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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 16, 2011

Tudo que é sólido se desmancha no ar

Eu ia usar a citação sic transit gloria mundi, mas me dei conta que o pessoal mais novo não é muito íntimo  do latim, e preferi como título a frase do Marx, aí de cima, para falar nesta história de que “os títulos brasileiros ficaram com nível de risco menor que os títulos americanos”.
Claro que é notícia, claro que é sintomático, mas claro também é que não quer dizer nada, do ponto de vista de análise econômica.
Tanto é assim que isso, que aconteceu ontem, já não acontece hoje.
O que acontece ontem, anteontem, hoje e amanhã é o esgotamento de uma ordem mundial -  findada no dólar americano – que vem desde a 2ª Guerra e aproxima-se do fim.
Na crise de 2008, as ferramentas desta ordem – o sistema bancário – trincaram, mas o pilar principal – a moeda americana e seu emissor, o Governo americano, com seus títulos, ampararam o sistema e evitaram sua ruína.
Agora, é esse pilar que dá sinais de ter chegado a seu limite de resistência e por mais que algumas estacas de madeira – representadas pela autorização de ampliar seu limite de endividamento – podem mante-lo em relativo equilíbrio, mas não reparar um dano que nem outro período de afluência – que não dá nenhum sinal de aparecer, aliás – parece ser capaz de anular, tamanho é o déficit já acumulado.
Ficar comemorando “nosso risco ser menor do que o deles” é não cuidar do principal: a geleira está se desfazendo e as economias em torno dela – a nossa, inclusive – vão ser atingidas por ela.
Claro que estar com um nível de risco baixo é bom para o Brasil e indica que nossa economia está muito longe do caos que os jornais, diariamente, apregoam.
Mas a bomba representada por uma crise de solidez no que é considerado o investimento mais sólido do mundo – os títulos do Tesouro americano – é de proporcões atõmicas. pouco vai adiantar termos nossa casinha bem e solidamente construída.
Vai nos afetar e a única forma de irmos, prudentemente, nos prevenindo disso é algo de depende daquela visão “simplória” como a que teve Lula, de voltarmos nossos olhos para o país “dentro do Brasil” e entendermos que, para termos um caminho, precisamos andar.  Isto quer dizer cuidar de nossa produção, de nosso consumo, de nossa renda e emprego, da riqueza que podemos fazer e fazer circular aqui dentro, embora o sistema de vasos comunicantes da economia exija que se coloquem alguns “registros” para que esse fluxo não se dê de maneira incontrolável.
Agora, em matéria de frases antigas, talvez o melhor seja lembrarmos daquela velhíssima, que recomenda por as barbas de molho quando as do vizinho começam a pegar fogo. Nós – tal como a China, que tem as suas longas tranças também, em boa parte, nestes títulos que de sólidos passaram a trôpegos – temos é de começar a pensar e agir para sairmos da frente, tanto quanto possível, de uma avalanche que, se não é provavelmente imediata, cada vez mais se desenha como inexorável.
*tijolaço

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