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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 24, 2012

Como preparar uma crise institucional


No dia 1o de setembro de 2008, os Ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto saíram da sede do STF (Supremo Tribunal Federal) atravessaram a Esplanada dos Ministérios e entraram no Palácio do Planalto para uma reunião com o presidente da República, Luiz Ignácio Lula da Silva.
Foi uma reunião tensa, a respeito da suposta conversa grampeada entre Gilmar e o senador Demóstenes Torres. Os três Ministros chegaram sem nenhuma prova concreta sobre a autoria ou mesmo a existência do tal grampo. Mas atribuíam-no irresponsavelmente à ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e exigiam de Lula providências concretas.
No auge da reunião, Gilmar blasonou: “Não queremos apenas apuração, mas punição”.
Bastaria Lula ter perdido a paciência e endurecido o jogo para criar uma crise institucional sem precedentes, entre o Supremo e o Executivo. Sua habilidade afastou o risco concreto de uma crise institucional, à custa do sacrifício do diretor-geral da ABIN, delegado Paulo Lacerda, afastado enquanto durassem as investigações.

Tanto no Palácio como na Polícia Federal e no Ministério Público Federal sabia-se que o grampo, se existiu, não havia partido da ABIN nem da Operação Satiagraha, já que nenhum dos dois – Demóstenes e Gilmar – eram alvo de investigação.
Foi aberto um inquérito na PF que concluiu pela não existência de qualquer indício, por mínimo que fosse, de que o grampo tivesse existido.
O país esteve à beira da mais grave crise institucional pós-redemocratização  devido a uma conspiração envolvendo Demóstenes Torres-Carlinhos Cachoeira, a revista Veja e, direta ou indiretamente, o Ministro Gilmar Mendes.
Pouco antes do episódio, o assessor da presidência, Gilberto Carvalho, foi procurado por repórteres da revista com a informação de que ele também havia sido grampeado. Descreviam diálogos que teria tido com interlocutores.
A intenção era criar um clima de terror, passar ao governo a impressão de que a ABIN e a Satiagraha haviam saído de controle e estavam espionando as próprias autoridades. E, com isso, obter a anulação da operação que ameaçava o banqueiro Daniel Dantas.
É bem possível que os tais diálogos de Gilberto tenham sido gravados pelo mesmo esquema Veja-Cachoeira que forjou um sem-número de dossiês, muitos deles obtidos de forma criminosa e destinados ou a vender revista, impor o medo nos adversários, ou a consolidar o império do crime do bicheiro.
Durante anos e anos foi um festival de assassinatos de reputação, de jogadas pseudo-moralistas visando beneficiar o parceiro Cachoeira.
A revista tentou se justificar, comparando essas jogadas ao instituto da “delação premiada” – pelo qual promotores propõem redução de pena a criminosos dispostos a colaborar com a Justiça. No caso de Cachoeira, suas denúncias serviam apenas para desalojar inimigos e reforçar seu poder e o poder da revista.
Esses episódios mostram o poder devastador do crime, quando associado a veículos de grande penetração.
É um episódio grave demais para ser varrido para baixo do tapete.
*BrasilMobilizado

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