Veja e seu dono sem escrúpulos
A
regra número um de qualquer ofensor é passar-se por inofensivo. E a
melhor forma de fazê-lo é vestir a máscara do probo. Daí talvez a
hipocrisia ter-se instalado como traço mais marcante do caráter
nacional, a ponto de Nelson Rodrigues ter visto no discurso de zelo da
ordem familiar o biombo para toda espécie de transgressão daquilo que é
ético e justo.
Esse
parece ter sido o caso patriarca Victor Civitta, empresário do ramo
editorial, cujo nome de família constitui ele mesmo dissimulação um dia
necessária às perseguições que sofreram famílias vindas de uma Europa
conflagrada pelos crimes de ódio aos que vergassem nomes judeus.
Estranhamente,
trazendo no nome a marca de resistência à discriminação – como o trazem
também os Mesquita e os Frias dos jornais O Estado de São Paulo e Folha
de São Paulo, respectivamente – Civitta fez da perseguição o principal
meio de promoção da sua principal publicação, a revista Veja.
Não
o fez, porém, por apego à convicções do que pudesse ser melhor para o
País onde sua ascendência e ele próprio receberam democrática acolhida
para poder prosperar. Expôs à execração pública cidadãos como ele apenas
pelo estratagema que lhe permitisse manter a tona suas principais
publicações em circunstâncias desfavoráveis de negócio.
Não
agradou ao magnata Civitta que governos populares tenham alterado a
dinâmica de domínio do grande capital sobre as decisões econômicas do
Estado, como nos tempos do governo liberal de Fernando Henrique Cardoso,
que lhe carreava às empresas vultosas somas com anúncios e matérias
patrocinadas por poderosos lobbies do capital transnacional.
Agradou-lhe
menos ainda a perda de influência sobre as instituições públicas e os
governos estaduais das forças políticas identificadas com o
enfraquecimento do papel do Estado na economia, que trouxeram consigo
também perda de comando sobre verbas publicitárias de grandes
fornecedores do setor público.
A
migração de leitores da mídia impressa para meios alternativos de
comunicação eletrônica só fez por agravar a debilidade financeira das
revistas de Civitta. A fraqueza política das oposições contribuiu com
outro tanto das dificuldades para que o capitão das comunicações
decidisse oferecer serviços de panfletagem política ao principal partido
político das oposições ainda no controle de dois importantes estados da
federação, Minas e São Paulo.
Foi
assim que o grupo Abril obteve milionários contratos com os governos
dos estados de São Paulo e Minas Gerais, na forma de compra sem
licitação de publicações – dentre essas a revista Veja – para
distribuição entre usuários e prestadores de serviços públicos. Mais
recentemente a empresa obteve, pelo mesmo meio da troca de favores,
espaço gratuito para a veiculação de programas na emissora de TV estatal
paulista.
O
passo mais ousado estaria ainda por vir, nas saídas buscadas pelo
empresário para tirar seus negócios do atoleiro em que os colocara as
novas situações de política e de mercado do País. Civitta ordenou a
empregados lotados em Brasília, à altura da metade do primeiro mandato
de Lula da Silva, que buscassem no crime organizado, atuante em
diferentes esferas do governo federal, informações que permitissem às
revistas controladas pelo grupo constranger funcionários públicos a
direcionarem empresas contratadas para anunciar nos periódicos do Grupo
Abril.
Para
que a fórmula baseada na intimidação funcionasse era necessário
instalar verdadeiro clima de terror com relação à possibilidade de
denúncias, de sorte a levar agentes públicos a preferirem antes negociar
com o clã dos Civitta que explicarem-se perante órgãos de auditoria do
governo federal.
O
escândalo do chamado mensalão, que quase levou a um golpe branco contra
o governo de Lula da Silva, nada mais foi que um efeito colateral da
associação criminosa que mantinham Veja e o grupo do contraventor Carlos
Cachoeira. Uma fagulha provocada pela chantagem dos parceiros atingiu o
então deputado Roberto Jefferson ateando fogo ao paiol do Congresso
majoritariamente de oposição.
A
editora ganhava de dois lados. Por um via garantidos anúncios de
fornecedores de órgãos e empresas públicas, temerosos de terem o nome de
suas empresas envolvido com as denúncias de Veja. Por outro, ao atender
a oposição com acusações graves contra importantes figuras da
República, criava condições para a cobrança de faturas pelos serviços
políticos prestados.
Uma
larga avenida em declive só poderia redundar ao final em acidente
fatal. Os negócios de Civitta, conduzidos em alta velocidade mediante
uso farto da extorsão e chantagem, colidiram com uma nova
institucionalidade que vem de firmar-se no País para a proteção dos
interesses de Estado, fundada na auditoria técnica da Controladoria
Geral da União e nas investigações criminais autônomas da Polícia
Federal.
O
rosto sulcado de Civitta, quando convocado pela CPI que o Congresso
Nacional acaba de instalar, será mostrado em todas as televisões do
mundo como a face mais perversa de certa mídia que faz da liberdade de
imprensa arma para alavancar negócios, em detrimento das instituições
maduras e confiáveis que países em rota de desenvolvimento como o Brasil
esforçam-se por edificar.
*Brasilquevai
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