemporânea.
Tanto o nobre magistrado quanto o excelentíssimo deputado não lograrão êxito em suas buscas pelas trevas, pela desigualdade e a intolerância. Toda ação gera uma reação, já diria São Newton, então já era de se esperar e não irá abalar a decisão. Mas vale lembrar que eles não são casos únicos, mas representam uma parcela da sociedade que ficou com sangue nos olhos com a decisão do STF. Não digeriram ainda o que aconteceu e devem vomitar por um bom tempo tentativas de voltar atrás, alimentando o querido Festival de Besteiras que Assola o País, lembrando o saudoso Stanislaw Ponte Preta/Sérgio Porto.
Enquanto isso, o que fazemos? Simples, tratamos esse povo como a mesma complacência com a qual se trata uma criança que não entendeu ainda que não pode machucar o amiguinho só porque ele é diferente. Educando, com amor e carinho, um dia vão entender.

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