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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, abril 21, 2012




Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e meio mora no Hospital das Clinicas 
Faz 36 anos que Eliana Zagui vive deitada num leito de UTI do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Vítima de paralisia infantil aos dois anos, ela perdeu os movimentos do pescoço para baixo. Respira com ajuda de equipamentos.

Na cama, a menina se formou no ensino médio, aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e tornou-se pintora. Tudo isso usando a boca para escrever, pintar e digitar. Hoje, lança (só para convidados) seu primeiro livro: "Pulmão de Aço - uma vida no maior hospital do Brasil" (Belaletra Editora).

Pulmão de aço é o nome de uma máquina, inventada na década de 1920, parecida com um forno. As pessoas com insuficiência respiratória eram colocadas dentro dela, com a cabeça de fora.

Eliana ficou cinco dias lá dentro, mas não funcionou. A pólio havia paralisado completamente o diafragma e a deglutição. Ela teve, então, que ser conectada para sempre a um respirador artificial. Só consegue ficar poucas horas longe do aparelho.

Entre 1955 e o final da década de 70, 5.789 crianças vítimas da pólio foram internadas no HC. Sete delas, atingidas com mais severidade, ficavam lado a lado na UTI. "Nós nos apegávamos um ao outro, como numa grande família. Era a única maneira de suportar aquilo tudo", lembra Eliana.

Da turminha, só sobreviveram ela e Paulo Machado, 43, que divide o quarto com a amiga e cuja história de vida também aparece no livro. "A Eliana é minha irmã, a minha família. Tem temperamento forte. Quando vejo que ela está brava, coloco os fones de ouvido e fico na minha", diz.

Eles poderiam viver com suas famílias, com o apoio do hospital. Mas nunca houve interesse por parte delas. Os parentes raramente os visitam. "Não me magoo mais. Já sofri muito e hoje aprendi que cada um é cada um."

Eliana e Paulo passam a maior parte do tempo na internet. Ela gosta de sites de relacionamentos, de pintura e artesanato. Paulo é aficionado por cinema. Está envolvido na produção de uma animação cuja protagonista é Teca, o apelido carinhoso pelo qual chama Eliana. E, para ela, o amigo é o Teco.

Quando é necessário, ele faz as vezes de irmão mais velho. "Dias atrás, eu me irritei no Face [Facebook] e postei uma mensagem malcriada. O Paulo viu e me chamou a atenção", conta Eliana, que chegou a ter 3.000 amigos virtuais. "Fiz uma limpa no final do ano e só deixei uns cem. Agora tenho uns 300, mas preciso limpar de novo."

A saudade dos amigos reais, os quais viu morrer um a um, é o que mais a entristece. "Foram momentos tão bons. Mas não voltam mais."

No livro, ela relata que flertou com o suicídio. "Avaliava as possibilidades: arrancar a cânula da traqueia com a boca, cortar ou furar o pescoço." E encerra com humor. "Descobrimos que até para morrer antes da hora precisamos da ajuda de alguém."

Eliana diz que, volta e meia, essas ideias ainda a visitam, mas que hoje tenta aliviar suas angústias nas sessões semanais de análise.


Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória    


Pergunto se sonha em viver na casa dos pais. "Não. Eu iria estagnar", responde convicta. Mas, sim, ela sonha em morar fora do hospital.

Em dezembro último, pela primeira vez em 36 anos, passou o Natal fora do HC, na casa de amigos. Foi de maca e com respirador artificial portátil. "Foi uma experiência ótima, indescritível."

Quanto ao livro, Eliana diz esperar que ele ajude "aqueles que não querem nada com a vida". "É claro que cada um tem as suas dores. A minha desgraça não é maior que a sua nem a sua é maior que a minha. Mas é sempre bom poder aprender a tirar o que vale a pena da vida."
*NINA

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