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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 05, 2014

Emir Sader: o neoliberalismo, a Argentina e os fundos abutre


Quando se esgotava o ciclo longo expansivo do capitalismo, se impôs o debate sobre as razões desse esgotamento e as formas de retomada do desenvolvimento econômico. Triunfou a renascida versão do liberalismo, vocalizada, em particular, por Ronald Reagan, que disse que haveria que suspender os limites à livre circulação do capital, haveria que desregulamentar a economia. O capital voltaria a circular haveria investimentos, as economias voltariam a crescer e todos ganhariam.
(Foto: Reprodução)
(Foto: Reprodução)
Promoveu-se a livre circulação do capital em escala global, mediante a abertura dos mercados nacionais, a privatização de patrimônios públicos, a mercantilização do que antes eram direitos, a precarização das relações de trabalho, a retração do Estado, a centralidade do mercado. Mas o que aconteceu foi diferente do previsto.
Acontece que, como recordava sempre Marx, o capital não está feito para produzir, mas para acumular. Liberado das travas do período anterior, o capital se dirigiu, maciçamente, para a esfera financeira, onde ganha mais, tem liquidez total, paga menos impostos e exerce forte pressão sobre os governos. (Uma agência de apoio aos especuladores, uma vez concluiu suas sugestões, dizendo, lilteralmente: Aproveitem a festa, mas fiquem perto da porta.) Em escala mundial se deu uma gigantesca fuga de capitais do setor produtivo ao especulativo, com o capital financeiro assumindo o papel hegemônico na era neoliberal do capitalismo.
O baixo crescimento ou a estagnação ou até mesmo a retração das economias se deve justamente ao fato de que o setor hegemônico na economia é um setor parasitário, que não produz nem bens, nem empregos. É o capital financeiro sob sua forma especulativa, que não financia o consumo, nem a produção, nem a pesquisa. Vive da compra e venda de papéis.
Os fundos abutre são o exemplo mais radical desse caráter parasitário do capital especulativo, típico da era neoliberal. Nesse caso, se valeram da crise da dívida dos países latino-americanos nos anos 1980 para impor normas draconianas a governos subalternos, parte fundamental da herança maldita recebida pelos governos antineoliberais. Empréstimos a juros brutais em troca da renuncia à soberania nacional.
Assim, mesmo os governos que reagiram contra o neoliberalismo, começando a construir alternativas a esse modelo esgotado, tem que enfrentar ainda essa herança. Para a direita seria sinal de fracasso dos governos progressistas, quando na realidade são ainda restos dos governos da própria direita.
Os Brics começaram a apontar a alternativa: um Banco de Desenvolvimento para o Sul do mundo, um fundo de apoio frente a problemas que possam enfrentar esses países. O conflito atual da Argentina com os fundos abutre representa os estertores do modelo contra o qual foram eleitos e reeleitos os governos progressistas, que constroem um modelo alternativo ao neoliberal.

Escrito por: Redação

*Entrefatos

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