Ateus americanos defendem nas ruas direito de serem respeitados
Título original: Ateísmo, um caso de polícia
Um dos fenômenos mais curiosos envolvendo religião aqui nos EUA, algo que se observa no mesmo grau no Brasil, é o preconceito que grande porcentagem da população religiosa nutre contra os ateus. Pesquisas de opinião indicam que 55% dos eleitores cristãos não votariam em alguém de seu partido que não acreditasse em Deus. Mais da metade dos americanos também não gostaria que seus filhos se casassem com pessoas atéias.
Supor que quem não crê em Deus carece de moralidade não é uma invenção nova, mas a polarização ideológica do país parece estar exacerbando isso. O ateísmo militante, uma prática que também é menos comum no Brasil, parece ser a reação de um grupo de pessoas que vêm se sentindo acuadas. Quem não professa nenhuma fé religiosa acaba tendo que ir para a rua e fazer campanha para ser respeitado.
Em março, ateus e agnósticos fizeram manifestação em Washington |
Na tentativa de entender a raiz desse preconceito na América do Norte, uma dupla de psicólogos fez um curioso experimento em Vancouver, no Canadá. (OK. O Canadá não é os EUA, mas o país possui uma pequena amostragem da cultura conservadora que os cientistas estavam estudando.)
Ara Norenzayan e Will Gervais, da Universidade da Columbia Britânica, supõem que o preconceito contra os ateus surge da crença de que quem não teme a punição divina tende a agir de maneira egoísta e inconsequente. “Há muito tempo os ateus são alvo de desconfiança, em parte porque eles não acreditam que um Deus vigilante e julgador monitora seu comportamento”, dizem os pesquisadores.
O experimento dos cientistas consistiu em dividir um grupo de pessoas que se declaravam cristãs em dois e exibir diferentes vídeos para cada um deles, antes de submetê-los a um questionário. Um dos grupos assistiu a um filme genérico sobre turismo em Vancouver, e o outro assistiu a um vídeo do chefe de polícia da cidade relatando a eficiência da corporação.
Esse segundo vídeo, segundo os psicólogos, servia como uma mensagem subliminar para lembrar às pessoas de que a vigilância da autoridade policial também ajuda a fazer com que as pessoas andem na linha. Em outras palavras, o filme reforçava a idéia de que os ateus não temem a punição de Deus, mas devem temer a punição do Estado contra atitudes que prejudiquem outras pessoas.
Após a exibição dos filmes, os voluntários respondiam a um questionário para dizer o quanto desconfiavam do comportamento de diversos grupos minoritários, incluindo ateus, gays, judeus e muçulmanos. O resultado foi o esperado pelos psicólogos: aqueles que tinham assistido ao vídeo do chefe de polícia eram menos inclinados a declarar a falta de confiança nos ateus.
“Lembretes sobre a autoridade secular podem, então, reduzir a desconfiança dos teístas contra os ateus”, escreveram os psicólogos. “Tanto os governos quanto os deuses podem encorajar o comportamento pró-social.”
Um dado curioso do estudo de Norenzayan e Gervais é que o preconceito contras judeus, muçulmanos e, sobretudo, contra os gays, não se atenuava após os vídeos. Isso reforça a interpretação dos autores sobre os resultados, pois a orientação sexual das pessoas não está sob controle do Estado.
Achei o estudo interessante, mas não sei o quanto pode ser útil para combater esse preconceito nos Estados Unidos. Como ateu, acho incômodo pensar que uma pessoa só depositaria sua confiança em mim se eu estiver sob vigilância da polícia. Sei que não são todos os religiosos que pensam dessa maneira estúpida, mas é triste pensar que muitos ainda têm essa mentalidade retrógrada.
Pessoalmente, tenho impressão de que o fanatismo religioso ignora um mecanismo psicológico muito mais fundamental. Quando fazemos mal a alguém, há algo que faz com que nos sintamos mal.
Nós, ateus, sentimos culpa, remorso, tanto quanto qualquer outra pessoa deveria sentir. E deixar alguém feliz faz com que nos sintamos bem. Será que o preconceito contra o ateísmo diminuiria se os teístas fossem lembrados disso?
Ateus americanos reivindicam maior espaço na vida pública.
março de 2012
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*PauloLopes
*NINA
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