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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, junho 22, 2011

Quem não se comunica, se trumbica…

 

A frase do Velho Guerreiro deveria estar, hoje, iluminando o pensamento de muita gente no nosso Governo.
Porque Abelardo Barbosa, o Chacrinha, na sua simplicidade de homem do povo, sabia que a assertividade, na comunicação, é quase tudo. É preciso que, mesmo nas idas e vindas necessárias ao exercício da política, que o que a gente pensa, defende e deseja fique claro para todos: para a população, em geral, e para os que nos sustentam politicamente, quais são as nossas posições, ainda que aceitemos que elas, eventualmente, não possam prevalecer.
A direita fará, todo o tempo, o jogo da confusão. Porque a causa da direita é ruim, é desumana, é retrógrada é anti-pátria. E, por isso, precisa de infinitos subterfúgios.
Nós, ao contrário, deveríamos estar fazendo o da clareza, porque temos uma causa que é a antítese daquela que a direita só pode sustentar pela manipulação.
Mas estamos ajudando o adversário político real, a verdadeira oposição. Que não é o PSDB, não é o DEM, nem mesmo partes do PSD ou do PMDB.
A verdadeira oposição – porque a oposição política  como disse a D. Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais, “está profundamente fragilizada” -  é a mídia.
E  mídia brasileira é especialista em ser supérflua, quando isso interessa para promover ou desgastar aquilo ou aquele que lhe  interessa politicamente.
Ela é especialista em afagar, fazendo com que seus alvos se desarmem, para depois bater impiedosamente. É a mão dos versos de Augusto dos Anjos.
Desde o início do Governo Dilma, ela vinha  insistindo na tese da “gerente” como definidora da personalidade da Presidenta e que isso “marcaria sua diferença” para com o “político” Lula.
Essa “gerência” consistia, basicamente, em alguns traços.
“Falar pouco e fazer muito”, como se  o período anterior tivesse sido o inverso.
Na economia, “cuidar do perigo inflacionário”, como se o Governo anterior tivesse sido de um descalabro nesta matéria.
Na política, a característica da “gerentona” deveria ser a de “não dar bola” para a necessidade de composição política que um governante precisa necessariamente, num Congresso complicado e de baixo nível de definição ideológica como o que temos.
Ora, Dilma Rousseff é uma mulher formada numa longa e intensa luta política. Aceitar que isso fosse “esquecido” para ressaltar um perfil apenas técnico não é apenas falso, seria uma mutilação.
Mas essa era a receita e, sejamos honestos, parte do governo assumiu direitinho o discurso receitado pela mídia. Aliás, houve gente que achou que, fazendo assim, a mídia de tornaria “amiga” e dócil.
Mais que uma ingenuidade, um desvio potencialmente fatal que, por sorte, tem muito tempo e condições para ser corrigido.
Reparem o ponto de “virada” no comportamento da mídia.
Praticamente na mesma semana (foram nove dias de diferença), tivemos o início do caso Palocci e a votação do Código Florestal.
Em ambos, o campo progressista acabou se dividindo e assumindo uma postura vacilante. Não é o caso de se discutir se a demissão do ministro deveria ter acontecido mais cedo ou se ele deveria ser mantido. Ou se haveria alguma possibilidade de negociação na votação que não levasse à derrota que sofremos.
Mas, em uma e outra situação, o Governo  não foi claro e afirmativo. Ou melhor, demorou a sê-lo e permitiu, assim, que se construísse uma impressão de fraqueza política num governo que, seja na questão ética, seja na questão ambiental, não tem um átomo do que se envergonhar.
E a nossa mídia (muy amiga, e mui amistosamente tratada), percebeu que o mote é apresentar a presidenta como – agora, o contrário, reparem – como fraca e vacilante.
Ela é apresentada  como sendo contra o sigilo dos documentos secretos, depois como tendo passado a ser a favor, agora como sendo contra, novamente.
Ou como sendo a favor do regime diferenciado de contratação das obras da Copa, depois recuando e agora reafirmando seu apoio.
O Governo está deixando que falem pela Presidenta e, quando falam por ela, cada um diz uma coisa, e diz o que lhe convém.
Num regime presidencialista, quem fala pela Presidência é o Presidente; aqui, a Presidenta. Seus porta-vozes têm de ser poucos e para afirmações ou  já muito definidas ou absolutamente genéricas.
Agora, num governo progressista, não é apenas o “quem fala é o Presidente”, mas a quem fala. E este “a quem fala” é de importância crucial, tanto quanto aquilo que se fala.
E o que fala a Presidenta está desaparecendo do alcance do povo, porque os canais formais da grande mídia o minimizam, a comunicação direta inexiste e as pequenas estruturas de informação de que dispomos são subutilizadas e nem sequer esclarecidas das posições do Governo.
A Presidenta disse que não negociará com os desmatadores, que vai estimular a Petrobras, que não abre mão de investir na democratização das telecomunicações, que não haverá sigilo algum, nem de um, nem de mil anos, para documentos que tratem de violação de direitos humanos e…quem a ouviu?
Qual foi o principal momento de comunicação do Governo, o que o simboliza? O ótimo plano “Brasil sem Miséria”? Quem sabe dele? O desemprego em queda? A afirmação da Petrobras como grande alavanca de nosso desenvolvimento?
Infelizmente, o “grande momento” de comunicação foi, até agora, a malfadada entrevista do ministro Palocci no Jornal Nacional, que não deixou nada, senão a sensação de mal-estar e, de quebra, roubou a atenção do lançamento da primeira plataforma de petróleo quase toda construída no Brasil ( assunto do próximo post) e  da firmeza  com que a presidenta ali se expressou.
Falou com ênfase, com paixão, com simplicidade. Não precisou deixar de ser a técnica, a capaz, a administradora para ser, acima de tudo, alguém que acredita nos destinos do Brasil e na justiça para o povo brasileiro.
Os últimos dias mostraram que a Presidenta percebeu que, no jogo da política, é ela própria quem terá de conversar mais e já está fazendo isso. Mas, no jogo da mídia, ainda não está claro se já se percebeu que a protagonista da comunicação tem de ser ela, não a personagem que a mídia faz dela.
Quando Brizola escrevia seus longos “tijolaços”, muitos de nós o questionávamos sobre a eficácia daqueles textos que pouca gente tinha fôlego para encarar. Era o único espaço que tinha, naqueles tempos de comunicação restrita aos jornais e ás televisões. E ele o usava como podia, e explicava: “pode ser que não seja lido por muita gente, mas dá munição para o nosso pessoal debater. Porque se a gente não tem como encarar o debate, está frito”.
Hoje – e no Governo – as condições são incomparavelmente melhores do que naquele tempo. Mas continuamos precisando de munição.
*Tijolaço

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