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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, abril 20, 2012

'Peluso manipulou resultados de julgamentos'

BARBOSA: "Pessoas racistas insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é?" Entrevista completa ao jornal O Globo


ENTREVISTA

 Dois dias depois de ser chamado de inseguro e dono de "temperamento difícil" pelo ministro Cezar Peluso, o ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa respondeu em tom duro. Em entrevista ao GLOBO, Barbosa chamou o agora ex-presidente do STF de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativo", "desleal", "tirano" e "pequeno". Acusou Peluso de manipular resultados de julgamentos de acordo com seus interesses, e de praticar "supreme bullying" contra ele por conta dos problemas de saúde que o levaram a se afastar para tratamento. Barbosa é relator do mensalão e assumirá em sete meses a presidência do STF, sucedendo a Ayres Britto, empossado ontem. Para Barbosa, Peluso não deixa legado ao STF: "As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade."
JOAQUIM BARBOSA: Para mim, assumir a presidência do STF é uma obrigação. Tenho feito o possível e o impossível para me recuperar consistentemente e chegar bem em dezembro para assumir a presidência da Corte. Mas, para ser sincero, devo dizer que os obstáculos que tive até agora na busca desse objetivo, lamentavelmente, foram quase todos criados pelo senhor... Cezar Peluso. Foi ele quem, em 2010, quando me afastei por dois meses para tratamento intensivo em São Paulo, questionou a minha licença médica e, veja que ridículo, aventou a possibilidade de eu ser aposentado compulsoriamente. Foi ele quem, no segundo semestre do ano passado, após eu me submeter a uma cirurgia dificílima (de quadril), que me deixou vários meses sem poder andar, ignorava o fato e insistia em colocar processos meus na pauta de julgamento para forçar a minha ida ao plenário, pouco importando se a minha condição o permitia ou não.
BARBOSA: Um dia eu peguei os laudos descritivos dos meus problemas de saúde, assinados pelos médicos que então me assistiam, Dr. Lin Tse e Dr. Roberto Dantas, ambos de São Paulo, e os entreguei ao Peluso, abrindo mão assim do direito que tenho à confidencialidade no que diz respeito à questão de saúde. Desde então, aquilo que eu qualifiquei jocosamente com os meus assessores como "supreme bullying" vinha cessando. As fofocas sobre a minha condição de saúde desapareceram dos jornais.
BARBOSA: Eis que no penúltimo dia da sua desastrosa presidência, o senhor Peluso, numa demonstração de "désinvolture" brega, caipira, volta a expor a jornalistas detalhes constrangedores do meu problema de saúde, ainda por cima envolvendo o nome de médico de largo reconhecimento no campo da neurocirurgia que, infelizmente, não faz parte da equipe de médicos que me assistem. Meu Deus! Isto lá é postura de um presidente do Supremo Tribunal Federal?
BARBOSA: Peluso está equivocado. Ele não apaziguou o tribunal. Ao contrário, ele incendiou o Judiciário inteiro com a sua obsessão corporativista.
BARBOSA: Nenhum legado positivo. As pessoas guardarão na lembrança a imagem de um presidente do STF conservador, imperial, tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade. Dou exemplos: Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento. Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável (o ministro se refere ao julgamento que livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e garantiu a volta dele ao Senado, no qual o duplo voto de Peluso, garantido no Regimento Interno do STF, foi decisivo. Joaquim discorda desse instrumento); cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, "invadir" a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões...
Quando o senhor assumir a presidência, pretende conduzir o tribunal de que forma? O senhor acha que terá problemas para lidar com a magistratura e com advogados?
BARBOSA: Nenhum problema. Tratarei todos com urbanidade, com equidade, sem preferências para A, B ou C.
O ministro Peluso também chamou o senhor de inseguro, e disse que, por conta disso, se ofenderia com qualquer coisa. Afirmou, inclusive, que o senhor tem reações violentas. O senhor concorda com essa avaliação?
BARBOSA: Ao dizer que sou inseguro, o ministro Peluso se esqueceu de notar algo muito importante. Pertencemos a mundos diferentes. O que às vezes ele pensa ser insegurança minha, na verdade é simplesmente ausência ou inapetência para conversar, por falta de assunto. Basta comparar nossos currículos, percursos de vida pessoal e profissional. Eu aposto o seguinte: Peluso nunca curtiu nem ouviu falar de The Ink Spots (grupo norte-americano de rock e blues da década de 1930/40)! Isso aí já diz tudo do mundo que existe a nos separar...
BARBOSA: Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros. Você já percebeu que eu não permito isso, né? Foi o que aconteceu naquela ocasião.
BARBOSA: Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo? Aliás, permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?
BARBOSA: Sim.
BARBOSA: Tire as suas próprias conclusões. Tenho quase 40 anos de vida pública. Em todos os lugares em que trabalhei sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.

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