Noel Rosa e a classe política
Nossa brasilidade se demonstra de diversas formas, como em uma platéia cantando em uníssono uma canção de Noel Rosa tocada por Jards Macalé ao violão. Uma platéia de diferentes faixas etárias e classes sociais, diga-se de passagem, que pagou um real para assisti-lo, junto a Jorge Mautner, numa fria noite de início de semana, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.
Noel Rosa morreu há mais de 70 anos, mas suas canções permanecem vivas e fazem parte de nossa identidade, pois falam justamente de nossos hábitos e maneira de viver. Há poucas coisas tão brasileiras como uma boa média que não seja requentada e perguntar qual foi o resultado do futebol. E se acuse quem não puxa lá do fundo da alma os primeiros versos de Feitio de Oração: Quem acha, vive se perdendo/ por isso agora eu vou me defendendo/ da dor tão cruel desta saudade/que por infelicidade/meu pobre peito invade.
A identidade brasileira é simples em sua complexidade. Parafraseando Macalé, com liberdade, o brasileiro não precisa de muito dinheiro, graças a Deus. Prezamos as coisas simples e a alegria de viver. O povo quer tranquilidade para se divertir e manter seu espírito alegre. Isso se traduz em trabalho, educação, saúde, moradia e lazer. A cobiça não faz parte do nosso dicionário. E essa simplicidade não significa limitação e, sim, sabedoria.
A brasilidade está longe do mau sentido do “jeitinho” e do desrespeito pelas nossas coisas ou coisas nossas, mais uma vez me valendo de Noel. Por isso, soa tão repugnante saber que um vice-presidente da República se referiu à Agricultura como um “ministério de merda”. Estar à frente de um ministério ou ter um integrante de seu partido no comando de uma pasta deveria ser motivo de orgulho. Afinal, ministérios existem, ao menos em tese, para tratar dos assuntos mais relevantes ao país. E que o diga a pasta em questão, em um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo.
A classe política de maneira geral se dissocia cada vez mais do país e já nem disfarça um suposto interesse em servi-lo. O que está em jogo para ela não é o Brasil e o bem estar de seu povo, e sim o prestígio e a grana que um determinado cargo possa representar. Michel Temer foi tão explícito como o ex-deputado Severino Cavalcanti, que se bateu por “aquela diretoria que fura poço”, quando defendia a nomeação de um aliado seu a alto posto na Petrobras. Severino não aceitava outra diretoria, pois sabia que era aquela que movimentava a bufunfa e renderia mais frutos.
A realpolitik exige o atendimento de interesses políticos e partidários, mas a coisa aqui ganhou um caráter tão explícito de toma lá dá cá, que afronta os cidadãos. Políticos não são vestais. São homens, com todas as suas fraquezas, mas se candidataram a nos representar e precisam fazê-lo com a maior dignidade. Que existam desvios, é natural, mas a situação tem se tornado regra.
A impressão que se tem é que o país caminha para um lado – melhoria na distribuição de renda, ascensão de novas classes sociais e desafios para manter o crescimento – e os políticos para outro, apegados a cargos, permanência no poder e lutas intestinas.
A representação parlamentar é um pilar da democracia e a classe política precisa se imbuir desse significado e deixar de agir como um bando de interesseiros, cada um cuidando do seu quintal – partidário e pessoal – e se lixando para o resto da nação. Isso envolve perigoso nível de descrédito e ameaças à própria democracia.
Macalé tem uma antiga idéia de incluir na bandeira brasileira a palavra amor, parte do lema positivista “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim” que deu origem à expressão ordem e progresso no pavilhão nacional. O compositor carioca diz que gostaria de ver o amor sendo discutido por lá. Quem sabe não despertaria sentimentos mais nobres na nossa classe política?
Mair Pena Neto, Direto da Redação
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