Por que Buenos Aires enlouquece a mídia
POSTED IN: AMÉRICA LATINA, CAPA
Fracassarão
novamente os que preveem derrota da nacionalização do petróleo. Há nove
anos, a Argentina avança – exatamente por desprezar o neoliberalismo
Por Mark Weisbrot, no The Guardian | Tradução: Antonio Martins
A decisão do governo argentino, de
re-nacionalizar a YPF, antiga empresa estatal de petróleo e gás, foi
recebida na mídia internacional com brados de ultraje, ameaças,
presságios de tormenta e ruína e até xingamentos.
Já vimos este filme antes. Quando o
governo argentino entrou em moratória da dívida externa, no final de
2001, e desvalorizou sua moeda algumas semanas depois, choveram lamentos
e condenações na imprensa. A medida provocaria inflação descontrolada,
fecharia o crédito internacional à Argentina e provocaria ao final
escassez de divisas. A economia iria mergulhar numa espiral de recessão.
Nove anos depois, o PIB de Argentina
cresceu cerca de 90%, o índice mais alto no hemisfério. Os índices de
desemprego estão no patamar mais baixo de todos os tempos; tanto a
pobreza quando a “pobreza extrema” foram reduzidas em dois terços. Os
investimentos sociais, já corrigidos pela inflação, quase triplicaram.
Provavelmente por isso, Cristina Kirchner foi reeleita em outubro, numa
vitória arrassadora.
Esta história de sucesso raramente é
contada, em especial porque implicou reverter muitas das políticas
neoliberais fracassadas que – apoiadas por Washington e pelo FMI –
conduziram o país a sua pior recessão, entre 1998 e 2002. Agora, o
governo está revertendo outra política neoliberal dos anos 1990: a
privatização do setor de petróleo e gás, que jamais deveria ter
ocorrido.
Há razões de sobra para esta atitude, e é
muito provável que ela se demonstre, também neste caso, acertada. A
Repsol, companhia espanhola que controlava 57% da YPF argentina, deixou
de produzir o suficiente para abastecer uma economia em crescimento
acelerado. Entre 2004 e 2011, a extração de petróleo declinou quase 20%;
e a de gás, 13%. A YPF foi a principal responsável pelo recuo. E as
reservas comprovadas de petróleo e gás da companhia também caíram
substancialmente, nos últimos anos.
O declínio da produção não é um problema
relacionado apenas ao consumo das pessoas e empresas, mas, ao mesmo
tempo, um tema macroeconômico de grande importância.
O déficit de petróleo e gás levou a uma
rápida alta das importações. Em 2011, elas dobraram, em relação aos 9,4
bilhões de dólares do ano anterior, absorvendo boa parte do superávit
comercial argentino. Obter um resultado positivo é muito importante para
a Argentina desde a moratória de 2011. Como o governo tem pouco acesso
aos mercados financeiros internacionais, ele precisa acautelar-se e
acumular um volume importante de divisas, para evitar uma crise no
balanço de pagamentos. É por isso que não pode dar-se ao luxo de deixar
nas mãos do setor privado a produção e distribuição de energia.
Por que, então, o ultraje contra a decisão
de Buenos Aires de assumir – por meio de uma troca forçada – o controle
de uma empresa que, durante a maior parte de sua história, foi a
companhia nacional de petróleo? O México nacionalizou seu setor
petrolífero em 1938 e – como diversos países da OPEP – sequer permite
investimento estrangeiro na extração. A maior parte dos países
produtores – da Arábia Saudita à Noruega – tem estatais petrolíferas. A
privatização do óleo e do gás nos anos 1990 foi uma aberração de
neoliberalismo selvagem. Mesmo quando o Brasil privatizou empresas
estatais avaliadas em U$ 100 bilhões, nos anos 1990, o governo de então
manteve-se como acionista majoritário da Petrobrás.
O controle soberano sobre os recursos
energéticos tem sido uma parte importante da recuperação econômica da
América Latina, vista por muitos como sua “segunda independência”. A
Bolívia renacionalizou sua indústria de hidrocarbonetos em 2006, e
elevou a receita advinda de suas fontes energéticas de 10% do PIB para
20%. No governo de Rafael Correa, o Equador ampliou progressivamente o
controle sobre seu petróleo e sobre as empresas privadas que atuam no
setor.
A Argentina, portanto, está se alinhando
aos vizinhos e revertendo antigos erros no setor de energia. Já seus
detratores estão em posição frágil para atirar pedras. As agências de
avaliação de risco estão ameaçando rebaixar a Argentina. Seria o caso de
levá-las a sério, depois de elas terem atribuído notas AAA para as
hipotecas baseadas em créditos podres, durante a bolha imobiliária; e de
terem, mais tarde, fingido que o governo dos EUA poderia tornar-se
insolvente? Já as ameaças da União Europeia e do governo de direita da
Espanha partem de um continente que vive a segunda recessão em três anos
e está a meio caminho de uma década perdida, com índices de desemprego
que chegam a 24%, precisamente no estado espanhol.
É interessante notar que a Argentina
alcançou seu notável sucesso dos últimos nove anos embora recebesse
pouquíssimo investimento direto externo e de ter sido afastada, em
grande medida, dos mercados financeiros internacionais. Segundo a maior
parte dos jornais de negócios, estes são os dois agentes que qualquer
governo mais precisa agradar, se quiser ser bem-sucedido. Porém, Buenos
Aires tem outras prioridades. Talvez seja por isso que a Argentina
recebe tantas críticas…
–
* Mark Weisbrot é co-diretor of the Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), em Washington. Também é co-autor de Ao Sul da Fronteira, documentário de Oliver Stone. Em 28 de março, a Folha de S.Paulo, que reproduzia a cada duas semanas alguns de seus textos, interrompeu a publicação, sem oferecer motivos aos leitores.
* Mark Weisbrot é co-diretor of the Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), em Washington. Também é co-autor de Ao Sul da Fronteira, documentário de Oliver Stone. Em 28 de março, a Folha de S.Paulo, que reproduzia a cada duas semanas alguns de seus textos, interrompeu a publicação, sem oferecer motivos aos leitores.
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