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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 24, 2012

O CORAÇÃO DAS TREVAS FRANCÊS

Claude Hollande: que concessões ele fará para ganhar voto? 
Há um dado que salta aos olhos nas eleições da França: a força crescente da extrema direita xenófoba no país que foi o berço do Iluminismo e da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Marine Le Pen, candidata do Front National, teve 18% dos votos; o socialista François Hollande, 28,63%, e o presidente Nicolas Sarkozy, 27,17%. Em 2002, o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, com uma votação menor do que a filha (16,86%), desbancou o socialista Lionel Jospin, ficando apenas três pontos percentuais atrás do gaullista Jacques Chirac. 

No segundo turno, o temor da extrema direita deu uma vitória esmagadora a Chirac, que venceu com 82% - porcentagem maior do que a de Luís Bonaparte.


Marine Le Pen, candidata da extrema direita
Sarkozy foi o primeiro presidente da V República a receber menos votos do que um candidato da oposição no primeiro turno. Alguns analistas apressados dizem que ele é rejeitado pelos franceses por ser o primeiro estadista francês do pós-guerra a se assumir abertamente uma postura de direita, num país onde se dá de barato que a esquerda há décadas venceu o debate intelectual. Ora, isso está longe de ser verdade, como mostra a influência no debate eleitoral de temas caros aos herdeiros de Vichy – como a “islamização” da França e a “ameaça” representada pelos imigrantes.    

A França, na verdade, sempre foi uma nação ideologicamente fraturada. Depois das revoluções de 1789, 1830, 1848 e 1871, um episódio menor – a falsa acusação de traição contra um oficial judeu do Exército, Alfred Dreyfus, em 1894 –, teve o condão de mergulhar o país em outra luta política fratricida, que opôs antissemitas, clericais, militaristas e monarquistas a anticlericais, democratas, socialistas e radicais republicanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, repetiu-se a divisão, com grande parte da França apoiando o governo colaboracionista do marechal Pétain e uma minoria apoiando a resistência antinazista comandada pelo general Charles De Gaulle.

O general De Gaulle conclama os franceses à resistir ao nazismo...
Mas a grande mudança no imaginário francês aconteceu depois da guerra - deixo de lado as causas econômicas e sociais desse fenômeno. De Gaulle acreditava na grandeur francesa e, para livrar a cara de seus compatriotas, forjou o mito de que todos os franceses tinham sido da Resistência contra o regime de Vichy. Ele resgatou o orgulho nacional francês, mas, com isso a França deixou de viver a catarse dos pecados da extrema direita – a xenofobia e a violência – como a Alemanha. Resultado: na Argélia, o Exército colonial francês cometeu as maiores barbaridades como se fosse a coisa mais natural do mundo. A extrema-direita voltou a crescer na França a partir dos anos 1980. E até hoje, quando se toca o dedo na ferida do colaboracionismo, a França mergulha num profundo mal-estar civilizatório.
...mas muitos de seus compatriotas apoiaram Pétain 
Significativamente, os herdeiros de Hitler e Mussolini também cresceram na Áustria, mas não na Alemanha – país que foi militarmente arrasado e que teve que fazer mea culpa do nazismo. Por isso, a extrema direita e os neonazistas quase nunca tiveram representação do Bundenstag (Parlamento alemão) e as manifestações de violência xenófoba sempre foram abertamente repudiadas pela opinião pública.             
          
Resta saber que concessões Hollande fará para conquistar os corações e mentes do eleitorado de Marine Le Pen...




O modelo latinoamericano


O que melhor caracteriza o cenário mundial é a recessão no centro do capitalismo e a capacidade de manter níveis de expansão de suas economias, acompanhadas de distribuição de renda, no Sul do mundo. 
Claro que o crescimento de tres décadas seguidas da economia chinesa é alavanca essencial desse fenômeno. Mas ele é parte integrante do cenário, que revela a reiteração do modelo neoliberal no centro e modalidades de expansão com extensão dos mercados internos de consumo popular no Sul.

Antes do ciclo de crises atual, uma recessão no centro era devastadora para o sistema no seu conjunto, com efeitos ainda mais agudos na periferia, pela dependência da demanda, dos investimentos e dos créditos. Desta vez nossas sociedades sofrem os efeitos dessa retração, baixam seu ritmo de crescimento, mas não entram em recessão. Já existe uma certa multipolaridade econômica no mundo, de forma que o que sucede no centro não se transfere mecanicamente para a periferia.

A América Latina pode assim exibir ao mundo um outro modelo, que não apenas mantem ritmos de desenvolvimento econômico, mas o faz simultaneamente com a distribuição de renda. Tem portanto não apenas uma superioridade econômica, mas política, social e moral. Como uma de suas consequências, enquanto na Europa todos os governos que se submetem a processos eleitorais - de esquerda ou de direita – são derrotados, porque responsabilizados por politicas recessivas e devastadoras socialmente, os governos que colocam o modelo alternativo em prática na América Latina, tem sido eleitos, reeleitos e tem conseguido eleger seus sucessores.


Enquanto na Europa se produz um processo sistemático de empobrecimento da população, aqui tem diminuído sistematicamente a pobreza e a miséria. Os países europeus, que tinham recebido grande quantidade de trabalhadores imigrantes, veem agora uma parte destes retornar a seus países, enquanto nacionais passam a buscar trabalho em outros países e continentes.

A maior disputa política hoje no mundo se dá entre o modelo neoliberal mantido no centro do capitalismo e o modelo latinoamericano.


Postado por Emir Sader
*MilitânciaViva

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