Recuo no transporte
Editorial O Estado de S.Paulo
O prefeito Gilberto Kassab recuou e transferiu para seu sucessor a tarefa de reorganizar o transporte público na cidade de São Paulo, para acabar com a concorrência danosa que, por falta de fiscalização, voltou a se instalar entre viações de ônibus e cooperativas de perueiros, que disputam passageiros nos principais corredores. Essa reforma era considerada inadiável, tanto pelos especialistas em mobilidade urbana quanto pelos milhões de passageiros que sofrem com o trânsito congestionado, com os itinerários irracionais dos ônibus, com o despreparo dos motoristas e com a frota mal distribuída. As consequências disso são filas quilométricas nos pontos, veículos superlotados e viagens demoradas.
De acordo com norma publicada há dias, a licitação para seleção dos permissionários, marcada para este ano, foi adiada em consequência da prorrogação até 2013 dos contratos firmados com 6 mil perueiros. Com essa medida, Kassab agrada à categoria, que está sempre ameaçando parar a cidade, e também alguns vereadores que querem cortejá-la de olho nas eleições e, por essa razão, pretendiam apoiar sua “rebelião” contra as mudanças no sistema de transporte.
Com isso, o ordenamento do setor retrocede quase uma década, para o período em que a ex-prefeita Marta Suplicy iniciou a reforma do transporte público da capital, propondo a instalação de um sistema integrado, no qual as linhas estruturais, nos grandes corredores, passaram a ser atendidas pelas viações e as linhas locais, nos limites dos bairros, ficaram sob a responsabilidade das cooperativas de perueiros. A categoria, que antes atuava clandestinamente, teria, por força das regras da licitação, de oferecer serviços de qualidade e segurança aos passageiros transportados pelas ruas internas dos bairros ou desses pontos até os terminais de ônibus nos grandes corredores.
O projeto de reforma assegurava a distribuição racional da frota e sua renovação, a criação de vias exclusivas para a circulação dos veículos de transporte público, tecnologia de ponta para o controle preciso dos itinerários, velocidade e horários a serem cumpridos pelos ônibus e vans. E integrava, por meio do bilhete único, ônibus, vans, metrô e trens com tarifa mais justa.
Esse projeto começou a ser executado em meados do governo Marta Suplicy, que se limitou a construir parte dos primeiros corredores planejados e a implantar o cartão magnético – apenas a parte mais visível e eleitoralmente interessante do seu projeto. Seus sucessores não deram continuidade ao plano e a meta de instalar 325 quilômetros de corredores exclusivos de ônibus até 2008 foi completamente frustrada. Do R$ 1,2 bilhão previsto para investimentos entre 2005 e 2008 foram comprometidos apenas R$ 559 milhões, o equivalente a 44%. Com os R$ 715 milhões que deixaram de ser investidos poderiam ter sido construídos 70 quilômetros de corredores ou 27 terminais.
Além de manter congelada por anos seguidos a tarifa dos ônibus e não investir na infraestrutura do sistema, o prefeito Gilberto Kassab não conseguiu que fossem respeitadas normas estabelecidas em contrato com donos de viações e perueiros. Viu-se obrigado a destinar subsídios monumentais às viações e cooperativas – R$ 1,8 bilhão nos últimos dois anos -, a tolerar a redução da frota de veículos e a flexibilizar as regras de fiscalização e de controle da qualidade do serviço. Tudo para reduzir os custos operacionais dos concessionários e permissionários.
A fiscalização deficiente permitiu a volta da danosa concorrência entre ônibus e vans. Perueiros ganharam muito, investiram em veículos biarticulados e passaram a concorrer, nos grandes corredores, com os ônibus. Os 6 mil permissionários transportaram, em junho, 584 mil passageiros, enquanto nos 14 mil ônibus, no mesmo período, viajaram 839 mil pessoas.
A qualidade do serviço caiu tanto que veículos clandestinos voltaram às ruas para transportar os passageiros cansados de esperar nas filas e de se espremer nos veículos. Tudo isso tem reflexos negativos no já péssimo trânsito da cidade.
Kassab promete mutirão. E verba de serviço cai 42%
Apesar da promessa feita há 3 meses ao ‘Estado’ de investir em limpeza, poda e outras obras de zeladoria, investimento diminuiu no 2º trimestre
Rodrigo Burgarelli – O Estado de S.Paulo
Sem manutenção. Os problemas estão por toda a parte: fios entre galhos de árvore sem poda no Butantã, calçadas quebradas na Av. Sumaré e lixo na Duque de Caxias
Em abril, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) havia prometido aumentar investimentos em zeladoria e tornar São Paulo mais bonita. No entanto, a quantidade de recursos empenhados para atividades como poda de árvores, conservação de córregos e melhorias de calçadas diminuiu 42% nos últimos três meses em comparação com o primeiro trimestre. A maior queda foi em limpeza de bocas-de-lobo (60,9%) e varrição de rua (53,9%).
A promessa de investir mais na manutenção da cidade foi feita em entrevista publicada no Estado em 18 de abril. Na ocasião, o prefeito afirmou que estava retomando ações que ficaram paradas por restrições no Orçamento de 2009, ano de crise. No entanto, nos três meses que se seguiram à entrevista, o investimento em zeladoria foi de R$ 215,1 milhões, ante R$ 367,6 milhões no primeiro trimestre.
Além dos itens já mencionados, também tiveram menos atenção da Prefeitura serviços como conservação de galerias e canais (43,9% menos verba), conservação de áreas verdes (43,1%) – que inclui manutenção de parques e praças e poda de árvores -, manutenção de vias públicas (42,8%) e limpeza de córregos (41,1%), entre outros.
Para a diretora da Associação Viva Pacaembu, Asunción Blanco, agora não é a hora ideal para diminuir os investimentos nesses serviços. “O cuidado com a cidade tem de existir o ano inteiro. Agora, que é época de estiagem, deviam intensificar serviços que são difíceis de serem executados no verão, como a poda de árvores e a limpeza de bueiros, que poderiam evitar enchentes no futuro”, diz.
Reflexo. Segundo o secretário municipal de Planejamento, Rubens Chammas, a promessa não deixou de ser cumprida. “As ações de zeladoria estão em curso num patamar forte, mas o reflexo no Orçamento vai ser dado até dezembro”, diz. Ele sugere analisar os números do semestre como um todo, e não cada trimestre separadamente – ou mesmo em relação ao mesmo período de 2009, já que o método de execução orçamentária da Prefeitura mudou neste ano. No cálculo sugerido por Chammas, já foram empenhados R$ 582,7 milhões – cerca de 75% do total reservado para zeladoria em 2009, por causa do alto investimento no primeiro trimestre.
Já Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, acha que a análise trimestral é válida para analisar a evolução dos gastos públicos ao longo do ano. “O Orçamento não tem execução linear, mas é bom acompanhar a autorização de verbas para ter noção do que está sendo priorizado agora”, afirma.
Promessa. Apesar de ter diminuído o ritmo de investimentos em zeladoria no segundo trimestre, o secretário renovou a promessa de Kassab. “Os números do próximo trimestre serão quase 40% maior do que os do segundo”, diz. O dinheiro viria do aumento na arrecadação – já entraram no caixa da Prefeitura neste ano R$ 2 bilhões a mais do que no mesmo período de 2009, por causa da recuperação econômica e do aumento no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
doluisfavre
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